“La Grande Mystique” é como os franceses definem os mistérios que há milénios envolvem um dos produtos campestres que, no índice da bolsa de valores alimentar, tem uma das cotações mais elevadas. Um alimento que nasce e cresce no seio da terra. Um corpo frutífero, como é mais exato dizer, que vinga próximo à raiz de castanheiros e carvalhos.

A Trufa é fascínio místico para filósofos, espicaça a imaginação de escritores, alenta o pragmatismo científico de investigadores, a cobiça de gourmands e chefes de cozinha em todo o planeta. O escritor francês Alexandre Dumas louvava à trufa os poderes afrodisíacos. Os mesmos elogiados por romanos 18 séculos antes e afastados das mesas durante a Idade Média.

Por um quilo desta délicatesse já se pagaram 100 mil euros. No caso da Trufa Branca (a de Alba, em Itália, a mais rara) este  valor sobe consideravelmente. Por norma a Trufa Negra orça entre os 700 e os dois mil euros o quilo. Preço dependente do factor oferta/procura. Em anos de verões chuvosos a trufa escasseia. Este fungo pede verões secos e outonos chuvosos.

É místico o momento em que as trufas negras chegam à mesa
É místico o momento em que as trufas negras chegam à mesa Chefe Executivo Hermínio Costa apresenta as trufas que irá servir ao jantar. Chagaram há 3 dias de Itália, um dos grandes países produtores, à semelhança de França e Espanha.

Em Portugal, chegado janeiro, já se tornou tradição um jantar em honra de uma das espécies mais cobiçadas de trufa, a Negra. Como anfitrião do momento, um cultor da cozinha sazonal, arreigada aos pratos do receituário português, embora numa abordagem que os traz para este século XXI. Hermínio Costa é Chefe Executivo da cozinha do restaurante Egoísta, casa instalada desde 2009 no Casino da Póvoa de Varzim. Um conceito de “alma portuguesa de toque francês” como o próprio Hermínio Costa o designa.

É místico o momento em que as trufas negras chegam à mesa
É místico o momento em que as trufas negras chegam à mesa Chefe Hermínio Costa, desde 2009 a comandar o restaurante Egoísta. Há 20 anos responsável pela cozinha do Casino da Póvoa, onde se instalou, entretanto, o restaurante. créditos: Photo © Lino Silva 2015

Este 2018 a homenagem à Trufa Negra, no Egoísta, decorreu a 25 de janeiro. Uma refeição a cinco tempos, preparada e explicada pelo homem que transporta para cada prato da sua cozinha a influência das técnicas francesas de confeção culinária. Hermínio Costa é a imagem do empenho ao longo das quase duas horas de jantar. De mesa em mesa faz-nos a apresentação do seu tesouro.

Dentro da caixa de madeira de interior forrado a veludo negro, descansam as “Pérolas Negras”, como são também conhecidas as inestimáveis trufas. Preciosas, de textura rugosa e irregular, pequenos fungos que, como sublinha o chefe executivo, “só conheceram a luz do dia há 78 horas. Viajaram dos bosques Italianos, onde foram cuidadosamente recolhidas por trufeiros”, para esta sala no restaurante à beira atlântico.

É místico o momento em que as trufas negras chegam à mesa
É místico o momento em que as trufas negras chegam à mesa Primeiro momento do jantar. O amuse bouche com Cornucópia de trufa negra,

Hermínio Costa sabe como bem têm de ser estimadas e conservadas estas trufas negras. É inadmissível um corte na superfície até à hora de levar à mesa o produto. Chegado esse momento, o da abertura da refeição, um amuse-bouche. Dentro da pequena travessa de louça, em jeito de colher, um ovo de codorniz delicadamente escalfado, presunto de porco bísaro e caldo de galinha. A rematar, discretas, algumas lasquinhas de trufa. Ainda nas entradas para o palato, uma Cornucópia de Trufa Negra (a acompanhar o vinho Espumante Vértice Reserva Cuvée Bruto).

É místico o momento em que as trufas negras chegam à mesa
É místico o momento em que as trufas negras chegam à mesa Linguado do mar, crumble de trufa negra e legumes baby.

No primeiro caso, presença discreta da trufa. No segundo, deliciosamente intrometida no puré. É quanto basta para lhes sentirmos o aroma, o típico perfume penetrante que se liberta do corpo intumescido, estriado como um mármore negro. “Quem diria!” Poderá exprimir quem antes não tomara o gosto à omnipresença da trufa. Discreta ainda na terra, mas impositiva no prato se não lhe tivermos mão.

No jantar em torno da trufa negra, Hermínio Costa toma-a de boa mão. De cortador na mão enluvada de branco, o Chefe Executivo do Egoísta, acorre a todas as mesas e pratos. Lasca delicadas lâminas de trufa negra sobre um tenro Linguado de Mar, acompanhado de crumble de trufa negra e legumes baby. Tudo no ponto e a casar bem com o vinho branco Quinta dos Carvalhais Encruzado 2016.

É místico o momento em que as trufas negras chegam à mesa
É místico o momento em que as trufas negras chegam à mesa Cacau, avelãs e trufa negra.

Um linguado que não desmente a afeição pelo rigor na procura de peixe deste chefe, nascido em Angola, há muito em Portugal, com 20 anos no Casino da Póvoa e com especial predileção pelos produtos do mar português. Frescura máxima para peixes e mariscos capturados na nossa costa.

Capítulo seguinte no jantar com batuta de Hermínio Costa. Do mar para terra e a conjugação da carne Black Angus com as lascas de trufa, uma vez mais com Mise en scène e as fatias de trufa a verterem desde o cortador para a peça robusta de carne no prato e para as batatas ratte. A acompanhar um vinho de bom corpo, um tinto Pintas Character 2014.

É místico o momento em que as trufas negras chegam à mesa
É místico o momento em que as trufas negras chegam à mesa Restaurante Egoísta, espaço de arquitetura moderna e com mostra de arte de Júlio Resende, Nakias Skapinakis, Rogério Ribeiro, Moita Macedo, entre outros criadores. Situa-se no segundo andar do Casino da Póvoa de Varzim, do Grupo Estoril Sol.

E porque não a trufa negra a casar com uma sobremesa. A última proposta do jantar arroja e, apresenta-nos Cacau, avelãs e trufa negra. Esta no que podemos comparar a um brigadeiro, embora de textura mais suave e natureza diversa daquele. Neste caso, "primeiro estranha-se, depois entranha-se", como diria o poeta. Diz-nos Hermínio Costa: “ontem, nos testes ao jantar, dei a provar esta sobremesa a uma pessoa que nunca tinha degustado trufa. À primeira colherada fez uma expressão retorcida. Depois, rendeu-se”. E com razão, esta vertente mais doceira da trufa resulta e a harmonização com um vinho do Porto, Nieeport L.B.V. 2017 conquista.

Findo o momento, há trufas que retornam para o seio da caixa de madeira. Tesouro que se volta a fechar. Hermínio Costa é um homem cansado, mas agradado com o culminar de dias de preparação. “Tudo correu bem. Agora deixem-me ir lá fora fumar um cigarro”, desabafa.

Restaurante Egoísta

Edifício do Casino da Póvoa de Varzim

Contactos: Tels.: 252 690 888/252690871; E-mail: restaurante.egoista@estoril-sol.com 

Horário: de quarta a sábado, a partir das 20h00