O desafio para conhecermos a região algarvia através dos seus comeres com memória, convivendo a sul e interagindo com as populações, parte da cooperativa QRER, dedicada ao desenvolvimento dos territórios de baixa densidade.
Nos próximos meses somos convidados para piqueniques de charme inspirados nas décadas de 1930 e 1940, jantares temáticos, visitas a hortas familiares, com recolha de alimentos, sessões de cozinha, assim como uma grande festa de encerramento da iniciativa, inserida no programa cultural 365 Algarve, que levará os participantes a entrarem na Casa da D. Glória. Já lá iremos.
Antes, perguntamos a Alexandra Santos, Produtora Cultural, e membro da cooperativa QRER, porquê trazer para a ribalta estes comeres esquecidos? “Durante muito tempo quisemo-nos afastar da pobreza que aqui existia e, consequentemente, do meio rural. Muitos dos alimentos que trazemos para o Festival fazem parte dessa identidade, associada à ruralidade. Para mais, os tempos atuais não se coadunam com a comida de tacho, de preparações longas. Queremos reabilitar essas memórias, tornar conhecidos ingredientes que, de outra forma, podem caminhar para a extinção. Muitos deles também não são espécies de interesse agrícola se olharmos apenas para a rentabilidade. Mas, o que vamos perder se não olharmos para este património alimentar?”, sublinha Alexandra, ao SAPO Lifestyle.
Um olhar que vai percorrer, já a partir de 19 de outubro, com um piquenique em Azilheira (São Marcos da Serra), nove conselhos algarvios: Algezur, Vila do Bispo, Lagoa, Silves, Loulé, São Brás de Alportel, Alcoutim, Tavira, Vila Real de Santo António. O objetivo é afastar o Festival dos lugares-comuns associados à região, embrenhando-o, sempre que possível, no interior algarvio, no território do barrocal e nas serras. “Temos uma exceção, um evento no litoral, em Cacela Velha, a aldeia mais preservada junto à costa. Aí vamos fazer um dos piqueniques, a 2 de maio de 2020. Não nos podemos esquecer que mesmo as populações serranas tinham tradições muito engraçadas. Por exemplo, a 29 de setembro, as gentes de Monchique iam à praia”, revela Alexandra.
No que respeita aos “Piqueniques de Charme”, a proposta é a de regressar ao passado, recordando os piqueniques que se realizavam durante o século XX no Algarve. Momento para socializar e conviver. De acordo com a QRER, “o evento inicia-se com um pequeno percurso interpretativo até ao local do piquenique, com a presença de um representante da comunidade local que irá falar de modo informal de algumas particularidades da região. Chegados ao local do piquenique, um local emblemático e mágico, os participantes poderão tomar os seus lugares, seja no chão (em mantas), ou então em mesas e bancos no (parque de merendas), dependendo do local em questão”.
Nesse momento, o chefe de cozinha apresenta o menu, os produtos da região utilizados na sua confeção. Todas as intervenções serão traduzidas em tempo real para inglês. Os piqueniques vão decorrer ao som do acordeão e do Corridinho.
Sobre o envolvimento das populações neste Festival da Comida Esquecida, diz-nos Alexandra Santos: “Continuamos a trabalhar neste resgate da memória. Este é o ano zero para o Festival. No que respeita aos piqueniques de charme, estamos a desafiar as pessoas dos locais, procurar saber o que é tradicional”.
Ainda na agenda deste Festival, os jantares “Momentum – Da floresta ao prato”, atividade inicialmente desenvolvida para o jantar do décimo aniversário da Associação Plantar uma Árvore, sendo uma homenagem à floresta e representa a cooperação entre três faculdades, sob coordenação da Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril.
O menu apresentado nos três jantares programados, “será inspirado e alinhado com os princípios da recuperação da biodiversidade e o fortalecimento dos ecossistemas. Um cardápio que reflecte os ciclos de produção e o respeito pelas identidades dos territórios onde trabalhamos, a proximidade dos produtos à origem e o modo como estes são tratados nas cozinhas e procuram também reflectir o ciclo de vida da árvore”, sublinha a cooperativa QRER.
Ainda sobre os jantares, conta-nos Alexandra: “O Algarve não tem propriamente uma floresta assumida. Onde a havia, na Serra de Monchique, a floresta foi consumida pelo fogo de 2018”.
Da mesa para a horta, este Festival da Comida Esquecida propõe um outro tema estruturante: “Colher e Cozinhar”, “aproximando as pessoas da origem do que comem, contactando diretamente com as pessoas que trabalham a terra, fazendo também a ponte com aqueles que se preocupam e tratam questões ligadas aos hábitos alimentares. A recolha de alimentos foi sendo abandonada, nomeadamente as bolotas, os catacuzes, as acelgas”, salienta a membro da cooperativa QRER.
Desta forma, os eventos “Colher e Cozinhar”, “desenvolvem-se ao redor de hortas familiares e outros espaços de cultivo, com recolha de ingredientes tradicionais, alguns pouco conhecidos do público. Os anfitriões orientarão os participantes num passeio interpretativo de todo o território envolvente, focando os modos de vida e a história da horta e dos seus produtos”.
“Os ingredientes recolhidos serão utilizados para confecionar um prato sazonal da cozinha tradicional algarvia nas imediações desse mesmo local, durante o qual serão partilhadas histórias e conhecimentos num ambiente de co-criação de experiências”, sublinha a cooperativa algarvia em comunicado.
Finalmente, a festa de encerramento desta primeira edição do festival, chegará em maio de 2020, a Querença, concelho de Loulé, com um nome sugestivo, “Na Casa da D. Glória”. “Vamos envolver a comunidade de lá, eventualmente com almoços nalgumas casas, fanfarra, acordeão, corridinho e danças do mundo”.
No fundo um momento final que é sintese dos objetivos deste Festival, “a revitalização do interior, em torno da gastronomia, dos produtores, dos mercados municipais e de quem produz”, conclui Alexandra Santos.
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