Não há estudante de liceu a quem a fórmula E=mc2 soe estranha, mais não seja por ligação direta ao físico teórico alemão que a expressou. Albert Einstein, com a sua Teoria da Relatividade, esteve para o mundo da física como Charles Darwin esteve para a biologia, com a Teoria da Evolução e Seleção Natural das Espécies. Com ambos houve uma linha a traçar a fronteira entre o antes e o depois. Curiosamente, quer o britânico, quer o germânico, certo dia olharam para as abelhas. O primeiro em termos evolutivos, o segundo, Prémio Nobel da Física em 1921, pragmático, haveria de afirmar por extrapolação, que no caso de uma hecatombe entre estes insetos melíferos e polinizadores - os principais – a humanidade sobreviveria uns meros quatro anos.
Ou seja, não dependemos apenas das duas mil espécies melíferas de abelhas – das 20 mil catalogadas em todo o mundo - no que aos benefícios e prazeres dos méis diz respeito. Precisamos das abelhas enquanto sobrevivência da espécie. Porquê? “Porque têm um papel fulcral como agentes polinizadores das espécies vegetais. Ao visitar a flor de onde extrai o néctar, o pólen da planta fica agarrado às patas dianteiras da abelha. Esta acaba por reunir esse pólen nas patas traseiras, transportando-o de planta em planta”. É assim promovida a fecundação. É Luís Estrela, da Tapada Nacional de Mafra, quem assim o explica a todos os presentes na atividade lúdica “Atelier de Apicultura”, iniciativa que decorre diariamente naquele espaço datado de 1747 e que foi Couto Real de Caça de vários monarcas.
Quarenta e cinco minutos de aula sob as frondosas folhosas do parque e não muito longe de uma meia dúzia de colmeias salpicadas pelo voo zumbidor das abelhas. Uma aula que serve, a dois tempos, para introduzir graúdos e miúdos no mundo destes insetos “maravilhosos” e para os inteirar da sua importância na sustentabilidade e sobrevivência dos ecossistemas. Uma mensagem ecológica que Luís Estrela diz começar em cada um de nós. Como? “Não matando as abelhas, os únicos seres vivos do planeta com a capacidade de produzir mel. A última coisa que uma abelha quer é picar-nos. Ao fazerem-no perdem o ferrão e morrem. Subtraem tempo a uma vida muito curta e intensa, não mais do que 60 a 90 dias, sem intervalos para dormir, para cumprir a sua missão. Já a vespa, que não produz mel, e ao picar sobrevive, não se soltando o ferrão”.
A Abelha Mãe, como lhe chamam os apicultores, tem mais de 50 mil filhos. Pode viver entre três a cinco anos e põe até dois mil ovos por dia.
De acordo com o nosso professor nesta aula de apicultura quando olhamos para uma colmeia estamos perante um “organismo vivo” onde cooperam, “em média, 50 a 60 mil indivíduos. Imaginem um estádio de futebol com a mesma capacidade. Findo o jogo todos abandonam a estrutura e vão para as suas casas. Numa colmeia é o oposto, toda a comunidade se reúne nesta casa”.
Um palácio de uma só imperatriz
Um palácio onde há uma imperatriz, a Abelha Rainha, “mãe” de toda a multidão que enxameia a colmeia. “A Abelha Mãe, como lhe chamam os apicultores, tem mais de 50 mil filhos. Pode viver entre três a cinco anos e põe até dois mil ovos por dia”. É obra, como também o é toda a hierarquia social e de ascensão laboral dentro da colmeia. As Abelhas Obreiras desempenham diferentes tarefas na sua curta vida. Produtoras de mel, construtoras de favos, transportadoras de néctar, de pólen; responsáveis por alimentar a rainha e as larvas. E, como sublinha Luís, cabe a estas obreiras decidirem pela sucessão monárquica dentro da colmeia.
Como? “Há um momento em que as abelhas se apercebem que a Rainha está a pôr menos ovos. Um fator para a substituição da Mãe. As obreiras tratarão, então, de diferenciar uma abelha sexualmente madura. Fornecem-lhe, ainda larva, uma dose substancial de geleia real, ao contrário do que acontece com as larvas de futuras operárias que receberão apenas um pouco desta substância segregada pelas obreiras”.
Geleia real que continuará a servir de alimentação na fecunda vida da Rainha-Mãe. Uma existência que carece da presença de uma outra categoria de cidadão destas cidades de favos, o Zangão. “Não têm ferrão, alimentam-se de mel e vivem mais tempo do que as obreiras, perto de 120 dias”.
Luís Estrela aborda com entusiasmo este mundo secreto das abelhas. Traz aos presentes alguns dados capazes de extrair um “Oh” de espanto às crianças – e porque não dizê-lo também aos adultos -. “O olfato das abelhas é superior ao dos cães, embora não possuam narinas. É nas antenas que está o órgão olfativo destes insetos dotados de quatro asas. São elas, as antenas, que captam, inclusivamente, a temperatura exterior, a humidade”.
Números? Pois espante-se o leitor com estes. “Uma abelha contém na cabeça dois globos de prismas hexagonais a que, por comodidade de explicação, vamos chamar de olhos. Estes prismas multiplicam-se por dez mil o que, em extremo, nos leva a afirmar que a abelha tem dez mil olhos”, sublinha o nosso formador, acrescentando, “sobre a cabeça tem, ainda, mais três minúsculos órgãos de visão que não detetamos a olho nu”. Com tudo isto, a abelha tem um ângulo de visão de 260º. Mas não ouve. Desengane-se, assim, quem usa os velhinhos truques do assobio e do estalar os dedos para afastar as abelhas. “Uma abelha pode sentir-se atraída, por exemplo, pelo nosso perfume, pelo odor de um protetor solar”.
Uma abelha contém na cabeça dois globos de prismas hexagonais a que, por comodidade de explicação, vamos chamar de olhos. Estes prismas multiplicam-se por dez mil o que, em extremo, nos leva a afirmar que a abelha tem dez mil olhos.
É, naturalmente, uma existência laboriosa esta a das abelhas, fornecendo aos seres humanos, há vários milhares de anos, não só os méis – tão diversos como a flora da regiões de onde provêm, a geleia real, o própolis – “um antibiótico natural”. “No nosso país as primeiras colmeias produzidas por mão humana eram simples estruturas utilizando um recurso deste sul da Europa, a cortiça”. Luís traz a todos os presentes memórias de infância em Castelo Branco, “não teria mais de seis anos e ia com o meu avô ao cortiço comer o mel do favo. Era uma experiência única, misturando a cera do favo com o mel. Uma espécie de pastilha elástica”. Quando o objetivo era extrair o mel para o frasco, a função fazia-se espremendo diretamente o mel utilizando as mãos. Outros tempos.
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