“O fruto dos frutos, o único que ao mesmo tempo alimenta e simboliza, cai dumas árvores altas, imensas, centenárias (…) só em novembro as agita a inquietação funda, dolorosa, que as faz lançar ao chão lágrimas que são ouriços. Abrindo-as, essas lágrimas eriçadas de espinhos deixam ver numa carne fofa a maravilha singular de que falo”. Da prosa sublime do escritor Miguel Torga, na obra “Portugal”, sai esta descrição da castanha.
Por seu turno, diz a voz popular, que o castanheiro leva “300 anos a crescer, 300 anos a ser, 300 anos a morrer”. De facto, esta árvore de grande porte da família das fagáceas ou das castaneáceas, assume grande longevidade, sendo considerado para muitos povos, como um símbolo de perenidade, de fartura e abastança.
A castanha, o seu fruto, eclode ao fim de dez anos de vida da árvore, formando-se dentro de um ouriço. Em tempos base da alimentação de muitas populações, a castanha, encontra-se actualmente num plano secundário na dieta alimentar dos portugueses.
Pobre em gorduras, mas rica em hidratos de carbono e fibras, com alto teor de água, a castanha é, hoje em dia, mais apreciada como um capricho de época. Mal chegam os rigores climáticos de outubro e novembro ouvimo-las apregoadas “quentes e boas". Saboreando-as, ainda a escaldar nas mãos, estamos longe de imaginar a longa história que a castanha encerra.
Castanha pré-histórica
Comecemos pelo termo, e vamos descobrir a palavra latina castanea (do grego kastanon) como origem dos termos castanheiro e castanha. Ao que tudo indica este fruto é oriundo da Ásia Menor, Balcãs e Cáucaso, acompanhando a história da civilização ocidental desde há mais de 100 mil anos. A castanha, a par do pistácio, proporcionou um importante contributo calórico ao homem pré-histórico que também a utilizou na alimentação dos animais. Já na antiga China o castanheiro carregava-se de forte carga simbólica, correspondendo, na crença local, ao Oeste e ao Outono. Era plantado sobre o “altar do solo” virado para aquele quadrante. A tradição fez, igualmente, do castanheiro um símbolo da previdência, pois o fruto serve de alimento no rigor e escassez do Inverno.
Ao que tudo indica este fruto é oriundo da Ásia Menor, Balcãs e Cáucaso, acompanhando a história da civilização ocidental desde há mais de 100 mil anos.
A castanha vê-se citada pelo profeta Isaías e o castanheiro, a par do carvalho, terá sido venerado pelos Druidas.
As tribos pré-romanas chamavam-lhe a “árvore-do-pão”, já que a castanha, era um alimento rico e um importante meio de subsistência para os exércitos em campanha. Gregos e romanos cultivaram o hábito de colocar frutos, entre os quais a castanha, em ânforas cheias de mel silvestre. Este, conservava o alimento e impregnava-o de doce sabor.
Frequentemente as castanhas, entre outros frutos secos, eram servidas em banquetes. Julga-se que este pitéu será o antepassado de uma das mais requintadas confecções culinárias em que a castanha se vê envolvida: o marron glacé. O poeta Homero (século IX a.C.), autor da “Ilíada” e da “Odisseia”, refere a castanha, a espaços, nas suas obras.
Nos Balcãs e na Gália comiam-se castanhas confeccionadas de muitas formas diferentes. Um dos pratos mais populares era a castanha como recheio de javali, espécie bastante comum, ou outra caça. Já na Idade Média, nos mosteiros e abadias, monges e freiras possuidores das receitas conventuais mais requintadas, faziam abundante uso da castanha. Por esta época a castanha, então frequentemente moída, tornara-se um dos principais farináceos da Europa; continente que ainda não havia conhecido a batata e o milho.
Com o Renascimento a gastronomia assume novo requinte, com novas fórmulas e confecções. Nos salões servia-se o marron glacé, com pinças de ágata, não tardando que franceses e povos pirenaicos o levassem para Espanha e daí, com as Invasões Francesas, chegado o preparo a Portugal.
A castanha em Portugal
Quando o marron glacé chega ao nosso país, vem encontrar a castanha já com uma longa tradição alimentar. O termo castanheiro aparece citado num documento em 960 d.C. muito antes da formação de Portugal (1143). A castanha era, a par da bolota, um produto básico na alimentação, apenas destronado após a introdução no velho continente da batata e do milho nos séculos XV/XVI, provenientes da América do Sul.
Ainda no decurso do século XVI, em terras do Norte e das Beiras, consumiam-se mais castanhas do que pão e mesmo no século XVII, as castanhas eram consideradas um produto base da alimentação das beiras. Com a castanha fazia-se, desta forma, um “falso” pão denominado “falacha”.
Ocasionalmente, quando a produção de castanha do ano não era totalmente consumida, restava transformar as mais pequenas, as "fauchas", em castanha "pilada", seca ao fumo, em caniços suspensos sobre a lareira. Desta forma a castanha conservando-se, podia ser consumida mais tarde.
A castanha chega-nos associada a vários pratos da gastronomia regional portuguesa e os entendidos não se fazem rogados ao afirmarem que algumas das variedades portuguesas de castanheiro (Judia, Negral, Lada, Cota, Longal e Enxertia) produzem as melhores castanhas que se conhecem. Com bastante procura além-fronteiras, as castanhas são, no estrangeiro, procuradas especialmente entre os núcleos da emigração portuguesa.
Texto originalmente publicado no livro “Alimentos com História”
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