Em séculos que já lá vão, para facilitar o transporte das matérias primas necessárias e dos tecidos, os trabalhadores da industria da seda, uma das mais dinâmicas de Lyon, a segunda maior cidade de França, criaram ligações entre prédios, unindo-os por corredores, muitos deles circulares, que desembocavam em pequenos pátios a céu aberto, fazendo a ligação entre a parte alta e a parte baixa da urbe. Batizaram-nos de traboules.
Aberto em 2000, o Cour des Loges, um hotel de charme de cinco estrelas, resultante da junção dos quatro edifícios que albergavam um antigo colégio jesuíta, soube tirar partido do grande pátio existente entre eles, transformando-o num espaço repleto de arcos verticais, que serve simultaneamente de sala de pequenos-almoços arejada e de restaurante intimista, quando a noite cai.
Quando se entra na unidade hoteleira, localizada no centro histórico da cidade, o Vieux Lyon, é este o imponente cenário, que também remete para o imaginário dos pátios andaluzes, que acolhe os hóspedes. É à volta desta torre interna que se materializa o hotel. Um labirinto (quase) insólito de corredores, escadas e arcadas conduz até às 60 habitações. Além de 56 quartos, integra quatro suites e apartamentos, todos eles diferentes nos tons, nas cores e nos materiais que exibem.
«Nenhum dos quartos se assemelha a outro», assegura Franck Sciessere, diretor de exploração do hotel, enquanto mostra algumas das divisões de uma das suites. «Os jogos de espaço e de volume [das habitações] transportá-lo-ão para um universo feérico que só a Cour des Loges pode proporcionar», promete um dos folhetos promocionais do hotel. Não é preciso muito para o confirmar.
Depois de cumpridas as formalidades do check-in, basta entrar no elevador para antever o que nos espera. Apesar de pequeno, está decorado com um banco semi-oval em veludo e com uma pintura trompe-l’oeil que ocupa uma das paredes de alto a baixo. O quarto onde ficámos insere-se na mesma linha decorativa.
Além de madeira pintada a imitar mármore, a cabeceira da cama exibe uma pintura de inspiração renascentista com uma moldura de faia trabalhada. Os cortinados exibem motivos florais e o chão é de tábuas corridas, como o de muitas casas portuguesas de antigamente. Para ver a galeria de imagens do hotel Cour des Loges, clique aqui.
Materiais do passado num hotel com olhos no futuro
Preservar o passado, dotando-o do conforto moderno é, desde a abertura, em fevereiro de 1987, um dos principais objetivos da administração do Cour des Loges. Ao longo das sucessivas remodelações que foram empreendendo, os responsáveis procuraram manter o mais possível do que resta dos velhos edifícios renascentistas. As casas de banho, esteticamente muito atractivas, são um dos espaços onde mais o têm conseguido.
«Como são tendencialmente grandes, temos tentado dar-lhe um estilo diferente, para que possam ser um espaço mais vivido», assume Franck Sciessere, enquanto aponta para os cortinados em tafetá e para a pedra velha, original, que as decora. Algumas das habitações já estão equipadas com cabine de duche mas outras (ainda) só têm banheiras à antiga, como o quarto onde pernoitámos. No entanto, todas partilham de um charme quase pitoresco.
Num passado recente, Sophie Marceau, uma das mais internacionais actrizes francesas, que brilhou ao lado de Pierce Brosnan no filme de 007 «O Mundo Não Chega», «The World Is Not Enough» no original, passou uma temporada de cinco semanas no hotel. «Era na casa de banho que ela gostava de se refugiar para trabalhar», confidencia o diretor. Para além de procurar valorizar a arquitectura original dos edifícios, o Cour des Loges tenta também tirar partido das muitas janelas que o integram.
«Temos divisões que têm cinco, algo que era muito raro no século XIV», sublinha Franck Sciessere. Algumas delas oferecem uma sedutora vista para a catedral da cidade, localizado no topo de uma das suas duas colinas, a de Fourvière. «A colina que reza», como lhe chamam alguns dos seus habitantes, por oposição «à colina que trabalha», como chamam à de La Croix-Rousse, onde se desenvolveu a importante indústria de produção de seda no século XVI.
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O peso da influência italiana
A influência italiana que no período renascentista invadiu França ainda está presente nos dois restaurantes do hotel. Vencedor de uma estrela do Guia Michelin desde 2012 e de três Garfos Vermelhos, outro importante galardão, o Les Loges é o restaurante premium e intimista da unidade hoteleira, rivalizando com o Café-Épicerie, também já distinguido com um Garfo Preto e com menções no Guia Gault et Millau.
Além do bar, existem ainda um fumoir, uma sala de fumo, paredes-meias com seis salas de reuniões, algumas delas com lareira, com uma decoração clássica, quase apalaçada. Integra ainda uma adega onde decorrem degustações de vinhos. Membro da rede Virtuoso e da rede SLX, Small Luxury Hotels of the World, que reúne alguns dos pequenos hotéis mais luxuosos do mundo, o Cour des Loges disponibiliza, ainda, um spa, o Pure Altitude Spa.
Inaugurado em agosto de 2014, integra uma piscina com jatos de água que permitem nadar contra a corrente, uma sauna seca, uma sauna húmida, um banho turco, uma sala de relaxamento inspirada nas termas romanas, uma sala de musculação e um jacúzi, instalado numa sala envidraçada com vista para o azul do céu e para o verde do jardim vertical com terraço que ocupa a área de lazer exterior.
Este espaço, outrora uma área devoluta, é outro dos orgulhos do director do hotel. «Lyon não é propriamente uma cidade de jardins», justifica Franck Sciessere. Daí o entusiasmo… Em forma de barril, a instalação da pequena piscina de bolhas, não foi contudo fácil. «Teve de vir todo em peças [de madeira] para ser montado aqui. Não cabia em nenhuma das portas», revela.
Sendo a cidade essencialmente (re)conhecida pela sua oferta cultural e gastronómica, o Cour des Loges posiciona-se como a melhor opção para quem procura um hotel charmoso e versátil para um city break ou para uma breve estadia em negócios. O preço dos quartos varia entre os 190 € e os 480 €. Os das suites oscila entre os 340 € e os 870 €.
Dois quartos que materializam o conceito do hotel
Resultante do casamento perfeito entre o espírito renascentista e a criatividade contemporanea, o Cour des Loges é um espaço onde a pedra, as escadarias das torres e os tetos franceses seduzem quase tanto como as suas passagens quase secretas e os seus corredores. Foi este o cenário que, juntamente com os seis pátios interiores, cativou Jocelyne Sibuet e Jean-Louis Sibuet, os proprietários.
Quando começaram a recuperar os antigos edifícios, idealizaram dois quartos que ainda hoje se distinguem. A chambre du photografe, o quarto do fotógrafo, homenageia os irmãos Lumière, criadores do cinema moderno, nascidos na cidade. Já a chambre du peintre, o quarto do pintor, é uma divisão inspirada nos camarotes dos teatros de ópera venezianos que pretende homenagear o pintor Hervé Thibault, com uma representação do Grande Canal de Vaneza.
Dos edifícios construídos em 1341, que além de um colégio jesuíta chegaram a abrigar habitações de mercadores, de bancários e de trabalhadores ligados à indústria da impressão e da tipografia, além de um laboratório médico e de uma leitaria, pouco ou nada resta, a não ser o espírito retro que já levou o jornal The Sunday Times a considerar o hotel que hoje abriga «um dos 50 locais mais fantásticos para pernoitar».
Localizado na Rue du Boeuf, em pleno centro de uma área classificada Património Mundial da Humanidade pela UNESCO, o Cour des Loges é um dos 11 estabelecimentos hoteleiros de charme que o grupo Maisons & Hotels Sibuet detém na região dos Alpes franceses e de Provença.
Uma das melhores formas de descobrir as belezas naturais desta zona é através de um Citroen 2 CV antigo, um serviço que pode contratar diretamente na receção do hotel. Os mais corajosos e os que dispõem de mais tempo podem mesmo aproveitar a estadia para se aventurar e ir até Lubéron ou Saint-Julien-du-Verdon, duas das vilas que muitos consideram «as mais belas de França».
Texto: Luis Batista Gonçalves
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