
O mais recente estudo da Epson coloca Portugal no top 8 dos países com a pegada hídrica mais elevada da Europa, seguido de Itália e Polónia. Qual o papel da pegada hídrica na moda e qual a sua importância neste contexto?
Estima-se que a indústria têxtil tradicional seja responsável por cerca de 20% das águas residuais industriais a nível mundial. O sector da indústria da moda em Portugal representa 18% do total da indústria no país e 9% das suas exportações, e, quanto à fabricação da roupa, Portugal é o quarto mercado europeu mais importante, depois de Itália, Roménia e Polónia.
Embora a produção de tecidos seja o maior utilizador de água, também são utilizadas quantidades significativas durante o tingimento e a impressão com impressoras digitais que utilizam tintas pigmentadas pode reduzir o consumo de água na fase de impressão a cores da produção de vestuário até 97%.
Acredita que, em Portugal, estamos a assistir ao aparecimento de um novo perfil de consumidor cada vez mais familiarizado com este tipo de conceitos e do impacto ambiental da indústria da moda?
Sem dúvida. Esta tem sido uma tendência que se tem desenvolvido cada vez mais e é notória a preocupação das pessoas para com a sustentabilidade a todos os níveis, incluindo na indústria da moda. Segundo o nosso estudo, a maior parte da população portuguesa preocupa-se com o impacto ambiental da indústria da moda (64%) e os portugueses são dos que mais noção têm do impacto da utilização de água para o meio ambiente (58%), o que é algo bastante positivo. No entanto, a par com os franceses, são também os que sentem mais dificuldade em fazer escolhas sustentáveis quando chega o momento de comprar roupa (58%), algo que deve ainda ser trabalhado.
A maior parte da população portuguesa preocupa-se com o impacto ambiental da indústria da moda (64%) e os portugueses são dos que mais noção têm do impacto da utilização de água para o meio ambiente (58%)
A investigação revela que, em média, são necessários 817 mil litros de água para produzir o guarda-roupa de cada cidadão português. Quais as peças mais poluentes? E como é feito esse cálculo?
As peças com um maior consumo médio de água por peça são as calças (18.528), seguidas das leggings e collants (14.364), camisolas (13.933) e t-shirts e blusas (12.863). Portugal é precisamente, dentro dos países do estudo, o país onde existem mais camisas, t-shirts e calças por roupeiro individual, entre outras peças.
Trabalhámos com a Green Story, especialistas em avaliação do ciclo de vida, para calcular a quantidade de água utilizada ao longo da cadeia de abastecimento para fabricar as peças de vestuário mais populares dos nossos guarda-roupas. Para calcular a pegada hídrica de cada peça de vestuário, a Green Story analisou o consumo de água em toda a cadeia de abastecimento: tingimento de fibras, produção de fios, tingimento de fios, produção de tecidos, acabamento, transporte terrestre, distribuição, corte e costura, lavagem, tingimento de tecidos e impressão.
As peças com um maior consumo médio de água por peça são as calças, seguidas das leggings e collants, camisolas e t-shirts e blusas
Outra das conclusões menciona que 58% dos inquiridos diz sentir dificuldade em fazer escolhas sustentáveis na hora de ir às compras. O que poderá estar na sua origem? Considera que a informação é a principal arma para que exista uma mudança de hábitos efetiva do lado do consumidor?
A falta de informação e transparência é um dos fatores que conseguimos identificar, uma vez que 60% dos portugueses inquiridos concordam que, se as roupas fossem rotuladas com classificações de sustentabilidade, isso influenciaria as decisões de compra e estariam mais inclinados a fazer compras mais sustentáveis.
Além disso, a consciencialização para esta problemática tem também a sua importância, uma vez que 93% destas pessoas ficaram surpreendidas ao saber que são necessários 43 litros de água para tingir uma t-shirt, por exemplo, o que deixou 89% delas preocupadas. Quanto mais informação os consumidores tiverem do seu lado, mais facilmente poderão fazer escolhas conscientes e ter uma mudança de hábitos efetiva.2

Considera que o preço é o principal entrave para que ainda não se verifique um consumo mais generalizado e mais consciente?
O preço pode ser um dos principais entraves iniciais para um consumo mais generalizado e consciente, mas não é o único fator. Roupas sustentáveis tendem a ter um custo inicial mais elevado, mas esse preço reflete maior qualidade e durabilidade, o que pode compensar a longo prazo, reduzindo a necessidade de compras frequentes.
Além do fator económico, existem outros obstáculos importantes, como a falta de informação e transparência sobre o impacto ambiental da indústria da moda, bem como a forte influência da cultura do fast fashion, que incentiva um consumo impulsivo e baseado em tendências passageiras. A acessibilidade também é um problema, já que muitas marcas sustentáveis ainda não têm uma distribuição tão ampla quanto as grandes cadeias de moda rápida.
Roupas sustentáveis tendem a ter um custo inicial mais elevado, mas esse preço reflete maior qualidade e durabilidade, o que pode compensar a longo prazo, reduzindo a necessidade de compras frequentes
Em termos quantitativos e qualitativos, quais seriam as principais diferenças que os portugueses sentiriam se trocassem o seu guarda-roupa convencional por um guarda-roupa 100% sustentável?
Se os portugueses substituíssem o seu guarda-roupa convencional por um guarda-roupa 100% sustentável teriam menos peças, mas de maior qualidade e durabilidade, reduzindo compras impulsivas e diminuindo significativamente o desperdício têxtil. Além disso, a produção sustentável consome menos água e gera menos emissões de CO₂, contribuindo para um menor impacto ambiental. Em termos de conforto, as roupas sustentáveis utilizam materiais livres de químicos tóxicos, tornando-se mais saudáveis para a pele. O estilo também mudaria, passando a ser mais atemporal e versátil, baseado em peças funcionais e de fácil combinação. No geral, esta mudança traria menos consumo, mais qualidade e uma moda mais consciente e sustentável.
Qual a importância dos tecidos neste contexto? Que tipo de materiais e que tipo de certificações devemos privilegiar na construção de um guarda-roupa com menos impacto ambiental?
Por um lado, seria interessante verificar como é que o vestuário foi produzido e se tem, pelo menos, as certificações Ecotex e GOTS, que garantem a sua portabilidade e adequação para utilização na pele. Também podemos olhar para o processo utilizado para o tingimento, mas aqui contamos mais com a transparência na rastreabilidade de cada uma das marcas, uma vez que não existe uma rotulagem oficial que o determine. E, claro, verificar se os materiais fazem parte de esquemas de economia circular ou de reciclagem de fibras. Neste sentido, o poliéster não deve ser desprezado, uma vez que também existem formas de reciclar materiais PET reciclados para criar tecidos. Um exemplo claro é a atividade levada a cabo pela Seaqual Initiative ou por marcas como a Ecoalf ou a Patagonia.
Em termos de conforto, as roupas sustentáveis utilizam materiais livres de químicos tóxicos, tornando-se mais saudáveis para a pele
Outra conclusão avança que os portugueses são o povo europeu que sente mais frio, possuindo cerca de sete casacos e seis camisolas interiores cada um. De que forma é que a moda sustentável e esta nova geração de tecidos pode ajudar a proteger do frio e promover um maior isolamento térmico?
A forma é fazer as escolhas adequadas e conscientes. Ao reduzir o nosso impacto no ambiente, estamos a participar na luta contra as alterações climáticas e, por conseguinte, a contribuir para estabilizar as temperaturas extremas que temos registado nos últimos anos, tanto quentes como frias. No final, o arrefecimento pelo frio é subjetivo e não existe uma solução única. Mas é possível criar roupas com o mesmo calor, mesmo que se opte por métodos de tingimento com menor pegada ecológica ou por materiais reciclados.
A moda vintage e em segunda mão pode contribuir para uma maior sustentabilidade hídrica?
Sem dúvida que a moda vintage e em segunda mão desempenha um papel crucial na preservação dos recursos hídricos, tornando a indústria da moda menos predatória e mais sustentável. Ao optar por roupas de segunda mão ou vintage, o consumidor prolonga o ciclo de vida das peças já existentes, reduzindo a demanda por novas produções e, consequentemente, o consumo de água. Além disso, essa escolha ajuda a diminuir o impacto ambiental relacionado ao descarte têxtil, já que menos roupas acabam em aterros sanitários, onde podem levar anos para se decompor.
Ao optar por roupas de segunda mão ou vintage, o consumidor prolonga o ciclo de vida das peças já existentes, reduzindo a demanda por novas produções

A coleção “Water Silks”, desenvolvida em parceria com a Patternity, é a prova viva de que criatividade e sustentabilidade podem andar de mãos dadas. Mas é possível criar moda sustentável a um preço acessível?
Juntámo-nos à PATTERNITY para criar “Water Silks”, uma coleção de lenços de seda EcoVero™ inspirada nos rios e canais das capitais da moda europeias. Esta coleção reimagina o Tamisa em Londres, o Sena em Paris, o Navigli em Milão e o Spree em Berlim para nos recordar a relação íntima entre o nosso ambiente e as roupas que vestimos.
É possível criar moda sustentável a um preço acessível, mas exige inovação e mudanças na cadeia de produção. O uso de materiais reciclados e reaproveitados pode reduzir custos e impacto ambiental. Além disso, à medida que a produção sustentável cresce, os custos diminuem devido à maior disponibilidade de matérias-primas ecológicas. Modelos de economia circular também tornam a moda sustentável mais acessível. O apoio governamental, por meio de subsídios e incentivos fiscais, também pode ajudar a equilibrar preços e combater a concorrência do fast fashion. Aliás, os portugueses são os que mais pensam que os governos devem intervir no impacto ambiental da moda, como fizeram com os carros elétricos: 69% dos inquiridos tem essa opinião.
Que tipo de soluções, práticas e tecnologias sustentáveis é que existem atualmente no mercado e podem contribuir para a preservação dos recursos hídricos?
Para tornar a indústria da moda mais sustentável, é essencial adotar práticas como a economia circular, promovendo a reciclagem e o reaproveitamento de roupas, além do uso de materiais mais sustentáveis, como algodão orgânico, tecidos biodegradáveis ou materiais reciclados. A produção ética, com condições justas de trabalho e redução de resíduos, também é fundamental, assim como a transparência das marcas nas suas cadeias produtivas.
Existem já tecnologias inovadoras, como a impressão digital com tintas pigmentadas, que pode reduzir a utilização de água até 97% em comparação com os processos tradicionais de tingimento de vestuário. É por isso que pretendemos ser o parceiro tecnológico ideal para a impressão digital têxtil em qualquer tipo de tecido e até dar mais um passo em direção à economia circular e à reutilização de fibras têxteis com a tecnologia Dry Fiber. Além disso, o controlo total da produção minimiza os desperdícios ou resíduos de vestuário não utilizados. Vale a pena recordar que mais de 30% das peças de vestuário fabricadas acabam por nunca ser utilizadas.
É possível criar moda sustentável a um preço acessível, mas exige inovação e mudanças na cadeia de produção
Que tipo de mindset e raciocínio é que o consumidor deve adotar para um consumo mais consciente na hora de ir às compras?
Para um consumo mais consciente de roupas, o consumidor deve adotar um mindset sustentável e crítico, questionando se realmente precisa da peça, se ela combina com o que já tem e se sua qualidade garantirá durabilidade. É essencial priorizar qualidade sobre quantidade.
Além disso, deve-se apoiar marcas sustentáveis e éticas, que utilizam materiais ecológicos e que respeitam condições justas de trabalho. Optar por tecidos naturais ou reciclados reduz impactos ambientais, assim como evitar o fast fashion, que incentiva o descarte rápido. Seguir um estilo mais minimalista e criar um guarda-roupa inteligente com peças versáteis também contribui para um consumo responsável. E porque não pesquisar mais informação dos processos da produção e tingimento das peças? Ao fazer escolhas mais conscientes, o consumidor reduz desperdício e promove um futuro mais sustentável na moda.
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