Já para a cama dormir que nem uma justa, que nem uma pedra...  O sono suscita as mais variadas analogias. Contudo, estas nem sempre são uma representação exata da sua qualidade.  De ressonar, a não conseguir adormecer, passando por sonhar demasiado, a lista de reclamações é longa. Mas não desespere! Os nossos maiores especialistas em sono recomendam, aqui, os hábitos e cuidados que nos ajudam a dormir mais e (mais importante) melhor.

Como é a sua noite de sono? Agitada, calma? Durante esse período o organismo realiza funções importantíssimas com consequências diretas para a nossa saúde, como o fortalecimento do sistema imunitário, a secreção e a libertação de hormonas (a hormona do crescimento, melanina, insulina, entre outras), a consolidação da memória, isto sem falar no relaxamento e no descanso da musculatura. Passamos cerca de um terço da nossa vida a dormir.

É essencial, não apenas para ficarmos acordados no dia seguinte, mas para nos mantermos saudáveis, melhorar a nossa qualidade de vida e até aumentar a longevidade. O nosso desempenho físico e mental está diretamente ligado a uma boa noite de sono.  Por isso, leia o que se segue e durma descansado. Veja também as 10 plantas que ajudam a dormir melhor e bons sonhos!

O sono santo por que todos anseiam

Quem não adorava sentir, todas as manhãs, que dormiu profundamente e que podia ter passado um comboio e nem se apercebia? Todos! Todos ansiamos por um sono santo. E aí é que está o problema. Ninguém consegue dormir num estado de ansiedade, o qual é agravado por crenças falsas. Muitas pessoas têm uma má perceção do próprio sono.

E, pior, parece estar disseminada uma ideia de que devemos conseguir ter um sono reparador e acordar com um sorriso nos lábios, sempre, independentemente da existência de atenuantes, umas mais sérias que outras. Porém, raramente estão reunidas as condições ideais para dormirmos bem e o suficiente. Porquê? A resposta é complexa, mas não podia ser mais irónica. É que, como diz o ditado britânico, somos nós que fazemos a nossa própria cama.

Fazemos a nossa cama e agora temos de nos deitar nela. «Ainda existe a ideia de que, quando já se é adulto, pode-se fazer noitadas», critica Anselmo Pinto, otorrinolaringologista e fundador da Clínica do Sono, no Porto. Rita Mariño Lourenço, psicóloga  e neuropsicóloga clínica na Oficina de Psicologia, comenta que, de facto, na nossa sociedade as pessoas que conseguem aguentar bem o cansaço após uma noite em branco, ou em que dormem muito pouco, «são vistas como super-herois».

Consequentemente, cada vez se dorme menos. Portugal, então, lidera a tabela europeia de hábitos de sono pelos piores motivos. «Somos o país em que se deita mais tarde. Nas últimas décadas, as pessoas convenceram-se que não têm limites. Portanto, passam mal», alerta Teresa Paiva, neurologista especialista em medicina do sono e diretora do Centro do Sono (CENC), em Lisboa.

Veja na página seguinte: Vale mesmo a pena mudar de hábitos?

Mudar comportamentos para quê?

Desengane-se se pensa que esta desvalorização do sono não tem custos para a nossa saúde física e mental. Ao adiarmos sucessivamente a hora de dormir, para vermos mais um bocadinho de televisão na cama, para mandarmos mensagens aos amigos, para trabalharmos até ao momento de nos deitarmos, vamos acumulando cansaço. E Anselmo Pinto assegura que quem rouba ao sono cinco dias por semana, não recupera no fim de semana nem nas férias.

«Uma privação de sono de duas noites equivale a uma alcoolemia de 1,3 g/l», sublinha o otorrinolaringologista. Entre as principais consequências da privação de sono, Teresa Paiva destaca «o aumento de risco de cancro da mama, do útero, da próstata, um maior risco de diabetes, de obesidade e de doenças cardiovasculares e o maior risco de alterações de memória e de demência». Além disso, se um indivíduo tem privação de sono está a facilitar o desenvolvimento de distúrbios do sono, como a insónia.

Sono voluntário versus involuntário

Devemos esclarecer que há uma grande diferença entre a privação de sono voluntária e a privação involuntária. Não em termos de efeitos, porque são os mesmos, mas no tratamento. Enquanto que, no caso da privação de sono voluntária, está nas nossas mãos mudar de hábitos, no que toca à involuntária, há uma informação genética desfavorável. Um estudo conduzido por Louis Ptáček, investigador de neurogenética na Universidade da Califórnia nos EUA, comprovou que os padrões de sono são muito influenciados pela nossa herança genética.

Ainda assim, Anselmo Pinto, otorrinolaringologista, garante que, mesmo assim, «na maioria dos casos de insónia conseguimos, se não a cura, uma melhoria substancial». Informe-se sobre o seu historial familiar, perguntando aos seus pais, avós e tios se dormem bem. Pode ser que se identifique com alguns sintomas. Se para além do historial familiar ainda luta contra o sono, conscientemente, não tem desculpa para deixar que se instalem resultados tão graves como os acima descritos pela neurologista Teresa Paiva.

Cortar o mal pela raiz

Antes de tentarmos mudar os nossos hábitos de sono devemos começar por mudar a nossa mentalidade. A especialista em medicina do sono descreve exemplos de pessoas que passam pelo Centro do Sono com crenças falsas, isto é, que não se confirmam biologicamente. «Tenho pacientes que me dizem que foram notívagos a vida toda, chegam aqui e às 23 horas já estão a dormir! Como é que é possível? Não fizeram nenhum dos hábitos que os levam a não dormir», diz.

«Não beberam café, não estiveram a ver televisão, não beberam cerveja», sublinha. Por outro lado, muitas pessoas têm uma má perceção da qualidade do seu próprio sono. O otorrinolaringologista Anselmo Pinto esclarece que isso pode acontecer «se o indivíduo acordar na fase de sono REM, parece que esteve acordado toda a noite». Não deve partir do pressuposto que é notívaga porque fica a ver a telenovela até à uma da manhã. Faça o teste.

Às 23 horas dirija-se ao seu quarto (onde não pode haver dispositivos eletrónicos), aplique creme no corpo, leia um livro para ajudar a relaxar e a diminuir o ritmo cardíaco. Se não conseguir adormecer antes da meia-noite, é provável que seja notívaga. E não pense logo que sofre de insónia, só porque acorda cansada logo após uma noite em que sonha excessivamente.

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As alterações do sono provocadas por questões fisiológicas

Também há alterações do sono provocadas por questões fisiológicas. Estas, geralmente, manifestam-se através de sinais que nos soam muito familiares. «Achamos normal ressonar, ranger os dentes e/ou fazer barulhos a dormir», começa Anselmo Pinto. Contudo, o médico censura esta crença falsa, pois está a colocar em risco a saúde das pessoas. Quando se trata de crianças ainda é mais grave.

«Uma criança que ressone, que respire mal, que durma mal, tem uma diminuição em 70% da hormona do crescimento», alerta o especialista. A roncopatia pode ser sintoma de uma obstrução, que leva a que o ar passe por uma zona estreita, causando ruído. Pode ser também sintoma de uma perturbação do sono, como a apneia do sono. E levanta duas questões especialmente delicadas, face ao ranger dos dentes e outros barulhos.

Anselmo Pinto explica que, «primeiro, incomoda o parceiro, depois, há uma diminuição da oxigenação». Consequentemente, pode precipitar o fim da relação e, mais importante ainda, o especialista frisa que a roncopatia pode causar hipertensão, diminuição da capacidade de raciocínio e de memória, redução dos mecanismos de defesa, diminuição da capacidade sexual e aumento da probabilidade de ter um enfarte. Tudo, efeitos comuns à privação de sono.

Fugir à faca

Quanto aos tratamentos possíveis, cirurgia ou uma máscara, o otorrinolaringologista é o primeiro a dizer que nenhum garante resultados permanentes. «99% resultam durante uns três anos, depois volta tudo ao que estava. Exceto que não lhe consigo repor o que tirei. A cirurgia é sempre a última alternativa, porque tem sempre riscos», garante. Neste sentido, para um sujeito poder ser operado tem de ter um problema de obstrução que não é solucionável de outra maneira.

Nos adultos, a obstrução mais comum é o desvio do septo do nariz,e nas crianças as amígdalas demasiado grandes. Não querendo recorrer à cirurgia, pode sempre optar por fazer o tratamento com uma máscara CPAP/auto-CPAP que só resolve a roncopatia através do fornecimento de pressão positiva às vias aéreas do sistema respiratório.

Atividade vital

Os portugueses têm de modificar os seus hábitos de sono, defendem os especialistas. E isto pode ser feito sem grande esforço. Aprenda a compatibilizar a sua vida social com as suas necessidades biológicas. Quando o seu organismo lhe transmitir sinais de cansaço, não lute contra o sono. Só estará a prejudicar a sua saúde. O seu corpo também o vai informando durante o dia, sobre se devia estar a dormir mais ou menos tempo.

As oito horas de sono são uma referência, não uma regra universal. Mas lembre-se que, mais importante do que a quantidade de sono, é a qualidade do mesmo. Logo, se suspeita que pode sofrer de algum distúrbio do sono ou que ressona, consulte um médico o mais rapidamente possível. Se já acorda revigorada todas as manhãs, significa que está a respeitar as suas necessidades.

Texto: Filipa Basílio da Silva, Joana Brito, Rita Caetano e Madalena Alçada Baptista