
Em 2017, Thaís Vilarinho, fonoaudióloga de formação e mãe de Matheus e Thomás, publicou no seu país natal, o Brasil, o livro Mãe Fora da Caixa. A obra teve grande repercussão, não apenas na dimensão literária, mas também como inspiração para adaptações teatrais e, em breve, cinematográficas.
O título, agora publicado em Portugal com a chancela da Manuscrito, reúne textos sobre a experiência da maternidade, baseados no quotidiano da autora e em relatos de outras mulheres. Nas 132 páginas do livro, Thaís descreve de forma vivida e com humor questões como as dificuldades com o sono, a gestão do tempo pessoal e as mudanças na rotina após a chegada dos filhos.
Segundo a autora, com mais de um milhão de seguidores nas redes sociais, a iniciativa pretende formar uma rede de apoio e troca de experiências entre mães.
Escreve Thaís Vilarinho na introdução à obra: “Aqui não há certo ou errado, o que deves ou não deves fazer! Aqui existe um espaço de troca sobre a maternidade, isso sim (...) Enquanto escrevia este livro fui interrompida muitas vezes. Precisei de várias pausas ao som de “mããããe” para limpar rabinhos depois do cocó, pôr fim a brigas, preparar refeições, repetir mil vezes a mesma coisa, ficar stressada com a insolência (...) Sou uma mãe como tu (...) Partilho os meus sentimentos mais íntimos, vivências minhas e textos de leitores e convidados (...) O amor materno é controverso, e este livro também”.
Depois de Mãe Fora da Caixa, Thaís publicou Mãe Recém-Nascida (2019) e Imagina na Adolescência (2022), além de três livros infantis. Recentemente, lançou o projeto audiovisual Mar de Mães, que explora temas relacionados com amizade e maternidade.
Do livro, publicamos o excerto abaixo.
O assunto proibido
Antigamente, não se falava muito sobre o pós-parto. Havia uma penumbra à volta do assunto. Antigamente? Há dez anos, quando fiz a minha estreia na maternidade. Para mim, bastante tempo; para a humanidade, ontem.
Chiuuuuu, olha aí o pós-parto, fala baixo! Quando alguém falava sobre o pós-parto, engolia as palavras. Falava muito baixinho para ele passar desapercebido. De onde vem esse medo?
Precisamente por ser tão difícil, não deveríamos estar a falar dele? Será que as próprias mães preferiam não falar? Ou não havia um ambiente favorável para trocas sobre o assunto? Eu não conseguia perceber.
Chiuuuuu, nada!
Tudo o que eu mais queria, desesperadamente, urgentemente, era falar sobre o assunto. Porque é que não me disseram nada? Será que acharam que não era importante para mim saber que iria sangrar durante um mês seguido? E que teria de usar pensos higiénicos que mais pareciam fraldas? Porque não me falaram de o peito vazar tanto que os delicados absorventes de seios não seriam suficientes?
Consegues imaginar a cena? Cesariana, pontos, dor, fralda descartável em baixo e fralda de pano à volta do sutiã, para não molhar a cama toda. Sem falar nas conchas para o peito não ficar muito cheio e conseguir fazer o bico. Ah, e a cinta! Chega a ser hilariante, não? E ninguém me falou sobre isso. Esqueceram-se desses “detalhes”.
Não podiam pelo menos ter falado da sensação de tristeza que vai chegando? Dessa tristeza que vem, justamente, quando, segundo disseram, eu sentiria a maior felicidade do mundo, não podiam ter dito nada? E do cansaço que me faria, uma vez ou outra, perder a paciência com o meu bebé? Se me tivessem dito, será que ajudaria a que eu não me sentisse tão incrivelmente culpada?
Será que alguém, pelo amor de Deus, nos poderia ter dito, e aos nossos parceiros, que é absolutamente normal a mulher não conseguir nem pensar em sexo mesmo depois da quarentena?
Será que alguém, pelo amor de Deus, nos poderia ter dito, e aos nossos parceiros, que é absolutamente normal a mulher não conseguir nem pensar em sexo mesmo depois da quarentena? O que é que se passa, malta? Porque é que nos escondem isso? É um crime! Eu ficava ali, entre as minhas lágrimas, os meus medos, a minha culpa e o meu cansaço. Revoltada com a falta de sensibilidade da humanidade.
Devíamos gritar aos quatro ventos sobre como é doloroso e difícil esse início da maternidade! Sim, gritar!
Ouvir dizer que é normal ter uma certa tristeza (maternity blues) que não desaparece depois de o bebé nascer já nos acalma. Ler que o amor pelo filho pode não ser forte e arrebatador assim que ele nasce diminui a nossa culpa.
Ouvir quão normal é estarmos frágeis e a precisar de apoio nessa altura reconforta. Ler que amamentar pode ser muito doloroso e difícil no início alivia. Ouvir que é normal sentirmos falta da nossa liberdade tranquiliza. Ler que as noites em claro talvez nos levem ao ponto máximo da exaustão tira um peso enorme dos ombros.
Não vamos deixar de passar por nada disso se ouvirmos e lermos sobre o assunto. Mas tranquiliza o coração e a alma agradece. É ser entendida. É não estar sozinha. É como um abraço. É ter o direito de sentir inteiramente e intensamente as emoções que nascem dentro da nós. O sofrimento não está nos sentimentos negativos que a maternidade traz, mas sim no esforço constante em negá-los ou em não os aceitar. Ficar triste, ter medos e dúvidas fazem parte da experiência.
Hoje em dia, até temos uma palavra que define essa fase com data exata de início, mas não de fim: puerpério.
Vamos iluminar as sombras que ainda existem por aí?
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