Nos últimos anos, em Portugal, têm-se vindo a registar um aumento no número de separações e divórcios comparativamente ao resto do mundo. Mediante essa situação, é imprescindível que as necessidades fundamentais das crianças não sejam esquecidas pois perante um mundo em constante mudança, a família continua a ser o microssistema essencial ao desenvolvimento físico, cognitivo, emocional e social das crianças e jovens.
Foi neste contexto que a professora e investigadora Mónica Taveira Pires e a juíza Lídia Gamboa começaram a trabalhar numa obra que viesse apoiar os pais recém-separados sendo uma ferramenta prática e útil, tendo em base a literatura científica existente, para os pais separados ou que estejam a passar por processos de separação ou divórcio, educando os filhos em comum, independentemente do tipo de regime de responsabilidades parentais.
As autoras Mónica Taveira Pires e Lídia Gamboa têm já nas bancas o seu livro "Parentalidade Partilhada- Guia para Pais Separados". Neste livro, as autoras oferecem um guia para pais separados dividido em sete capítulos e apresenta diversos temas relevantes associados às alterações familiares decorrentes de um processo de separação ou divórcio, tais como: coparentalidade, família pós-separação, meios legais, regimes de responsabilidades parentais, vivências e impacto psicológico para pais e filhos, gestão das emoções e do stresse, ansiedade e depressão, conflito interparental, comunicação, cooperação, filhos e novas relações dos pais, entre outros.
O livro contém, também, dicas, boas práticas e registos úteis como os da medicação, das consultas, os escolares e das atividades extracurriculares que podem ser utilizados pelos pais. Estivemos à conversa com as autoras.
Num processo de separação, os ânimos podem ser difíceis de controlar e podem acabar por criar dificuldades na relação entre os progenitores e entre eles e as crianças. Qual é que é a primeira preocupação que os pais devem ter ao gerir o processo de separação?
A principal preocupação deverá ser sempre o bem-estar da criança. Manter este foco ajuda a considerar e ponderar qualquer interação entre os pais protegendo a criança de um clima emocional negativo, do conflito e do seu envolvimento na disputa dos adultos que exerce um impacto negativo no seu desenvolvimento ou ajustamento psicossocial.
A separação ou o divórcio dos pais têm sempre um impacto negativo nas crianças ou pode até ser benéfico tendo em conta os contextos familiares?
O impacto nas crianças existe efetivamente, pois implica uma alteração familiar. Para a criança, constitui uma perda da família tal como a conhece, perdendo frequentemente o contacto quotidiano com um dos pais. Na literatura o conflito inter-parental surge como principal fator associado ao impacto negativo nos filhos menores de diferentes idades, que poderão manifestar o seu mal-estar ou sofrimento de diferentes formas, mais ou menos evidentes, desde sintomas depressivos e ansiosos, a alterações comportamentais, dos resultados escolares entre outros. O ajustamento psicossocial depende da exposição a experiências adversas. Em caso de conflito inter-parental prévio intenso, pontual ou continuado, os efeitos tendem a ser mais nocivos para a criança ou jovem, ou seja, aumenta o risco de consequências negativas em que a família, em vez de proteger a criança, atua como o agente de stresse. Nestes casos, a separação ou divórcio pode ajudar a mitigar ou diminuir o mesmo, contribuindo para um aumento de bem-estar de todos os elementos da família.
Uma das maiores preocupações, num processo de separação, é o impacto psicológico nos filhos. Mas os pais também muitas vezes sofrem psicologicamente com este processo. Como é que se pode evitar ou minorar o impacto psicológico tanto nos pais como nas crianças?
As características dos pais, a forma como se adaptam ao processo de separação ou divórcio, e o aumento do tempo decorrido desde a separação, têm sido associadas a um melhor ajustamento após a separação. Pais e mães em famílias monoparentais estão sujeitos a maior sobrecarga financeira e de tarefas quotidianas, vulnerabilidade psicológica, e isolamento social. A procura de recursos externos à família e uma boa rede de suporte social seja de amigos, família, vizinhança, comunidade ou até de técnicos poderá ajudar a superar a situação. Cada elemento da família terá o seu próprio tempo para elaborar a perda da relação, da família tal como a conhecia e do projeto de vida em comum. As crianças, tal como os adultos necessitam do seu tempo de adaptação e superação. Nestes casos, os pais deverão estar atentos às vivências da criança ao seu sentir, escutá-las ativamente, e compreender e acompanhar as suas dificuldades.
Como comunicar aos filhos a decisão de separação por parte dos pais? Sendo esta uma conversa bastante difícil no ambiente familiar, têm algumas dicas para suavizar esta conversa? A que reações e comportamentos deve prestar atenção durante esta conversa?
Para além de possíveis recomendações úteis em termos de espaço, tempo e disposição para o diálogo, cada pai ou mãe encontrará a sua própria forma, porém, é importante escutar e respeitar as vivências da criança e garantir que o afeto pela mesma é mantido independentemente das alterações familiares. Devem estar atentos a possíveis alterações de comportamento e sinais de sofrimento em todo o processo, muito além do momento em que a decisão é comunicada. As reações podem ser muito diversas desde manifestações físicas, alterações do sono, de apetite, comportamentais, depressivas, ansiosas, de desempenho cognitivo até ao desempenho escolar e interações com adultos ou com outras crianças. As reações poderão variar segundo as características da criança tais como o sexo, idade ou nível de desenvolvimento, num quadro de menor ou maior gravidade. Ser sensível e estar atento às possíveis manifestações em casa e na escola, atender às necessidades da criança e atuar precocemente, procurando ajudada técnica especializada junto do médico especialista ou psicólogo favorecerá a adaptação à situação e a promover a saúde mental da criança.
Quais as melhores formas para gerir emoções e o stress associado a estas mudanças na vida das crianças?
O contexto emocional familiar responsivo e atento às necessidades das crianças, mas mantendo a estabilidade, por exemplo nas rotinas e atividades do quotidiano podem ajudar a criar a emocional e relacional necessária. As crianças estão, muito atentas às pessoas afetivamente importantes para si, aos seus modelos. Assim, as estratégias adotadas pelos próprios pais para lidar com os desafios, as suas capacidades de gerir o stresse, os pensamentos, emoções e comportamentos desempenham um papel fundamental para na aprendizagem de autorregulação da própria criança. É fundamental escutar verdadeiramente os filhos nas suas vivências emocionais, sejam estas positivas ou negativas, aceitar os mesmos empaticamente procurando compreender o seu ponto de vista. Através do diálogo adequado a cada idade, poderá fomentar nos filhos o autoconhecimento, ajudando a reconhecer as necessidades, as emoções os sentimentos, e a identificar o seu impacto a fim ajudar a desenvolver a capacidade de os autorregular. Ou seja, se causam mal-estar, será necessário identificar, elaborar a fim de encontrar alternativas, antecedentes, ou consequentes para alterar esse estado no sentido da melhoria do bem-estar. De igual modo, estratégias tais como a reflexão, o relaxamento, o autocuidado e o suporte social são indicados pela literatura científica como estratégias benéficas neste processo.
Durante a separação há questões de particular importância na vida da criança. O que é que os pais devem ter em atenção, de forma preventiva, durante este período?
Aquando do processo de separação, os pais poderão antever possíveis questões que tenham de vir a resolver em comum, sendo que habitualmente se entende que são questões de particular importância da criança e que requerem o consenso dos pais (por exemplo, a mudança de residência para outra zona do país, mudança de estabelecimento de ensino, intervenções médico-cirúrgicas, orientação religiosa, entre outras), devendo os pais manter a flexibilidade e o diálogo possíveis quando chegar o momento da decisão, em prol do bem-estar, saúde e interesse da criança.
Após a separação, o que podem os pais fazer manter uma relação próxima com os filhos? E como é podem ou devem gerir a relação com o outro progenitor?
A proximidade e a qualidade da relação com os filhos e, o envolvimento e interesse pelas suas vidas são importantes para o bem-estar e desenvolvimento das crianças. Quanto aos pais, a cordialidade e o civismo, devem ser privilegiados, protegendo sempre o superior interesse da criança. Preparar o tipo de comunicação, na forma e no meio ajudará a prevenir o conflito e favorecer o diálogo entre as partes. Quando possível, o diálogo, a compreensão das necessidades de cada um e a procura de pontos em comum, pode facilitar a descoberta de soluções que satisfaçam minimamente ambas as partes.
Para o desenvolvimento das crianças e jovens, a relação entre os pais e o regime de separação acabam por ter uma grande influência. Como é que estes dois elementos se interrelacionam, qual é que será o mais importante e porquê?
Cada família é única com necessidades e especificidades singulares. Como tal o que resulta para uma família poderá não resultar para outra. Os acordos de regulação de responsabilidades parentais deverão ser adaptados e considerar as especificidades familiares, as características dos próprios pais, as características dos filhos menores em comum, das suas necessidades e fase de desenvolvimento em que se encontram de modo a criar condições promotoras do desenvolvimento e evitando a instabilidade e insegurança emocional.
O facto de existirem duas casas pode criar desafios acrescidos na gestão do dia a dia, tanto para os pais como para as crianças. Que dicas os pais podem ter em conta para amenizar esta situação?
Os pais após a separação poderão estar fragilizados pelo stresse decorrente das alterações familiares, acresce ainda o stresse financeiro. Adicionalmente a gestão das obrigações laborais, tarefas quotidianas e educação dos filhos é uma sobrecarga para um pai ou mãe numa família monoparental. A ideia expressa por muitos pais de cumprir co papel de super-mulher ou super-homem é um ideal inalcançável, implicando custos elevados, em termos de saúde para os próprios e para a relação com os filhos. Em alternativa, a simplificação das atividades, tornar a sua realização apelativa com um carácter lúdico, a colaboração de todos os elementos da família, incluindo os mais pequenos, na execução das tarefas quotidianas adequando-as ao nível de desenvolvimento de cada um, contribuem para a autonomia, capacidade de entreajuda e para a coesão familiar. Também a procura do suporte da família, dos amigos ou da comunidade é fundamental. A presença dos avós na vida dos netos, o apoio afetivo e logístico prestado são cruciais para muitas famílias monoparentais. Quer seja durante o processo de separação ou divórcio, quer após, é essencial que os pais não se esqueçam de dedicar um tempo só para si, mesmo que limitado, um tempo de autocuidado, enquanto pessoas para além do seu papel parental. A capacidade de superar os desafios, as mudanças e adversidades e disponibilidade para educar os filhos num ambiente familiar positivo e propicio ao se desenvolvimento começa pela saúde dos próprios pais.
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