A natureza livre, o amor pelo belo e os porquês do discurso sem reticências do apresentador que respira arte, nasceu para chegar aos outros, mas que se alimenta de um silêncio que nunca o fez sentir -se só. O seu! Nascido em Lisboa a 25 de dezembro de 1954, Manuel Luís Sousa Goucha foi ator e cozinheiro na televisão, antes de iniciar uma longa carreira de apresentador. Apresenta há mais de 10 anos o programa «Você na TV!», ao lado de Cristina Ferreira, constituindo a dupla mais famosa da televisão nacional. «Ela potencia muito a minha rebeldia e eu espicaço muito a rebeldia dela», confidencia.
Ao pensarmos na figura de capa para a edição do nono aniversário da Prevenir, queríamos alguém que fizesse os outros felizes e alguém que se sentisse bem consigo e com o mundo. É assim que o vemos. Também é assim que se vê?
Não se consegue mentir em televisão durante 20 anos, todas as manhãs, três horas por dia. Se passo essa imagem aos outros, é porque realmente estou muito bem com a minha vida e comigo próprio. É um processo evolutivo, de anos, que implica deitar fora o que não é importante. O que passo às pessoas, através do meu trabalho, que ocupa 80 por cento da minha vida, tem muito a ver com o facto de gostar muito de mim como pessoa. E quando uma pessoa está bem consigo própria passa a estar muito mais disponível para os outros.
Há uma foto sua no seu blogue [O Cabaret do Goucha], ainda criança, em que ri e brinca na praia da Figueira da Foz. Lembra-se de si, desde sempre, como alguém feliz?
Aquela criança não tem nada a ver com o homem que sou hoje. Fui muito velho em criança. Aquele foi um momento feliz, mas a lembrança mais recorrente que tenho da minha infância é sempre muito solitária. Não me sentia sozinho, mas estava só comigo próprio…
Li que gostava de ficar em casa a representar...
E a ler e a fazer peças de teatro, recortando ilustrações… As minhas brincadeiras nunca foram com outras pessoas, foram sempre comigo próprio. E depois havia uma coisa muito esquizofrénica [risos] que era ficar horas, dias, a conversar, no sofá da sala, com uma pessoa que não existia, olhando para a televisão como se fosse a câmara…
Esse tempo teve um lado positivo?
Não sei se, hoje, pais que tivessem uma criança assim não iriam a um pedopsiquiatra… [risos] Eu era uma criança muito metida consigo própria que queria ser conhecida, era uma necessidade de afirmação, mais tarde aprendi que esse não podia ser o objetivo. Fui ator, durante dez anos e continuo a brincar diariamente, só que em vez de entrevistar figuras imaginárias entrevisto pessoas de carne e osso. Está a ver porque sou feliz? Porque só posso ser feliz. Materializaram-se todos os meus desejos de criança, à custa do meu trabalho.
Veja na página seguinte: As justificações para o sucesso da parceria com Cristina Ferreira
O programa «Você na TV!» está no ar há dez anos. Como se trabalha durante uma década no mesmo projeto sem se cansar e sem cansar os outros?
Visto assim, na verdade, estou há 22 anos sem cansar os outros em programas da manhã… Nos horários da manhã e da tarde, temos o conceito de programa de companhia. Há uma relação mais pessoal. Se o apresentador é verdadeiro, e o telespectador gosta dele e ele passa a fazer parte da família. É também isso que explica porque as pessoas encaram as nossas mudanças de projeto/canal como uma traição. O «Você na TV!» é líder, mas nunca menosprezo a concorrência.
E depois há também a vossa rebeldia…
Sim, a Cristina [Ferreira] potencia muito a minha rebeldia e eu espicaço muito a rebeldia dela. Não somos alinhados e isso é muito interessante num país de gente muito alinhada em termos religiosos, políticos e sociais. Nós não temos dono…
Nunca receou que a diferença lhe custasse caro?
Não e nunca me custou nada porque é assumida com muita verdade, tranquilamente. A minha postura é só uma. Não somos iguais, somos todos diferentes e felizmente que assim é porque é a diversidade que nos enriquece. O meu jeito de ser, a minha forma de viver, a minha forma de amar é diferente da de muitos.
Eu escolhi ser feliz desta maneira, mas isso prejudica a vida de alguém? Quando isto é transmitido com elegância também é assimilado, por isso sinto que as pessoas gostam de mim, embora nem todas. Mas nem eu queria que fosse de outra forma: a unanimidade é a coisa mais pobre que pode existir.
É muito diferente hoje do que era há uns anos atrás?
Há duas décadas, em termos profissionais, era capaz de ser muito deslumbrado com o sucesso. Depois a vida encarregou-se de me dar um fracasso, o programa «Momentos de glória», na TVI. Não estava preparado, não tinha idade e não tinha estrutura cultural para aguentar um programa daqueles, mas fi-lo. Fui vaidoso! Devia ter tido a humildade de dizer que ainda não tinha aprendido o suficiente. Fui trucidado pela crítica, fiz psicanálise e afetivamente estava em rutura com uma relação de 11 anos. Foram seis meses terríveis…
Teve de se reinventar…
Sim, tive de recomeçar, de voltar à casa de partida, aos programas da manhã da RTP e, a partir daí, as coisas foram-se compondo. Isso ensinou-me que temos de nos focar num objetivo e ir pondo de parte coisas que são supérfluas. A minha psicanalista disse-me então que eu tinha uma capacidade incrível de rejeitar imediatamente o que me magoa. Digiro-o e não penso mais nisso. A psicanálise descodificou-me. Aprendi que se tiver um pensamento negativo tenho logo de o por de parte.
Como funciona esse processo?
É preciso estar atento aos sinais. Por exemplo, se penso «Porquê fulano e não eu?», falo comigo «O que é isto, Manuel Luís?!» e não me permito senti-lo. Afasto-o… A minha luta diária é, em todas a situações, mesmo quando estou só comigo, usar o meu lado mais elegante. Mas ainda há muita coisa que tenho de trabalhar. Lido mal, por exemplo, com o facto de ser contrariado. Não aceito ordens!
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Gosta de dominar os processos, mas também trabalha bem em equipa, certo?
Trabalho muito bem e tenho ao meu lado uma mulher que é líder e nunca houve a menor beliscadura entre nós. Poderia ter havido…
Em que é que são muito iguais e muito diferentes?
Somos muito iguais na maneira de pensar televisão e somos muito diferentes em tudo o resto. Temos sensibilidades diferentes no que toca à forma de viver, temos o mesmo pensamento face à televisão. Gostamos de desestruturar, de não ser politicamente corretos e de brincar e isso é maravilhoso e é o grande segredo. Às vezes, acho que já ultrapassámos tudo, que estamos à beira do precipício. [risos]
É muito expansivo em frente às câmaras, mas depois há um lado seu tão privado…
É assim que eu me equilibro para compensar a rudeza do meio televisivo e da vida. Criei uma bolha. Porque gosto tanto de estar na minha casa, no meu jardim com os meus cães? Porque aí só me rodeio de coisas bonitas! Chego a não falar… Não sou, muitas vezes, grande companhia para quem vive comigo porque é assim que me alimento e me reestruturo.
Sou felicíssimo nos meus silêncios porque neles sou altamente criativo. Sinto-me muito feliz com coisas materiais, com trabalho, mas também a olhar para os meus pinheiros recortados pelo azul do céu. As coisas bonitas dão-me equilíbrio emocional.
Como a pintura, de que tanto gosta. Numa entrevista que deu, há muitos anos, dizia que precisava dela para respirar…
Preciso e, se não a tenho, vou ao museu e aí os quadros são meus por uma hora. A pintura é mais avassaladora do que a música, que é prejudicada ou enriquecida pelo virtuosismo de quem a executa, há intermediários. Na pintura, não. Estamos perante a obra. A mensagem está ali e é recebida ou não por nós.
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8 coisas sobre Manuel Luís Goucha que ainda não sabia
1. É um homem do presente. «O que interessa o que fiz ontem? O que interessa é o que vou fazer hoje e, quando muito, amanhã», refere o apresentador.
2. Manuel Luís Goucha tem o sonho de passar uma noite de Natal na Lapónia.
3. É um apaixonado por animais. Tem oito cães, uma gata e dois papagaios.
4. O apresentador é um fã assumido de música clássica. Gosta de ouvir Rodrigo Leão, Chopin, Tchaikovsky, Bach, Verdi, Bizet, Puccini, Wagner e Verdi.
5. Paris é a sua cidade. «Lá não uso jeans, só peças em preto ou branco, mais formais», revela o colega de apresentação de Cristina Ferreira.
6. Manuel Luís Goucha vai lançar um livro em 2015. O título já está escolhido e vai ser «As Receitas Cá de Casa».
7. Não bebe e não fuma. «O meu único excesso é viver intensamente», assume.
8. Não cozinha senão doces. E em sua casa a alimentação é «saudável, elegante, bonita e rápida», assegura o apresentador de televisão.
Texto: Nazaré Tocha
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