Nem sempre o crescimento físico está consonante com o desenvolvimento das capacidades cognitivas e sociais. Estes diferentes padrões de maturação vão sendo descobertos ao longo destas duas décadas de vida, e as comparações entre crianças devem ser evitadas. Acresce os diferentes tipos de família, com crenças e dinâmicas muito diferentes.
O primeiro desafio aos pais é a chegada do bebé a casa. De facto, são os primeiros dias (três a cinco dias) que dão maior angústia: o "bem estar do bebé" e decifrar a sua comunicação: o choro por fome (o leite será suficiente?), desconforto (nomeadamente abdominal), calor/frio, fralda suja, necessidade de colo. É precisamente nesta primeira interação que se estruturam padrões de sono, alimentação e regulação do choro.
O bebé "lê" os seus pais na forma de pegar ao colo (tenso, agitado, caloroso e sereno), no bater do coração (ansiedade ou tranquilidade), no tom da voz; e habitua-se ao "ruído de fundo" da dinâmica da casa. Ter oportunidade de antecipar todas estas questões em consultas de pediatria pré-natal e nos cursos de preparação do parto poderá ser muito útil, além de sinalizar as pessoas de referência para a família em caso de SOS, muito antes da primeira consulta de vigilância de saúde infantil. No fundo é a criação da autonomia e confiança dos pais como cuidadores a anteceder a autonomização da criança.
De seguida a vivência das cólicas do lactente, as primeiras saídas da família, as "primeiras doenças", a antecipação do retorno do mãe/pai à vida laboral ativa e ingresso no infantário.
As etapas de autonomia da criança continuam: a exploração do meio envolvente e a descoberta do corpo, a diversificação alimentar e o sono. A transição para quarto próprio deve acontecer após os 6 meses, mas muitas crianças só conseguem esta tarefa próximo do ano. Contudo esta mudança necessita de treino, ainda no quarto dos pais, dos tempos de sono a “sós” sem necessidade da presença permanente dos pais. Aconselha-se manter as rotinas como por exemplo as horas de deitar, o mesmo local de dormir (dia e noite), evitar TV ligada ou vídeos do telemóvel, tranquilizar o bebé na cama e não colocar de imediato ao colo.
A diversificação alimentar exige coordenação motora e a descoberta dos sabores e texturas. A criança deve conseguir aceitar a alimentação da colher, conseguir manter-se sentada mesmo com apoio, manipular os alimentos e progressivamente integrar o tempo de refeição em família. Os pais devem estar preparados para a "confusão" à volta da cadeira de refeição, ter disponibilidade de tempo e paciência para as transições alimentares, e ser persistente com os novos sabores e texturas sem "forçar".
A “angústia de separação” dos pais no ingresso ao infantário. Quanto mais tardio for o ingresso (12 ou mais meses) mais a probabilidade de a criança manifestar choro e resistência na chegada ao infantário. A postura e a mímica parentais são determinantes para transmitir uma mensagem de confiança e de tranquilidade. Não se esqueça que nesta idade não há "noção do tempo" e tudo acontece no momento com muita intensidade. Prepare a criança com "pequenas ausências" de casa ficando com outros familiares. Permita que outros elementos da família participem nas refeições, no deitar para o sono, na regulação afetiva (colo). Averigue o tipo de alimentação e horários do infantário e inicie em casa antes de começar no estabelecimento escolar.
Cada elemento da família deve ser valorizado, qualquer que seja a sua idade, desde o bebé aos seus pais, irmãos e avós. Aprender desde cedo esta premissa leva a crianças e adultos mais resilientes, mais conectados afetivamente, mais capazes de lidar com a frustração e a desilusão. A família deve favorecer vivências em que "os problemas/dificuldades" são uma oportunidade de descoberta e não um turbilhão de medos, inseguranças e incapacidades. Nesta dinâmica todos estão em "crescimento" permanente, e a autonomia dos pais encadeia-se na autonomia dos filhos.
Um artigo do médico Sérgio Neves, especialista em Pediatria no Hospital Lusíadas Lisboa.
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