Recuando na História vamos encontrar os antepassados do gelado. No Antigo Egipto, os faraós ofereciam aos seus hóspedes sumo de fruta arrefecido por meio de neve, introduzida numas taças de prata com paredes duplas. Alexandre Magno aprendeu esses prazeres com os Persas, quando os conquistou no século IV a.C. Apreciava sobremesas geladas, ao ponto de encher, nas suas campanhas, enormes covas com neve à qual misturava mel e frutas.
O imperador Nero, por volta de 600 d.C. servia aos seus convidados uma sobremesa de mel, frutos triturados e neve, esta última proveniente dos Alpes.
Os chineses usavam sistematicamente o gelo para arrefecer os alimentos. A própria polpa da fruta passou a ser misturada com neve. As caves do Palácio Imperial chegaram a ter armazenados mais de mil blocos de gelo. Um dos pratos favoritos do Imperador, era uma mistura gelada de arroz e leite perfumada com cânfora. Aliás, os pratos à base de leite sempre foram populares na China e pelas ruas de Pequim, no tempo da visita do comerciante veneziano Marco Polo, vendiam-se doces gelados preparados com leite.
Todos estes preparados não eram tanto gelados, mas mais sorvetes. A palavra sorvete deriva do turco chorbet e do árabe charab, que significa bebida. Os sorvetes distinguem-se dos gelados propriamente ditos pelo facto de não conterem gorduras nem gemas de ovos, o que os torna menos firmes e mais granulosos. O ingrediente base de um sorvete é um sumo ou um puré de fruta, um vinho, ou uma outra bebida alcoólica ou mesmo uma infusão aromática como o chá ou a menta. Junta-se, então, o açúcar e a mistura não é batida.
Marco Polo e os gelados
É provável que Marco Polo tenha trazido, de regresso à Europa, algumas receitas de gelado, bem como de um processo de refrigeração sem gelo que consistia em fazer correr uma mistura de água e salitre por cima de recipientes cheios com o preparado que se queria arrefecer. A partir dos relatos escritos por Marco Polo, alguns cozinheiros italianos começaram a realizar as primeiras experiências, produzindo gelados tanto de água como de leite. Aos poucos, as receitas e as técnicas foram-se aprimorando e a Itália tornou-se famosa pela qualidade dos seus gelados. Não tardou muito que as receitas italianas saltassem fronteiras.
A partir dos relatos escritos por Marco Polo, alguns cozinheiros italianos começaram a realizar as primeiras experiências, produzindo gelados tanto de água como de leite.
A ciência, traria um novo contributo na confecção de gelados. As misturas cremosas puderam-se congelar totalmente em 1550, quando Blasius Villafranca, médico espanhol vivendo em Roma, descobriu que o ponto de congelamento podia ser rapidamente atingindo juntando nitrato de potássio (e mais tarde sal de cozinha) à neve. Com este método, os Florentinos foram os primeiros a produzir o verdadeiro gelado em larga escala.
Quando Catarina de Médicis casou com Henrique II, no século XVI, a corte francesa dispôs, ao longo de 34 dias de um gelado, por refeição, com sabor diferente. Havia também uma sobremesa semigelada feita com nata, cuja receita constituía um grande segredo. A corte passou, desde essa altura, a ter à sua disposição um verdadeiro mestre na arte da geladaria, o cozinheiro Buontalenti (alguns estudiosos atribuem-lhe a invenção do gelado na Europa). Se a corte francesa gostava de gelados, não havia certamente quaisquer razões para que o povo não perfilhasse o mesmo gosto.
Novas sobremesas geladas
A democratização do consumo do gelado chegaria com a proliferação dos cafés. Francesco Procópio, italiano de Nápoles, decidiu abrir em 1670, em Paris, o famoso café Procope. No estabelecimento liam-se novelas, discutia-se política e literatura e, sobretudo, saboreavam-se as guloseimas, entre as quais os gelados e os sorvetes. O negócio teve tal sucesso que menos de uma década depois, Procópio, tinha já que se haver com mais de 250 concorrentes só na capital francesa. Contudo, os gelados apenas se consumiam no Verão. Só em 1750, Buisson, sucessor de Procópio, iluminou-se com a ideia de comercializar gelados todo o ano. Na época começaram a surgir outras especialidades geladas como os gelados de leite, natas e ovos. No fim do século XVIII deu-se a moda dos “queijos gelados”.
Mais tarde, com os avanços das tecnologias de fabrico, surgiu a bombe glacée, à mesa das classes mais abastadas. Tortoni, italiano, afamado pela delicadeza colocada no fabrico de sobremesas geladas, criou em 1798 a “bolacha gelada”, e foi o autor de verdadeiras obras-primas das receitas geladas: os perridori, os sfincioni, os caldi freddi, os zabaione, as “cassatas à la siciliana” com cremes e frutas. Na época Tortoni era o fornecedor de gelados de todas as festas públicas e privadas, sendo o seu café ponto de reunião de todas as celebridades literárias, artísticas de Paris.
As criações geladas não se ficaram por aqui e, nos anos subsequentes, em França, surgiram as mousses, os parfaits. Testavam-se novas combinações com sabores exóticos, surgindo o gelado de damasco e cereja brava, de pêssegos, de malvasia, de essência de angélica, de gemas de ovos de tentilhão, de pistácio, entre outros.
Os gelados serviam-se, então, no final das refeições e eram prato obrigatório nos bailes.
Entretanto, em Inglaterra, as classes mais abastadas haviam começado igualmente a interessar-se pela novidade. Para tal terá contribuído o exílio do Rei Carlos II no Continente, onde o consumo de gelado começava a tornar-se comum.
Pouco a pouco, toda a Europa vai aderindo à nova delícia, não escapando Portugal à regra. No nosso país, quando por cá reinava Filipe II de Espanha, as bebidas nevadas eram sobejamente consumidas.
Pouco a pouco, toda a Europa vai aderindo à nova delícia, não escapando Portugal à regra. No nosso país, quando por cá reinava Filipe II de Espanha, as bebidas nevadas eram sobejamente consumidas, ainda que fosse difícil o fornecimento à capital de tão desejada neve da Serra da Estrela. Começaram, então, a proliferar os neveiros. Um século depois, por volta de 1715, quando estava no trono D. João V, eram já inúmeros os fabricantes de gelados radicados na capital portuguesa. É na Serra de Montejunto, nos arredores de Sintra, que surge a primeira fábrica de neve, composta por poços para guardar e conservar a neve, tanques para fazer gelo e poços de água.
O gelado chega à América
O que é certo é que o gelado se implantou fortemente no Continente. O movimento dos Descobrimentos levou-o rapidamente a atravessar o Oceano Atlântico. George Washington, o primeiro presidente dos Estados Unidos, tinha especial gosto em servir gelados aos seus convidados. Também Thomas Jefferson, o homem que redigiu, em 1776, a Declaração de Independência americana e foi depois o terceiro presidente dos Estados Unidos, gostava de ter gelados disponíveis sempre que alguma ocasião social se proporcionava, na sua belíssima residência de Monticello, na Virgínia.
Mas foi na vizinha Pensilvânia que a indústria da geladaria se iria implantar mais fortemente, de tal modo que rapidamente os gelados passaram a fazer parte dos hábitos de consumo dos americanos. Seriam estes que, na Exposição Mundial de Saint Louis, em 1904, inventariam o gelado de cone. Diz-se que a namorada de um vendedor de gelados, para impedir o gelado de pingar, o enrolou numa bolacha da mesma forma que havia enrolado umas flores oferecidas pelo seu amado.
Certo é que os vendedores de gelados ambulantes já apregoavam o ice-cream pelas ruas norte americanas no início do século XX.
O chamado semifrio foi inventado por volta de 1940, vindo mais tarde a ajudar a aumentar ainda mais o consumo de gelados a nível mundial.
As receitas antigas, modificadas gradualmente, foram adaptadas às necessidades do fabrico industrial.
Os maiores consumidores
Os chineses e os italianos têm uma longa tradição no que diz respeito ao fabrico de gelados e não é por acaso que as geladarias italianas são, em geral, sinónimo de qualidade. Mas a verdade é que os maiores consumidores mundiais do delicioso doce fresquinho são os americanos, logo seguidos dos povos escandinavos (noruegueses, suecos, finlandeses). Os povos mediterrânicos, espanhóis e italianos são também grandes apreciadores, enquanto os portugueses apresentam baixos índices de consumo, sobretudo porque identificam o gelado como algo que se consome apenas em tempo de calor. Nota-se contudo uma progressiva inversão nesta tendência. Até porque se fizesse muita lógica, dificilmente os escandinavos encontrariam a ocasião apropriada em termos de clima para comerem um gelado.
O sorvete e a Nouvelle Cuisine
A impressionante evolução nas técnicas culinárias que caracterizou o aparecimento da Nouvelle Cuisine, em França, teve igualmente repercussões na forma como o gelado, ou melhor dizendo, o sorvete, foi encarado.
Na cozinha em geral, os molhos pesados e as quantidades excessivas de alimentos, foram substituídos por porções consideravelmente menores, procurando o sabor autêntico dos alimentos. No campo dos sorvetes, reabilitaram-se as frutas, como complemento refrescante e natural, após uma refeição. O sorvete devia traduzir e realçar, na sua textura macia, o sabor mais ou menos delicado de cada fruto. Frutas como os morangos, framboesas e melões, tornaram-se verdadeiros manjares de sonho sob a forma de sobremesas geladas.
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