Tinha apenas 17 anos quando participou no concurso televisivo "The X Factor Australia". Na altura, ainda usou o nome que os pais, um filipino e uma australiana, lhe deram, Sheldon Hernandez. A partir daí, nunca mais parou. Na altura, participar no Festival Eurovisão da Canção era um dos seus maiores sonhos, como Sheldon Riley, cantor e compositor de 23 anos, revela em entrevista exclusiva ao Broader/SAPO Lifestyle. "Not the same" é o nome da canção com que representa a Austrália na próxima quinta-feira em Turim.
Tinha seis anos quando lhe foi diagnosticado síndrome de Asperger, chegou a viver institucionalizado e ainda teve de aprender a lidar com a sua (homos)sexualidade no contexto de uma família muito religiosa e conservadora. Todas essas vivências estão agora materializadas na canção que o trouxe a Itália, uma canção que também fala de exclusão e de discriminação...
Sim, a minha canção chama-se "Not the same". É sobre um período longínquo da minha vida. É a forma que eu encontrei de dizer às pessoas que, apesar de não ser igual a muitas delas, essa diferença não define que eu sou nem me impede de conseguir grandes feitos. Basicamente é isto... Como tenho dito noutras entrevistas, nunca pensei que fosse capaz de contar a minha história.
Escrevi esta canção no final de 2015. Na altura, era apenas um poema. Cheguei a publicá-lo no meu antigo perfil no Facebook. Independentemente do género, da sexualidade, da raça, da posição social, da idade, da cor ou do aspeto físico, esta canção é um presente para todos aqueles que se sentem diferentes. É uma forma de lhes mostrar que não estão sozinhos...
Mas sente-se assim tão diferente da maioria das pessoas? Por que é que não é igual aos outros?
Acha que eu me pareço com a maioria das pessoas? [abana o rosto para que os óculos com pingentes de cristal que tem usado em entrevistas e atuações ao vivo se mexam e façam barulho]
Efetivamente, não... Mas uma coisa é a imagem extravagante que projeta de si e outra é o que vai no seu íntimo. Há assim uma diferença tão abismal?
Por acaso, até me sinto atualmente mais próximo da maioria em termos de imagem mas, na realidade, sempre me senti diferente das outras pessoas. Não consigo bem explicar porquê... Mas, na realidade, sempre me expressei de forma diferente dos outros, pelo menos daqueles que a maioria das pessoas consideraria normal.
A participação no Festival Eurovisão da Canção era um sonho de criança ou foi um acaso no seu percurso artístico?
Era um grande sonho. Desde pequeno que queria participar. A primeira vez que vi o eurofestival foi quando a Conchita [Wurst, representante da Áustria em em 2014] ganhou. Eu venho de uma família muito religiosa e conservadora e a Eurovisão não era um espetáculo que nós acompanhássemos em família mas, quando eu o comecei a ver, fiquei de imediato rendido.
Este festival promove os valores de união, de igualdade e de solidariedade em que eu acredito, promove a diversidade e a individualidade criativa... Ver as pessoas a chorar ao ouvirem uma balada e, logo a seguir, estarem a dançar como se não houvesse amanhã ao som de uma canção mais ritmada é uma coisa espetacular. Desde o início da minha carreira que tinha como objetivo participar no Festival Eurovisão da Canção em representação da Austrália. Eu tinha colegas que tinham como ambição vencer o "The Voice Australia", o "The X Factor Australia" ou o "America's Got Talent" quando participei nesses programas.
Eram concursos que tinham grandes prémios monetários. Eu contentava-me apenas em aumentar o meu número de fãs e de seguidores para conseguir uma base de apoiantes que me ajudasse a representar o meu país no eurofestival. Para o conseguir, tive de trabalhar muito. Tive de batalhar muito. Mas está, finalmente, a acontecer. [sorri]
Participar no Festival Eurovisão da Canção é, segundo a maioria dos ex-concorrentes, uma experiência fantástica mas também muito exigente, fisicamente e psicologicamente. Como é que a tem vivido?
É, de facto, muito extenuante... A minha voz, em Londres, na fase dos concertos promocionais, ressentiu-se e, logo de seguida, tive de viajar para Israel. Tenho dado o meu melhor... A adrenalina desta experiência é fantástica mas a verdade é que estou muito cansado. Muito cansado mas também muito feliz com o que estou a viver...
Apesar do bom ambiente que se costuma viver entre as diferentes comitivas, não nos podemos esquecer que isto é um concurso e que muitos países ficam pelo caminho nas duas semifinais. Que expetativas é que tem realisticamente em relação à vitória?
Acha que a Austrália alguma vez ganhará a Eurovisão? Não estou a falar de mim em concreto mas acha que algum representante australiano alguma vez terá a possibilidade de vencer?
A Dami Im, em 2016, ficou em segundo lugar com "Sound of silence". A Austrália esteve quase a vencer a edição do Festival Eurovisão da Canção desse ano.
Sim, ficámos muito perto. Os australianos são muito competitivos, eu também o sou. Adoro ganhar. Mas o meu objetivo não é sempre vencer. Neste caso, quero dar o meu melhor e, esperançosamente, ter algum êxito e algum reconhecimento pelo meu trabalho.
Mas a verdade é que a Austrália está longe da realidade europeia. Não temos lá uma comunidade de fãs do festival como as que existem noutros países. Isto é tudo muito novo para mim e, depois, também há aqui questões políticas. Mas nós, australianos, não desistimos facilmente e vamos dar luta...
A canção que interpreta, uma balada emotiva, tem sido muito elogiada...
Acaba por ser uma canção estranha mas estou muito orgulhoso dela. Escrevia-a com a intenção de ser eu próprio a interpretá-la. Nunca tive a pretensão que fosse uma canção orelhuda, daquelas que passam nas rádios. Espero que se destaque no meio de todas as outras.
São milhões os que acompanham anualmente o Festival Eurovisão da Canção. O YouTube está cheio de rankings dos fãs, há aplicações móveis que somam os pontos que os utilizadores atribuem, temos as listas das casas de apostas... Tem o hábito de andar a ver o lugar que ocupa ou desvaloriza essas listagens?
Não ligo muito. Já apareci em posições muito altas nalgumas dessas tabelas mas, na realidade, isso não significa nada. Há quem goste de um artista porque tem muitos seguidores nas redes sociais ou porque gosta dele e não tanto da canção.
Muitas dessas opiniões também se baseiam nas atuações nas finais de cada país e a atuação que é depois apresentada na Eurovisão é, muitas das vezes, diferente. A própria versão da canção também. Eu só vou olhar para essas listagens com maior atenção agora depois dos últimos ensaios em Turim. Até aqui, não valia muito a pena...
As apostas que os países participantes fazem neste evento também são diferentes, o que também acaba por influenciar as perceções que se têm das canções. Há uns que investem muito mais do que outros...
Sim, há países, como a Suécia, que têm orçamentos enormes e que já tiveram finais nacionais fabulosas, e, depois, países mais pequenos com uma capacidade de investimento menor. Isso também acaba por ter alguma influência no impacto que causa nas pessoas, é verdade...
Os fãs do Festival Eurovisão da Canção esperam de si uma atuação muito extravagante, à semelhança da que lhe deu a vitória na final nacional da Austrália, em fevereiro. Pode desvendar um pouco mais da sua atuação para os que ainda não tiveram a oportunidade de ver excertos dos seus ensaios em Turim?
Não vou divulgar muito para que vejam a minha atuação na semifinal de quinta-feira mas posso garantir que a minha performance vai ser mil vezes melhor do que na final nacional australiana. O meu figurino é espantoso. Vou ter uma nova máscara, uma nova encenação em palco, uma nova coreografia, novas cores... É tudo diferente mas, ainda assim, na mesma linha ao mesmo tempo.
Conhece Portugal?
Não, nunca fui a Portugal, mas vocês têm uma das minhas canções favoritas de sempre da Eurovisão. Eu tenho uma obsessão pelo Salvador Sobral. Adoro-o. É um artista fantástico, com um talento incrível. Fui muito inspirado pelo trabalho dele nalgumas das minhas composições. Quando representou Portugal, eu só pedia que o ouvissem com ouvidos de ouvir, sem qualquer tipo de preconceitos.
A Eurovisão é um sítio onde se dança e onde se grita muito e a canção dele era tão bonita, tão emocional, uma autêntica obra de arte... Quando venceu, deu esperanças a uma série de pessoas como eu, que apostam em canções diferentes. Assim que ouvi os primeiros acordes de "Amar pelos dois", fiquei imediatamente rendido. Para mim, é uma das melhores canções de sempre a concorrer à Eurovisão.
Salvador Sobral, no momento da vitória, foi muito crítico. Disse que o Festival Eurovisão da Canção deveria ser mais música e menos fogo de artifício. No seu caso, tem uma canção forte e emotiva, mas também tem uma forte componente visual, ousada e extravagante. Tentou trazer para o palco do eurofestival o melhor dos dois mundos?
Sim, para conseguir chegar ao maior número possível de pessoas, diria eu... [pausa] Depende muito de cada um. O Salvador não sentia essa necessidade de ter um visual impactante. Eu sinto. Adoro o que faço, adoro os figurinos que idealizo e as pessoas com quem depois trabalho para os executar.
A moda é outra das minhas paixões. Quando eu era mais novo, não havia ninguém na televisão a vestir-se como eu me visto atualmente. Hoje em dia, já vai sendo diferente mas, ainda assim, temos um longo caminho a percorrer na defesa da individualidade de cada um. Ainda hoje, não há ninguém na televisão australiana que faça o que eu faço. Estou orgulhoso pelo que tenho conseguido. Eu era um rapaz que adorava a ideia de poder usar vestidos mas, ao mesmo tempo, ficava confuso. Porque eu era um homem e não queria ser mulher.
A única coisa que queria era poder usar vestidos. Houve um momento da minha vida em que até me questionei se era um travesti mas, depois, percebi que era apenas um homem que gostava de usar roupa de mulher sem nunca abdicar da sua masculinidade.
Como diz o título da sua canção, no fundo, é igual a todos os outros mas, ao mesmo tempo, diferente...
Sim, é isso...
Gosta da canção que representa Portugal este ano?
Sim, gosto... Acho que este ano há canções muito fortes. Há alguns países que eu gostaria muito de ver na final. Acho que a concorrência é muito renhida esta edição mas eu não encaro isto como uma competição porque sou um grande fã deste espetáculo.
Habitualmente, oiço sempre todas as canções antes, procuro conhecer as histórias dos intérpretes... Este ano, foi o contrário. Tenho evitado ao máximo ouvir as canções para as poder julgar apenas depois de serem apresentadas em palco. Vai ser muito emocionante!
Mas tem uma favorita entre as poucas que ouviu nos concertos promocionais que fez na Europa?
Sim, a Polónia, a Estónia e a Suécia são as minhas preferidas neste momento. Mas tudo pode mudar à medida que as vamos ouvindo. No outro dia, conheci a representante da Albânia [Ronela Hajati] e fiquei fascinado com ela. Também adoro a canção dela. Mas vou tentar ouvir a maioria dos temas só depois de conhecer os artistas que as interpretam...
E, depois do Festival Eurovisão da Canção, já sabe o que vai fazer? Já tem muitos projetos em carteira?
Sim, estou a preparar uma digressão europeia. Vou também tentar colaborar com outros artistas da Eurovisão. Acho que podemos fazer coisas giras. Vai também depender da evolução da pandemia e do modo como as coisas me correm em Turim...
Portugal é um dos países onde poderá atuar nessa digressão europeia?
Sim, definitivamente. Portugal é um dos países que mais quero visitar porque, aparentemente, tenho muitos fãs aí. Muitos artistas, depois do eurofestival, procuram essencialmente ir a França, à Suécia, à Itália e à Alemanha, mas eu não. Eu quero ir a Portugal, quero ir à Estónia, quero ir à Polónia...
Eu quero ficar algum tempo na Europa para poder ir a todos esses sítios. E adoro a ideia de o poder fazer porque, por causa da COVID-19, fiquei retido na Austrália durante demasiado tempo. Agora, estou com muita vontade de poder ver e conhecer pessoas e de levar a minha arte ao maior número de espetadores que conseguir.
Comentários