Os alimentos de origem vegetal podem substituir por completo a carne e o peixe na alimentação das crianças. Esta é a grande convicção de Gabriela Oliveira, jornalista e autora do livro "Alimentação vegetariana para bebés e crianças", publicado pela editora Arte Plural Edições no início da década de 2000, mãe de três crianças vegetarianas. Adepta do vegetarianismo, não hesitou em adotar o mesmo regime alimentar para os filhos.
O seu desenvolvimento saudável levou-a a querer partilhar com outros pais e educadores conselhos, recomendações e receitas que tornam as crianças menos dependentes de produtos de origem animal. "Experimentem, pelo menos, uma refeição vegetariana por semana", aconselha a também autora dos livros "Cozinha vegetariana para quem quer ser saudável" e "Cozinha vegetariana para quem quer poupar", nascida em 1975.
O que é que a levou, como mãe, a apostar numa alimentação vegetariana para os seus filhos?
Foi o facto de ser vegetariana e de conhecer bem as vantagens de não comer carne. Sabia que, do ponto de vista nutricional, não lhes iria faltar nada e os meus filhos sempre tiveram um bom desenvolvimento, desde bebés. E foi a vontade de evitar a morte de mais animais e de poupar o planeta...
É que, quer se queira quer não, a terra não tem recursos suficientes para manter os padrões ocidentais de consumo de carne. Se a população mundial comesse o que os portugueses comem, não havia planeta que resistisse!
Afirma, de forma muito peremptória, no início do seu livro que a alimentação das crianças não necessita de incluir carne ou peixe para ser completa e equilibrada. Essa afirmação tem base científica ou resulta apenas das suas constatações enquanto mãe de três crianças vegetarianas?
Tem base científica! Aliás, consultei várias fontes, principalmente publicações sobre nutrição e informei-me sobre a opinião de dois grandes pediatras portugueses, o Mário Cordeiro e o Paulo Oom, que são favoráveis. Posso até citar a Associação Dietética Americana e dos Dietistas do Canadá, que publicou, em 2005, uma tomada de posição sobre o tema, referindo que as dietas vegetarianas são adequadas para todas as etapas do ciclo da vida, mesmo durante a gravidez, lactação, infância e adolescência.
Aborda também o problema da pressão que sentiu, sobretudo durante a sua primeira gravidez e os primeiros meses após o nascimento do seu filho. Que pressões foram essas e como lidou com elas?
O primeiro filho é sempre alvo de muita atenção e quem está de fora tem tendência a olhar-nos como inexperiente. As pressões eram no sentido de alertar e de testar até que ponto eu sabia o que podia dar ao bebé. Porque, na altura, a pediatra e as enfermeiras que acompanharam os primeiros meses do meu filho não sabiam quase nada sobre o assunto. Às vezes diziam-me "Se é vegetal, pode dar tudo", o que também não é verdade, porque o sistema digestivo dos bebés é muito frágil.
Os seus filhos nunca comeram carne? Se não, alguma vez pediram para provar?
Nunca, eles até dizem que eu sou chata por perguntar tantas vezes se eles querem provar. Têm essa liberdade mas recusaram sempre porque lhes faz imensa impressão comer o corpo de um animal que teve de morrer.
Acha que é importante ouvir as crianças sobre a decisão de serem vegetarianas?
Claro que sim! A partir do momento em que as crianças já conseguem manter uma conversa, os pais podem explicar a decisão e tentar perceber se os filhos estão recetivos. Como noutras questões, cabe aos pais escolherem o que acham melhor mas também não faz sentido obrigar, porque se for algo imposto, quando as crianças crescem podem mudar radicalmente.
Eu conheço famílias que, quando os filhos tinham cinco ou seis anos, chegaram a um acordo. Os pais continuavam a não cozinhar carne mas, fora de casa, os filhos podiam comer o que quisessem, dentro das regras da boa alimentação.
Refere no livro que não aconselha que as crianças sejam vegan. É porque é um regime muito restrivo que exclui todos os alimentos de origem animal ou existem outras razões?
Um bebé pode ser vegan, sem qualquer problema, porque hoje é fácil encontrar alimentos totalmente vegetarianos, como leite de soja para lactentes. E há imensos produtos enriquecidos com vitamina B12, que é a principal carência que pode ocorrer nesse regime.
Mas, de facto, a partir do momento em que a criança entra na escola, pode ser complicado abdicar daquelas coisas que os colegas gostam, como bolos, gelados, chocolates... É muito mais fácil seguir um regime ovo-lacto-vegetariano, como acontece na maioria dos casos que conheço. Mas, lá está, se os pais e os filhos quiserem mesmo ter uma alimentação vegan, têm esse direito.
Muitas das cantinas das escolas portuguesas não disponibilizam refeições vegetarianas, como refere no seu livro. Como é que resolveu o problema da alimentação dos seus filhos?
Basta apresentar uma declaração médica a informar que a criança segue um regime vegetariano. Foi o que eu fiz. A lei prevê estas situações, há uma circular do Ministério da Educação que diz que podem ser servidas ementas alternativas desde que sejam justificadas por receita médica ou declaração religiosa, a circular nº14/DGIDC/2007, Anexo B, Ponto 6, alínea E, na altura.
No caso da escola não ter capacidade para preparar, então tem que permitir que o aluno leve de casa. Os meus filhos no jardim de infância levavam o substituto proteico para juntar ao prato do dia em vez da carne e, na escola do mais velho, a cozinheira aprendeu a cozinhar vegetariano, para ele e para outras crianças. E são escolas públicas!
Com base na sua experiência, que conselhos daria a uma mulher grávida que pretende fazer uma dieta vegetariana?
Se já era vegetariana antes de engravidar, não há qualquer problema em manter o mesmo tipo de alimentação, reforçando, claro, os níveis de ferro. Mas não aconselho nenhuma grávida a fazer mudanças radicais, tornando-se vegetariana nesta fase, porque é arriscado.
Mais vale, por exemplo, deixar a carne e substituir por peixe e alternar com os alimentos típicos da cozinha vegetariana, como a soja, o tofu, o seitan, as leguminosas e os cereais integrais. Uma coisa simples que qualquer uma pode fazer é petiscar passas, figos e alperces secos, que são fontes excelentes de minerais.
E que conselhos daria a pais que possam querer começar a tornar os seus filhos menos dependente da carne e de outros produtos de origem animal?
Recomendo que experimentem, pelo menos, uma refeição vegetariana por semana. E até podem fazer o prato favorito mas substituindo a carne! Por exemplo, servir um hambúrguer vegetariano no pão, salsichas de soja com arroz, soja à bolonhesa, etc... E, se os filhos forem esquisitos, o melhor é nem lhes dizer que a comida é vegetariana. Eles comem e nem dão pela diferença!
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