O ano de 2017 traz dois paralelismos no mundo da beleza. Foi neste ano que Mari Saad se lançou no negócio da maquilhagem numa parceria com a Océane, para uma colaboração especial com uma linha de pincéis kabuki — ideais para aplicar produtos líquidos ou em creme — que deu origem a uma das marcas de maquilhagem mais rentáveis do Brasil. Passando para o presente, Mari Saad by Océane conta com cerca de 120 produtos, entre batons, iluminadores, paletas, pincéis e delineadores.

Também em 2017 surgiu a Fenty Beauty, a marca de Rihanna, que, pela primeira vez na história da beleza, lançava 40 tons de base. Foi uma "pedrada no charco" neste universo e uma mensagem clara em direção a uma beleza mais inclusiva e diversificada. Rihanna foi pioneira ao fazer o que outras não tinham feito, e o resultado foi que marcas de beleza, desde as mais luxuosas às mais acessíveis, procuraram igualar ou ultrapassar este número de tons.

Mas por que razão Rihanna tem um papel tão importante, quase uma década após este lançamento? Porque, além de promover a diversidade, a Fenty Beauty chegou ao mercado com uma estratégia clara e um objetivo de inclusão que transformou o setor.

As marcas que seguiram o exemplo da Fenty Beauty — que atualmente conta com 50 tons de base — lançaram gamas cada vez mais inclusivas desde 2017. A Estée Lauder, por exemplo, oferece mais de 55 tons na linha Double Wear, enquanto a MAC Cosmetics ampliou a sua oferta para mais de 60 tons. Marcas como a Dior e a Lancôme responderam ao movimento, lançando linhas de base com mais de 40 tons para cobrir uma maior diversidade de subtons e tonalidades de pele.

Este aumento contínuo reflete a mudança de mentalidades, bem como a pressão do mercado e as expectativas dos consumidores por mais representação e inclusão na indústria da beleza. Em 2024, a maioria das marcas expandiu o seu catálogo para dar resposta a uma base de consumidores cada vez mais diversa. Esse foi o erro de Mari Saad com a linha Mascavo: esquecer a diversidade do seu público.

Quem é Mari Saad?

Mariana Saad, conhecida profissionalmente como Mari Saad, é uma influenciadora brasileira de beleza e empresária de 29 anos, que ganhou popularidade principalmente através das redes sociais, onde partilhava dicas de maquilhagem, moda e bem-estar. Com uma carreira que começou no YouTube em 2011, Mari rapidamente cativou um público graças ao seu conteúdo prático e acessível, que destacava técnicas de maquilhagem e cuidados com a pele. O seu crescimento nas redes sociais foi exponencial, com uma audiência de milhões de seguidores no Instagram (4 milhões) e YouTube (1,8 milhões), tornando-se uma das principais influenciadoras do Brasil, a par de nomes como Bruna Tavares, Camila Coutinho ou Bianca Andrade, entre outras, num país que é o quarto maior mercado de beleza do mundo.

A 28 de janeiro deste ano, Mari Saad anunciou o fim da parceria de sete anos com a Océane: "Juntas, Océane e Mariana Saad, com toda a sua autenticidade, talento e carisma, ampliaram a comunidade de pessoas apaixonadas por beleza e deixaram uma marca duradoura na indústria", foi anunciado no Instagram oficial da influenciadora.

Não tardaram as especulações até à confirmação do lançamento de uma nova linha de maquilhagem, desta vez a solo. O nome Mascavo, além de remeter ao nome da influenciadora, faz também referência ao açúcar mascavado, simbolizando uma estética "brasileira e calorosa".

“Não quero fazer só mais uma marca de maquilhagem. Tenho o desafio de, não só construir em cima do que eu acredito, mas também desconstruir o que já foi construído nesse mercado e mostrar que existe um novo caminho”, partilhou.

Quando se começa com o pé esquerdo

A 28 de outubro, Mari Saad lançou a linha Mascavo com 22 produtos disponíveis no site, incluindo seis blushes em stick, três iluminadores e quatro tons de contorno. Não tardou a receber uma onda de críticas num país em que 56% da população se identifica como negra ou mestiça.

A decisão de criar a sua própria marca foi motivada pelo desejo de ter mais autonomia criativa e expressar um conceito mais íntimo de beleza, a quiet beauty, onde a maquilhagem exalta a naturalidade. Mas esse posicionamento contrastou com os tons inicialmente lançados, uma vez que os fãs esperavam uma gama mais ampla desde o primeiro lançamento, especialmente para peles negras, considerando a experiência que a influenciadora já tinha.

A falta de produtos inclusivos gerou críticas nas redes sociais, especialmente entre influenciadoras de pele negra. A polémica ultrapassou fronteiras, com críticas de influenciadoras internacionais, como Golloria, que destacaram a necessidade de marcas de beleza lançarem produtos verdadeiramente inclusivos.

Numa resposta inicial às críticas, Mari Saad assumiu que a pressão do público no lançamento da sua marca foi o fator decisivo que a levou a lançar a Mascavo com as coisas que já tinha finalizadas. “Vamos lançar a marca do jeito que está, com as cores que já temos aprovadas, que não significam todas as cores em bancada e que estão a ser trabalhadas e desenvolvidas”, partilhou nas suas redes sociais.

A influenciadora e crítica de beleza Karen Bachini, que este ano lançou também a sua linha de maquilhagem com 36 tons de bases, fez uma carta aberta em vídeo dirigida a Mari Saad. Conhecida por ter uma postura transparente e por fazer análises detalhadas dos produtos de beleza, Karen Bachini usou o seu canal no Youtbe para expressar o seu descontentamento com a falta de diversidade na linha e apontou as limitações dos produtos para peles mais escuras, algo que considera essencial em qualquer lançamento de maquilhagem atual.

“Eu sei que sou uma pessoa de pele branca, eu não sei o quanto é difícil esse sentimento para uma pessoa preta, mas imagino que deva ser muito, muito, muito devastador”, afirmou no vídeo de cerca de 20 minutos que publicou no seu canal.

Karen não só criticou a escassez de tons inclusivos, mas também sublinhou a responsabilidade de influenciadoras como Mari Saad em considerar a diversidade e representatividade ao criar uma marca de beleza. Karen destacou ainda que o mercado já tinha levantado várias discussões sobre inclusão, o que deveria ter servido como aprendizagem para novas marcas, descrevendo o lançamento como "um retrocesso" e lamentando o descuido da Mascavo nesta questão​.

“Eu acredito que você tenha experiência no mercado e eu não acredito que você não tenha parado para pensar que a maior parte do Brasil é negra. Eu acho que você escolheu não atender essas pessoas no seu primeiro lançamento”, disse ainda.

Este posicionamento ajudou a amplificar o debate nas redes, incentivando outros influenciadores e seguidores a refletirem sobre a importância da inclusão no setor da beleza e reforçando as críticas.

O caso Boca Rosa Beauty

Sendo o Brasil o quarto maior mercado de beleza do mundo – atrás dos EUA, China e Japão –, são muitas as influenciadoras de maquilhagem que saltaram do digital para a via empreendedora, lançando linhas próprias em parceria com marcas de beleza. E 2024 foi um ano rico em novidades.

Um desses nomes é o de Bianca Andrade, anteriormente conhecida pelo seu alter ego na internet, “Boca Rosa”, que também lançou, em 2024, uma marca própria após terminar a parceria com a Payot, estabelecida em 2019.

A Boca Rosa Beauty surgiu no mercado com uma pré-venda realizada em junho, em que apresentou, pela primeira vez na história da beleza brasileira, uma marca nacional com 50 tons de base. O recorde anterior era detido por Bruna Tavares, com 30 tons, entretanto ultrapassada por Karen Bachini, que apresentou a sua linha Cosmos com 36 tons em agosto.

“É uma fórmula inovadora, que transcende a categoria de bases tradicionais, pensada especialmente para a vida agitada das mulheres brasileiras. O Stick Pele é multifuncional: de base, a contorno, corretivo e o que mais a sua criatividade quiser explorar”, explicava Bianca Andrade, na época.

No entanto, a empresária não se viu livre de críticas relativamente à qualidade das embalagens, à quantidade de produto e ao preço elevado para a quantidade de produto disponível. As críticas fizeram Bianca Andrade adiar o lançamento da marca e interromper a produção de produtos para corrigir os defeitos apontados.

A apresentação oficial da linha Boca Rosa Beauty aconteceu no passado mês de outubro, com uma novidade. “Estou muito animada em anunciar o lançamento oficial de Boca Rosa. Como desenvolvi a marca e empresa vindo do meio digital e tendo uma relação muito forte com a minha comunidade, desde sempre vejo a enorme importância de ouvir o consumidor, e foi exatamente isso que fizemos neste período de hiato”, afirmou Bianca Andrade em comunicado.

A influenciadora acrescentou ainda: “Coletámos as opiniões, sugestões e desejos, voltámos alguns passos para solucionar da melhor forma e agora apresentamos os nossos produtos, desenvolvidos com muito estudo e também muito carinho, trazendo inclusive uma novidade, que é a máscara de cílios”.

Além dos 50 tons de base e da máscara de pestanas, a marca inclui ainda pó compacto com cor, disponível em sete tonalidades, e pó compacto translúcido, em três tons.

Uma reflexão para o setor da beleza

A polémica com a Mascavo trouxe à tona discussões sobre o papel da inclusão e acessibilidade no mundo da maquilhagem. Num mercado cada vez mais atento à diversidade, espera-se que as novas marcas respondam ao apelo pela inclusão, não apenas como uma tendência, mas como um valor essencial. Este caso mostra que as marcas de maquilhagem, especialmente as associadas a influenciadores, devem ir além da popularidade e demonstrar um compromisso autêntico com a representatividade.

"Eu errei muito em não esperar que a cartela desses produtos fosse desenvolvida de forma completa, assim como eu estou a fazer com as bases e corretivos que ainda não lancei. E tomei a decisão errada de lançar. Isso não é para parecer uma justificativa, mas eu reconheço que errei muito com vocês, eu estava enganada, acho que parte de mim achava que estava a fazer algumas coisas certas", assumiu Mari Saad, num vídeo de desculpas publicado nas suas redes sociais.

Conclusão: este episódio sublinha que, no setor da beleza, o sucesso de um produto depende não apenas da sua qualidade e visibilidade — que, segundo os consumidores, é inquestionável — mas também da capacidade de uma marca em responder às exigências dos consumidores em termos de diversidade, acessibilidade e inclusão. Estes elementos são fundamentais para assegurar um lugar no mercado competitivo atual, onde a responsabilidade social e a conexão com o público são tão importantes quanto o produto em si.