Sabemos que Portugal é um recordista europeu dos divórcios (secundado pelo Luxemburgo e pela Espanha). Segundo dados do INE relativos a 2018, o divórcio atinge 58 em cada 100 casamentos. Que viver na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza até ao fim dos nossos dias não é seguramente fácil, já todos sabemos. Somos humanos e como humanos que somos, comunicamos mal. Se juntarmos à equação os filhos, sobretudo aqueles com menos de 5 anos de idade, então, claramente que temos em mãos um cocktail explosivo.

Os estudos sobre a felicidade dizem-nos que casais com filhos com menos de 2 anos de idade são, em global, mais infelizes que casais sem filhos. Rapidamente percebemos porquê. Uma criança pequena, com toda a necessidade de regulação, atenção e cuidados básicos é uma enorme bênção, mas também é um enorme peso. Por muito abnegados que os pais sejam, chega um momento em que as noites mal dormidas, as refeições fragmentadas, a perda de flexibilidade de horários e a enorme perda de poder de compra acabam por ter um efeito desgastante. E se somarmos a isto uma visão educativa diferente entre os pais?

A história é clássica. Há sempre um polícia bom e um polícia mau. Há sempre um dos elementos do casal que tem uma postura mais disciplinadora, enquanto o outro é mais laissez-faire, mais descontraído. E aqui começa a colisão. Se um pai é adepto da parentalidade positiva e a mãe é uma disciplinadora com recurso a castigos e time-outs, então temos pano para mangas. Ou o inverso, um pai que se sente sob influência do estilo parental que sofreu, sem grandes pruridos em fazer uso da vulgar palmada e uma mãe a ferver por dentro com vontade de correr com o pai ao pontapé para bem longe das suas indefesas crias. Tudo aspetos que já presenciámos.

E como não costumo ficar por uma descrição do problema e gosto sempre de propor algum tipo de soluções. Aqui ficam algumas.

1. Território comum, certo?

Se queremos uma relação minimamente feliz, já percebemos que nem sempre se trata de ter razão. Eu sei que é incrivelmente satisfatório levar a bicicleta para casa. Mas às vezes temos mesmo que parar de batalhar qual é a melhor estratégia. Não se apanham moscas com vinagre. Se o pai e a mãe discordam da abordagem educativa, têm que conversar e chegar ao mínimo denominador comum. Com isto recomendo que analise com atenção os aspetos que mais gosta na atitude do seu parceiro nesta aventura da parentalidade. Ele é encorajador? Boa! Ele é desafiador dos miúdos e promove crescimento? Excelente! Ele tem uma paciência de Job e consegue brincar com bakugans? Fixe! Vamos analisar estas pequenas coisas, escreve-las e oferecer a carta de trégua ao nosso parceiro. Sabe bem ouvir do outro o que sabemos fazer bem.

2. Razões para a discórdia

Este é um terreno bem difícil. Tendemos a navegar na paternidade/ maternidade, da forma como os nossos pais navegaram connosco. Ou adoramos a experiência e queremos reproduzi-la, ou detestámos e fugimos dela. Tão simples quanto isso. Se uma mãe disciplinadora foi educada como tal e argumenta que uma palmada bem dada faz maravilhas, ela está a partir da sua experiência: certamente que a palmada que ela recebeu em miúda fez maravilhas por ela, caso contrário não estaria disposta a emular o comportamento. No entanto, é mesmo importante perceber que este é um argumento falacioso. O que resultou com uma pessoa pode não resultar com outra, sobretudo se o contexto não for o mesmo. Um exemplo clássico, todos usamos cinto de segurança quando conduzimos. Mas quantos de nós fomos efetivamente salvos pelo cinto de segurança? E vamos querer deixar de usar cinto de segurança só porque connosco, até ao momento, nunca precisámos?

Por isso, está na hora de reflectirem no estilo parental a que foram submetidos e o que vos faz sentido. E claro, explicar ao vosso parceiro.

3. Pequenos passos: aspetos não negociáveis

De todas as confusões quotidianas – que conseguem ser múltiplas, variadas, surpreendentes – tem que haver algum fio condutor para a vossa atuação. Há aspetos que têm que ser definidos como não negociáveis. A saúde e segurança, por exemplo (pais permissivos não vão deixar o miúdo enfiar um garfo na tomada elétrica, certo?), o respeito (essa via de dois sentidos que tendemos a ignorar e a exigir que seja sentido único: dos filhos para os pais) e as obrigações (para os mais velhos, o empenho escolar, por exemplo). A partir daqui o guião é livre. Mas estes alicerces têm que lá estar.

4. Vamos pensar a longo prazo?

Uma forma de ajudar a fazer crescer paredes e teto nesta casa tão humildemente alicerçada é pensar no que estão a pensar construir. Na realidade, que tipo de filhos querem? Que tipo de pessoa gostariam que eles se tornassem. Escolham as vossas palavras e confrontem-nas com as do vosso parceiro. No mínimo, terão 3 a 4 palavras em comum. Foquem-se nessas. Então se querem, por exemplo, que o vosso filho seja responsável, fará sentido voltar todos os dias à escola porque ele se esqueceu do casaco, ou do estojo, ou dos cadernos? Outro exemplo, se querem ensinar empatia ao vosso filho, o que é que estarão dispostos a fazer se a professora vos disser que o vosso filho copiou nos testes? Querem que o vosso filho vos respeite. Será que se têm respeitado um ao outro? Que tipo de efeito modelar estão a ter?

5. O sinal

E claro, quando menos esperarem, vai abater-se sobre vós um novo momento de conflito. Ou porque a menina entornou as purpurinas em cima do gato, ou porque o miúdo lembrou-se de fazer tostas mistas com o ferro de engomar, como viu num vídeo no Youtube. A regra é: quem deteta o momento da crise é quem vai geri-lo. Mesmo que não concordem. Mesmo que queiram amenizar a situação. Quem deu a cara no impacto, leva a rixa até ao fim. E aqui, se não concordarem com a medida de impacto imposta, têm que combinar um sinal entre vocês. Um sinal não verbal. Como quem diz: “chega, não concordo, acaba com isto e falamos mais tarde”. Parece simples, mas não é. Mas este sinal pode ser fundamental para que quem está no olho do furacão perceber que já perdeu as estribeiras e precisa de recuar e que quem está de fora pode expressar a sua opinião, mas não está a sabotar o trabalho do outro. Vamos combinar esse sinal para mais tarde conversarem entre vocês, sem a criança estar presente, e perceberem o que correu mal?

6. Evitar o polícia bom, polícia mau

Tão difícil, mas tão necessário. O clássico é: “quando o teu pai chegar a casa e souber o que tu fizeste, é que tu vais ver”. Certo. Já tínhamos falado sobre isto. Não há adiamentos. Quem lida com o problema, vai lidar com ele até ao fim. O desgraçado do pai, quando finalmente chegar a casa, vai enfrentar uma mãe com uma fúria castigadora que não teve coragem de por em prática e chutou para ele. Parece justo? Não!

Para o bem e para o mal, pai e mãe (ou outros cuidadores), estão juntos nesta tarefa de educar. Não vale e pensa chutar para o mau da fita resolver. É injusto!

7. Consistência

E depois de tudo isto, é fazê-lo uma e outra vez, todas as vezes que seja necessário, sem recuar, sem mudar as regras, sem encolher os ombros. Os miúdos vão sempre testar os nossos limites e é justamente o nosso papel assegurar que aqueles limites que são absolutamente essenciais não são ultrapassados. Não lhes podemos dar uma bronca numa semana porque não fizeram os trabalhos de casa e na semana seguinte não os ajudar a fazer um exercício que veio para casa, só porque estamos cansados e não nos apetece. É uma seca? É. É necessário? Também é.

8. Suporte

E depois existem circunstâncias tão difíceis, comunicações tão difíceis que a ajuda de terceiros pode ser essencial: grupos de pais, educadoras e professoras, avós, tios ou, no limite, terapeutas familiares poderão ter uma palavra a dizer. Mesmo que o projeto matrimonial tenha falhado, há sempre algo a construir do ponto de vista familiar. Porque uma família é para sempre.