Attilio Santini: o mestre por detrás da famosa gelataria
É impossível falar na marca Santini sem falar no homem que emprestou o seu nome e talento à famosa gelataria portuguesa. Attilio Santini Mosena nasceu em 1907 na Cortina d'Ampezzo, uma zona no Norte de Itália famosa pela tradição dos gelados. Coincidência ou não, quis o destino que seguisse as pisadas do pai e bisavô e, tal como eles, se dedicasse de corpo e alma a este negócio.
A paixão pela gelataria levou-o a sonhar mais alto e a viajar por diferentes partes da Europa, como França e Espanha, na tentativa de alargar os seus conhecimentos nesta área e aperfeiçoar a arte dos gelados artesanais.
No final da década de 1940, e depois de perceber as potencialidades do Estoril para este tipo de negócio, decide mudar-se para Portugal. Em 1947 instala-se em Lisboa com a ambição de ter a sua própria gelataria, um desejo que se tornou realidade em muito pouco tempo.
Da Praia do Tamariz para o resto de Portugal
No final do verão de 1949 abre a sua primeira loja em Portugal. A Praia do Tamariz, localizada no Estoril, foi o sítio escolhido para aquele que foi o berço de um império que tem crescido a olhos vistos nos últimos 14 anos.
Entre aberturas e encerramentos seguiram-se as lojas no edifício do Cinema São José (1960) e na Avenida Valbom (1971), sendo que esta última viria a tornar-se num dos espaços mais icónicos da marca. “O meu avô é convidado para inaugurar umas galerias na Avenida Valbom e é o primeiro comerciante que abre uma loja nesta avenida”, diz Eduardo Santini Fuertes, neto do fundador, sobre esta gelataria de rua ainda continua em pleno funcionamento.
A marca, que atualmente é uma empresa bifamiliar detida pelas famílias Santini e Botton, tem 13 espaços espalhados de Norte a Sul do país e promete não ficar por aqui. A mais recente abertura localiza-se na Aldeia de Juso, no concelho de Cascais.
O gelado italiano que conquistou uma legião de fãs e até famílias reais
A Santini destacou-se por ser uma das primeiras gelatarias a comercializar gelados de estilo italiano em território nacional e que se distinguem pela sua cremosidade, leveza, frescura e reduzido teor de gordura.
“Não havia muita gente com um produto idêntico e, sendo no sítio que era, rapidamente consegue fazer amizade com muita gente e ganha ali uma legião de fãs e clientes”, refere sobre este negócio que, em 2024, completa o seu 75º aniversário.
Ir à Santini comer o gelati più fini del mondo tornou-se um ritual para muitas famílias e grupos de amigos que faziam fila em Cascais para poder provar os seus gelados que, sejam creme ou sorbet, eram servidos em copo ou em cone de bolacha. Entre a sua fiel clientela estava, nada mais nada menos, do que Juan Carlos I de Espanha, que também se rendeu a este produto artesanal. “O Rei Emérito de Espanha, quando era jovem, vestia-se na loja do meu avô, que morava por cima da loja, e isso criou-se uma relação de amizade.”
Todos os dias recebem cerca de três toneladas de fruta fresca que se transformam em sorbet
Todos os dias, por volta das 08h00 da manhã, chegam cerca de duas a três toneladas de fruta fresca à Unidade de Produção da marca sediada em Carcavelos. Sem ela é impossível criar os diferentes sabores de fruta – também conhecidos como sorbets e que se destacam pela sua frescura e leveza - que existem no menu. Mas antes de se avançar para qualquer tipo de processo de produção, esta passa por uma inspeção prévia extremamente rigorosa.
De forma a manter os standards elevados da marca, toda a fruta que é rececionada neste espaço passa por um controlo de qualidade bastante exigente, sendo feito uma avaliação visual e uma verificação do nível de açúcar presente em cada peça. “Não utilizamos fruta de produção ou fruta passada. Utilizamos mesmo fruta de mesa”, salienta o administrador sobre a importância da maturação da fruta e da sua influência no produto final.
Lavar, descascar, triturar, misturar e refrigerar: o passo-a-passo da confeção dos gelados
Após a seleção da matéria-prima, o trajeto da fruta começa com a lavagem, de forma a retirar a sujidade exterior, seguindo-se a desinfeção numa mistura de água com cloro. Depois de enxaguada, está pronta para o descasque que, salvo algumas exceções, é feito de forma mecanizada. O ananás, a meloa e a manga, por conterem sementes e caroços, obrigam a que a pele seja retirada de forma totalmente manual. Posteriormente os pedaços são colocados numa trituradora que ficará responsável pela extração da polpa que será utilizada nos sabores de fruta. Este passo é repetido diversas vezes para garantir o mínimo desperdício possível.
Na sala de produção, a base dos cremes e dos sorbets é vertida para dentro de diferentes tipos de pasteurizadoras onde vai ser criada a mistura. “As pasteurizadoras horizontais são mais modernas. É um processo mais simplificado que não exige que esteja um operador constantemente com as máquinas e elas próprias têm sensores que identificam quando o gelado está pronto”, menciona Eduardo Santini Fuertes sobre este aparelho. Já a vertical, que apesar de ser totalmente manual e mais limitativa, ainda é utilizada no fabrico de alguns sabores em específico sendo capaz de criar “um gelado mais sensível em termos de cremosidade.”
O processo de produção é concluído com a passagem para a câmara de frio onde o choque térmico vai desempenhar um papel fulcral no produto final: este vai ajudar tanto ao nível da textura - onde a cremosidade vai dar lugar a uma consistência mais sólida -, como ao nível do sabor criado - que irá perder parte do adocicado que existe quando é criado. “O choque de frio vai atenuar o sabor e vai fazer sobressair todos os sabores dos ingredientes dos cremes e da fruta.”
Tradição, naturalidade e qualidade são o segredo (e a alma) do negócio
Fruta à séria, ingredientes naturais, leite e ovos frescos são a base para a confeção dos cerca de três mil litros de gelados que, entre cremes e sorbets de fruta, são produzidos todos os dias de forma artesanal na sua fábrica. A qualidade dos produtos e a naturalidade da sua receita secreta, que se mantém inalterada desde 1949, parece ser o segredo do seu sucesso.
“Os sorbets não levam creme nem levam nata. São todos feitos com fruta natural, à exceção do coco que leva natas. Depois há cremes que levam só leite, há cremes que levam leite e ovo… Dependendo do sabor que for, leva os seus ingredientes”, explica o neto de Attilio Santini referindo que, diariamente, são produzidos entre 2.000 a 3.000 mil litros de gelados artesanais.
Aliás, da lista de ingredientes não constam corantes, conservantes ou aromas. Todos os produtos são confecionados sem qualquer tipo de aditivo alimentar sendo sempre privilegiada matéria-prima de qualidade, o mais fresca possível e, quando possível, com proveniência local e nacional. Eduardo Santini Fuertes dá o exemplo do leite que “é previamente selecionado por nós, sabemos de onde vem e quais as vacas que dão o leite.”
É na sala da receita que a magia acontece: aqui é feita a mistura final e a criação dos diferentes sabores que, depois de devidamente embalados, vão estar disponíveis para venda nas várias lojas. “Nas frutas, a única coisa que fazemos é adicionar um bocadinho de açúcar que é misturado nestas batedeiras num processo o mais simples possível.” Isso explica o porquê de os seus gelados terem um prazo de validade mais curto – que se fixa entre os três a seis meses – em comparação com a oferta que existe no mercado.
Um receituário com 75 anos que conta com mais de 500 sabores
Em 75 anos de história, a Santini já criou mais de 500 sabores de gelados sendo que para a sua rede de estabelecimentos em Lisboa e no Porto só vai uma pequena amostra daquele que é o seu receituário. “Por mês, só conseguimos colocar nas lojas 22 a 23 sabores. As nossas lojas que têm os balções mais pequenos – que são as docas e as de shopping - levam no máximo 17 sabores”, diz o empresário.
A nata, a baunilha, o chocolate e o caramelo estão entre os sabores históricos da marca e que, por isso, nunca desaparecem da carta faça chuva ou faça sol. A marabunta, que é um creme que resulta da união do gelado de nata com as pepitas de chocolate, é um dos clássicos de assinatura da marca e que, desde 1960, se destaca pela sua popularidade entre os amantes de gelados.
Nos meses de inverno, a gelataria aposta mais na criação de gelados com misturas de cremes e no verão privilegia os sabores a fruta. Por exemplo, a manga, que é dos poucos frutos que a marca importa do Brasil, é um sabor que existe todo o ano. O mesmo não acontece com o morango que, ainda seja um dos seus bestsellers, como de novembro a fevereiro não existe morango em Portugal este é um sabor que só chega às gelatarias durante a época que lhe é dedicada.
A criação e produção dos famosos cones de bolacha wafer
A história da Santini é indissociável da fábrica Elba que, durante décadas a fio, foi o seu fornecedor de cones de bolacha wafer. Para quem não sabe foi nesta unidade fabril, fundada por Attilio Santini em 1948, que o empreendedor italiano desenvolveu a receita dos cones e mini-cones que, ainda hoje, servem de base aos seus gelados artesanais servidos à bola.
Atualmente este produto é feito na Unidade de Produção de Bolacha localizada em São Pedro do Estoril e na loja do Chiado. Os famosos cones de textura estaladiça, considerados um dos ex-líbris da marca, são enrolados à mão e fabricados tal como manda a tradição. A receita? Essa mantém-se no segredo dos deuses.
“É tão importante esta parte dos cones para nós, e representa tanto da nossa história, que criámos na loja do Chiado uma pequena fábrica onde todos os cones que são servidos naquela loja são feitos ali. As pessoas podem ir lá e comer o gelado em cones acabados de fazer e ainda quentes.”
Picolinis, os membros mais novos da família Santini
Nos últimos anos, a gelataria tem apostado na criação de novas gamas de produtos, mas sem nunca desvirtuar aquele que é o seu ADN. Um deles são os picolinis, famosos gelados de pauzinho feitos com polpa de fruta em formato picolé disponíveis em oito sabores, sendo que dois são veganos.
De forma a dar a conhecer a sua oferta em locais sem a insígnia Santini, resolveu criar pequenas unidoses de alguns dos seus sabores mais icónicos que podem ser desfrutados em vários espaços de restauração parceiros da marca.
“Temos muitos restaurantes que nos pedem para vender à bola, mas o nosso gelado é muito sensível e rapidamente ganha cristais de gelo e perde a qualidade. Assim [com os boiões de vidro] conseguimos manter a qualidade porque é aberto pelo cliente final”, refere Marta de Botton, administradora da marca, sobre estas novidades que nasceram durante a pandemia e que, devido ao seu sucesso, acabaram por se manter até aos dias de hoje.
De forma a satisfazer os desejos de todos aqueles que pretendem comer um gelado Santini, mas não têm disponibilidade para ir a uma das suas lojas físicas, a marca tem à sua disposição caixas de meio litro em vários minimercados gourmets e hipermercados espalhados pelo país.
Do brigadeiro à Bola de Berlim. Muitos sabores originais e algumas edições especiais
Apesar de ser uma marca tradicional na forma como confeciona os seus gelados, a família Santini tem a preocupação de não ficar presa ao passado ao introduzir sabores e texturas capazes de surpreender miúdos e graúdos.
Sejam eles frescos, doces, inesperados ou bem portugueses, o objetivo sempre foi tentar trazer sabores inovadores e originais para a sua carta. Pastel de nata, doce de ovo com pinhão, cereja, torrone, clementina ou brigadeiro são alguns dos exemplos. É de destacar que o sabor a brigadeiro é feito com uma base de doce de leite caseira cujo processo de confeção pode demorar cerca de oito horas. “Dá tudo muito trabalho, é tudo muito natural, são processos elaborados, mas depois o resultado final marca a diferença”, diz Eduardo Santini Fuertes.
Para além dos sabores clássicos e sazonais, existem ainda as edições especiais. A Bola de Berlim – que faz parte do ritual de praia de milhares de portugueses - é uma variedade que pode ser saboreada apenas ao fim de semana durante os meses de verão. “Vamos mesmo buscar a Bola de Berlim e criamos o gelado a partir daí”, explica o administrador sobre o processo de confeção deste sabor que, desde 2017, tem sido um verdadeiro sucesso todas as épocas balneares.
A propósito do seu 75º aniversário a marca relançou um dos seus sabores mais icónicos com toque muito especial: a marabunta de morango. Para criar esta edição limitada comemorativa, a marca contou com a ajuda dos seus clientes e decidiu juntar o gelado de nata com pedaços de morango cobertos com chocolate. “O segredo que sustenta o sucesso da Santini todos estes anos é a maneira como temos conseguido produzir mais mantendo as mesmas características do produto e mantendo o mesmo receituário”, remata.
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