A Associação Portuguesa dos Industriais de Calçado, Componentes, Artigos de Pele e seus Sucedâneos (APICCAPS) lançou, nas últimas semanas, uma campanha de sensibilização, apelando aos portugueses para que comprem calçado nacional e acessórios em pele produzidos por fábricas lusas. "Se, até aqui, pela dimensão e viabilidade, o setor esteve vocacionado para a exportação, chegou o momento de se apoiar centenas marcas de calçado portuguesas, responsáveis por 40.000 postos de trabalho", solicitou este organismo nas redes sociais.
"Ao longo do passado recente, fruto de uma aposta contínua na criação e gestão de marca, as empresas portuguesas que integram o cluster português do calçado e artigos de pele investiram cerca de dois milhões de euros no reforço da sua presença online. Assim, a representação online através de site próprio tornou-se prioritária para cerca de 75% das marcas. Números que sobem para os 78% no caso das empresas de componentes para calçado e de artigos de pele e marroquinaria", esclareceu, na altura, a direção da APICCAPS em comunicado de imprensa.
"Ao longo da última década, o investimento online tem sido uma das nossas principais prioridades. Isso permite-nos criar maior proximidade com o consumidor, que agora se tornou ainda mais digital. As marcas estão acessíveis através de site individual, de plataformas coletivas de venda e também nas tradicionais lojas físicas, multimarca e/ou nome próprio. Cabe agora ao consumidor nacional descobrir a qualidade que mais de 163 países reconhecem e valorizam", apelou publicamente Paulo Gonçalves, porta-voz da APICCAPS, na altura. A indústria portuguesa de calçado produz e vende anualmente o equivalente a 80 milhões de pares.
No entanto, de norte a sul do país, ainda são muitos os que olham para o setor com desconfiança, como atestam os comentários que o anúncio da nova campanha geraram nas redes sociais. "Eu até compraria, com muito gosto, calçado português, se os preços não fossem de exportação. O povo português não tem orçamento para comprar calçado com três dígitos! Se querem que os portugueses comprem [produto] português, têm que adaptar os preços ao português", defende uma consumidora. "Eu só tenho pena de não o poder fazer por dois motivos", comentou outra.
"Primeiro, fazem-nos, sim, lindos [e] de uma qualidade indiscutível mas só para os bolsos dos ricos! E, segundo, só pensam em pés elegantes. Meus amigos, eu, com 1,88 metros, não esperam que calce o 38 ou 39, pois não? Eu calço um 42 e mal de mim se não fossem as marcas espanholas e alemãs, que levam, e bem, isso em consideração e que, a nível de qualidade, também nunca me deixaram ficar mal", assegura Maria Filipa Lourenço. "Concordo", apoia Daiana Braimis, uma grega apaixonada por fotografia que vive em Portugal e que se queixa do mesmo problema.
"É muito dificil encontrar calçado feminino português em tamanhos como o 41", critica. "Será que alguma marca portuguesa disponibiliza sandálias confortáveis, de cunha, com cerca de seis centímetros, pretas, em tamanho 41,5 e largas, de modo a uma pessoa poder trabalhar de pé, deslocar-se em transportes públicos e sentir-se bem [durante] todo o dia? Se sim, e por um preço razoável, estou compradora", aproveitou logo para anunciar Alexandra Mitha, outra das muitas mulheres que calçam tamanhos acima da média. A APICCAPS não reagiu aos comentários.
Para Teresa Pinheiro, o problema é outro. "Então, têm de apostar no marketing por cá ou será que estão à espera que façamos uma pesquisa exaustiva à procura de sapatos portugueses? Publicitem!", apela. "As marcas portuguesas só investem nas feiras de calçado (umas poucas sobejamente conhecidas por apenas significarem private label para as fábricas) e [em] semanas da moda nacionais (perfeitamente invisíveis lá fora). Portanto, o que tem que se fazer de uma vez por todas é separar marca de produto da fábrica", defendem os criadores de The Portuguese Corner.
Fundado pelo casal Jorge Sampaio e Luísa Azevedo em 2015, esta plataforma de comércio eletrónico que (também) promove o que de melhor é feito em Portugal defende ainda que é necessário "investir em e-commerce, em engagement [envolvimento] com canais de venda internacionais, com canais de promoção e colaborações mas, para isso, é preciso criar conteúdo afirmativo de design e uma filosofia para fidelizar clientes". "As fábricas só pensam em produção", criticam. "São precisos consultores especializados que apontem o caminho", defendem os fundadores do Portcorner.
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