A vida é feita de relações e da qualidade dessas ligações, quer seja com a família, com parceiros, amigos, colegas ou, o mais importante, com nós próprios. Se conseguirmos fazer com que essas relações sejam funcionais e equilibradas, será mais fácil gerirmos o que a vida nos coloca no caminho. Este é o princípio que norteou a psicoterapeuta Philippa Perry a escrever O livro que as pessoas de quem gosta têm de ler (edição Arena).
Num registo bem-humorado, a autora encaminha o leitor para conselhos práticos e oferece-lhe orientação sobre como desenvolver a autoconsciência de modo a tornar-se uma pessoa mais equilibrada, a enfrentar provações com serenidade e a criar relações mais saudáveis com os outros e, com o próprio.
Escreve a autora na introdução à obra: “Por vezes, podemos fazer as perguntas erradas a nós próprios. Perguntamos constantemente “porquê?”, porque somos criaturas que criam sentido e porque ansiamos por uma narrativa. “Porque fulano acabou comigo?”, “Porque é que o meu filho se anda a portar mal?”, “Porque me sinto tão infeliz”. A carga emocional está toda concentrada no porquê – porque adoramos histórias e adoramos explicações. Contudo, perguntar a si mesmo porquê, regra geral, nunca é muito útil - a solução costuma residir no como. Aquilo que me interessa é como é que o leitor se está a fazer sentir da maneira como se sente: como ama, discute, muda e encontra constantemente”.
Ao longo das mais de 200 páginas do livro, Philippa Perry responde a um leque diversificado de perguntas: Como é que se encontra e mantém uma boa relação amorosa?
O que pode fazer para gerir melhor os conflitos? Como é que pode lidar com a mudança e com a perda? O que significa para si ser feliz?
Da obra, publicamos o excerto abaixo:
Obsessão não é amor
Um erro comum que vejo as pessoas cometerem é confundir obsessão com ligação. Em parte, culpo Hollywood por celebrar o tema de “nos apaixonarmos” que vemos nos filmes: o tipo de amor em que somos arrastados de maneira passiva. Isso acontece ao leitor, da mesma maneira que acontece a um bebé ou a uma criança de tenra idade. Uma criança pequena não faz nada, limita-se a cair no anseio.
Este e-mail de uma mulher que sentia que faltava uma “faísca” no seu relacionamento é um bom exemplo disso.
“Tanto eu como o meu companheiro temos 33 anos. Conhecemo-nos há cerca de dois anos. Ele é uma pessoa carinhosa, atraente e desde o início que me senti segura, descontraída e confortável, mas não especialmente arrebatada. Isto continua a ser verdade. No entanto, quanto mais nos conhecemos, mais algumas coisas melhoram. Contrariamente a alguns dos meus companheiros anteriores, ele é sensível, inteligente, sempre bondoso, cuidador e generoso — qualidades que realmente valorizo e que consigo apreciar, porque tive muitas experiências negativas com relações no passado”.
“O problema é que há uma parte de mim que não tem a certeza e não sei porquê. Creio que gostaria de alguém que iniciasse mais conversas ou mais aventuras. Amo-o e gosto muito dele. Desfruto da sua companhia e sinto-me amada; o sexo é bom. Parece que temos tudo, mas gostava de me sentir mais excitada, mais entusiasmada com a relação. É provável que a sensação de paixão e de excitação que tive em relacionamentos anteriores adviesse de uma dinâmica que não era saudável, porque eu nunca sabia em que situação me encontrava”.
“Portanto, não sei o que fazer e isso está a provocar-me ansiedade. Sinto que mudo de ideias de minuto a minuto. Gosto dele e não quero magoá-lo, portanto não quero falar com ele sobre isto. Ele diz que a nossa relação é excelente”.
É provável que fiquemos obcecados quando não temos a certeza de em que pé estamos com alguém, e, depois, quando finalmente nos prestam alguma atenção positiva, sentimo-nos entusiasmados com isso. Por outro lado, quando apenas recebemos atenção positiva, é fácil tomarmos isso como garantido. Como referi antes, não existirão os pontos baixos que são a razão de tamanhos pontos altos. Contudo, o que temos, em vez disso, é um desenvolvimento constante e lento que leva a um ponto alto de maior duração.
Com frequência, as pessoas que estão viciadas neste tipo de amor cheio de adrenalina fazem-me lembrar as pessoas que estão determinadas a deixar de fumar ou de beber. Um adicto tem normalmente dois lados: o lado sensato, de “isto é mau para mim”, e o lado impulsivo, que não pensa e que leva a mão ao cigarro, à bebida, à droga ou, neste caso, ao amante. Sabem que isso é mau para eles, que vai prejudicar-lhes a saúde, mas, sem sequer o verbalizarem, dão por si a acender outro cigarro — não há nenhum processo de tomada de decisão, limitam-se a fazê-lo. Quando somos viciados em álcool, na nossa cabeça pensamos no que costumávamos sentir com uma primeira ou uma segunda bebida, o que alimenta o desejo. Não pensamos em como nos vamos sentir na manhã seguinte, não nos debruçamos sobre não conseguirmos parar depois de começarmos, limitamo-nos a lembrar-nos das partes boas, menosprezando a infelicidade persistente e as emoções que oscilam. É frequente dizer às pessoas que são viciadas no amor cheio de adrenalina que o seu tipo de companheiro romântico não é o seu tipo. Escolher um companheiro não é como escolher cortinas. As cortinas começam por ser ótimas e depois perdem a cor. Um relacionamento continua a crescer e a desenvolver-se. Um amor maduro tem mais que ver com cuidar e fazerem coisas um pelo outro do que com a fase inicial arrebatadora e apaixonada. Também significa apoiarem-se mutuamente no sentido de alcançar a realização.
Um amor assim? Uau! É um tipo de amor completamente diferente. Não é passivo, é amor enquanto verbo, é amor enquanto ação, é o tipo de carinho constante, empenhado, disponível e consistente e que é o amor de que precisamos, em vez daquele que podemos pensar que queremos. Não é a loucura arrebatadora e obsessiva, do tipo “ninguém tem um amor como o nosso”, não é aquele mar em fúria, mas um lago calmo que é muito mais profundo do que poderíamos ter imaginado.
E aquela cicatriz muito, muito antiga que se formou na infância irá sarar e — mais do que sarar — irá tornar-se memória atrás de memória de amor em ação, em vez de amor que volta a cair num buraco familiar. Não caia na armadilha do anseio, seja carinhoso. A longo prazo é muito melhor e leva a algo mais sustentável.
Aristófanes, no seu relato das origens do amor, imaginou que os humanos são cortados ao meio pelos deuses e que toda a gente tem uma metade perfeita algures — tudo o que temos de fazer é encontrá-la. O dramaturgo tem muitas explicações a dar, porque nunca somos cortados ao meio — e não há um par perfeito. Contudo, há três coisas que podem ajudar. A primeira é o compromisso: é muito menos provável que um relacionamento resulte sem compromisso, porque, em vez de resolverem os problemas, é mais provável que as pessoas fujam. A segunda é assumirmos a responsabilidade pelos nossos próprios sentimentos, em vez de pensamos que o nosso companheiro é responsável por eles. A terceira coisa é o tempo. A mulher que me escreveu disse: “Quanto mais nos conhecemos, mais algumas coisas melhoram.” É assim que é o amor de longa duração, não é a incerteza entusiasmante do “ele ama-me, ele não me ama”.
Imagem de abertura do artigo cedida por Freepik.
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