No dia em que a oliveira centenária percorreu os últimos metros de uma viagem de dezenas de quilómetros, Alessandra Haiat suspirou de alívio. Como se usa dizer, foi obra, intrometer a árvore com centenas de quilos na estreiteza do corredor que desemboca na sala ampla, morada feliz para a oliveira nascida alentejana. “Oh! Sorte”, exclamou a proprietária do restaurante que habita a porta número 20 da Rua da Alegria, em Lisboa. Não era a primeira vez que Alessandra, assim como os seus três sócios, José Scotini, Cláudia Freitas e Fábio Araújo, bem-diziam a sorte que lhes calhava em destino.
Após percursos consolidados no Brasil, o que incluiu uma pizzaria em Minas Gerais, no país natal, o quarteto de empreendedores, decidiu, corria o ano de 2019, dar cartas na restauração lisboeta. Como novo destino nas suas vidas, tinham Portugal. A bagagem trazia o propósito de, sob o sol luso, ver nascer um espaço de comeres que fizesse síntese entre uma mesa descontraída, com incursões por cozinhas de sabor mediterrânico e produtos com origem nacional. Um restaurante que criasse o compromisso entre o conforto de estar à mesa e a fruição do ar livre.
“Somos todos amigos de longa data”, conta-nos Alessandra, referindo-se aos sócios de projeto. Preparamo-nos para degustar um duo de pratos saídos da carta de estreia do Oh! Sorte. A 21 de maio último o restaurante abria portas após meses atribulados. Uma data de abertura condicionada pelo destino que um vírus irritante veio inscrever na nossa história coletiva. Um vírus que os quatro empreendedores não poderiam supor, há perto de um ano, lhes protelaria em meses a inauguração do restaurante. Assim foi, com a declaração do estado de emergência em março último, o Oh! Sorte haveria de aguardar pela primavera lisboeta para dar a provar uma carta assumidamente meridional.
Mas, porquê Oh! Sorte, questionamos Alessandra? “Sou professora de ioga e numa das minhas meditações ocorreu-me este nome. Quando o transmiti à Cláudia, disse-me que tinha pensado exatamente na mesma expressão. E ficou”. Conjugação astral, apetece-nos dizer enquanto “saboreamos” a envolvente. A poucos metros, repousa a oliveira, totem sobre o bar de cocktails e de cervejas artesanais. Um apontamento de verde que expande aquilo que o pátio com teto em vidro nos oferece. Paredes meias com o Oh! Sorte moram o Jardim Botânico de Lisboa e o Parque Mayer. Sobre o amplo teto em vidro, espreguiçam-se ramos de árvores. Muito verde em contraste com o azul intenso que o céu veranil nos oferece.
Tudo o mais é um espaço que se desenha como se de nossa casa se tratasse. Todos recordamos as cadeiras de madeira da sala da avó, como também nos trazem memórias os tampos de mesa em mármore, ou o tijolo cru alentejano. “Quisemos que os portugueses se sentissem em casa”, conta-nos Alessandra, acrescentando, “foi muito divertido, mesmo viciante, irmos a antiquários lisboetas escolher estas peças e conciliá-las com o toque moderno que queríamos para o restaurante”. Nas paredes inscreve-se parte da alma nacional com citações de escritores lusos. Letras desenhadas a preceito, nascidas das mãos de um caligrafo.
Porque estamos aqui para intrometer o apetite na carta do Oh! Sorte, há que sublinhar que a copa opera a quatro mãos, com os chefes de cozinha Ana Clara Corvino e José Scotini. “Fazemos tudo de raiz no restaurante, o que inclui a preparação de todas as massas para as pizzas e para o pão”, esclarece-nos a nossa interlocutora. À conversa junta-se, entretanto, um dos obreiros da carta, José Scotini, o guardião do forno poderoso de onde saem as pizzas servidas no restaurante. Scotini é a encarnação do entusiasmo quando o tema versa pizzas. Já produziu centenas de milhares em mais de 30 anos de labor. Aqui, no Oh! Sorte, apresenta-nos uma incursão por clássicos, como as pizzas Marguerita e Diavola, mas também com a sugestão de exclusivos da casa, como a pizza com sardinha (sazonal) e aquela que provamos e que toma de empréstimo o nome do restaurante. Sobre uma massa fina e estaladiça - o que nos agrada - um produto que Portugal chama por “tu”, a alheira. Aqui, assada no forno e a casar com queijo mozzarella, ovo cozido, cebola caramelizada e molho de tomate.
“Quisemos que a carta, apesar de apresentar sugestões provenientes de outras cozinhas, se baseasse em produtos portugueses”, sublinha Alessandra, recordando-nos que a farinha, os queijos, as carnes, o peixe, os enchidos, têm uma assinatura lusa, provindo de pequenos produtores.
Uma ementa que os responsáveis do Oh! Sorte não querem colar aos atributos exclusivos de uma pizzaria. A carta tem amplitude, com risotos (provamos o Risoto Sicilia, com o arroz carnaroli tratado no ponto, camarão cozido a preceito e a frescura do limão a temperar), bacalhau, lombo de novilho e massas (por exemplo, o Tagliatelle de ragu e o Tortelloni de requeijão e salvia).
Quem se entreter com as entradas, saiba que contará com uma “Surpresa” de queijo de cabra envolto em massa filo, rúcula, morango, tomate cherry, nozes caramelizadas e frutos vermelhos.
No que toca às sobremesas, são cuidadas com carinho pela italiana Ana Corvino, com a chefe de cozinha a criar de raiz os doces que nos coloca à mesa. Não se fica pela monotonia de um “doce da casa” ou pela clássica mousse de chocolate. Conta-nos uma história sobre o prato. Neste caso, com a visita do SAPO Lifestyle, a prova do “Verão”, uma sobremesa visualmente apetitosa, harmonizando gelado de baunilha de Madagáscar, nectarinas, pêssego e farofa.
Uma referência à carta de vinhos que não desfaz o compromisso com a portugalidade. Uma seleção com algumas dezenas de propostas que inclui referências do Tejo, Lisboa, Bairrada, Alentejo, Setúbal, Vinhos Verdes, Madeira, Dão, entre outras.
Sob a luz de Lisboa, a oliveira desponta viçosa. Gostou da sua nova morada. Nos ramos brotam as primeiras azeitonas nascidas lisboetas, por agora não mais do que pontinhos verdes que vingarão com o fim do ano. Oh! Sorte dirá Alessandra.
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