O acesso à internet está mais fácil e rápido do que nunca e, apesar das mais-valias que tal acessibilidade traz às nossas vidas, é sempre importante que paremos para ponderar sobre eventuais consequências negativas associadas a esta facilidade, sobretudo no que toca à possibilidade desta alimentar vícios, como o vício em jogos de apostas.
Em 2022, deparámo-nos com dados do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD), de que cerca de 55.6% dos Portugueses participa em jogos de fortuna ou azar e de que 1.3% da população portuguesa apresenta problemas de dependência neste tipo de jogo, sendo a prevalência superior para homens e pessoas com idades compreendidas entre os 24 e 34 anos. Face a estes números, é importante perceber de que modo o jogo online poderá contribuir para agravar esta situação, pondo em causa o funcionamento psicológico, familiar e financeiro dos jogadores. Ainda para mais quando são frequentes os anúncios, mesmo em meio televisivo, sobre este tipo de apostas.
Ora, o número de jogos a dinheiro online tem crescido exponencialmente e este crescimento tem, certamente, consequências em quem já dependia de jogos de sorte em formato presencial. Para além disso, o jogo a dinheiro online tem particularidades que agravam a dependência. Em primeiro lugar, o formato online destes jogos garante uma grande e constante acessibilidade e proporciona privacidade aos seus usuários, o que é, sem dúvida, atrativo para estes. Adicionalmente, o dinheiro apostado nestes formatos tende a ser maior, porque os jogadores tendem a sentir que, ao apostar dinheiro digital (ou seja, através de cartões de crédito ou de débito, transferências bancárias e e-wallets), não estão a gastar dinheiro “de verdade”. Não havendo limitações no acesso às plataformas do jogo, há maior probabilidade de as pessoas perderem horas de sono, saltarem refeições e, de modo geral, verem a sua vida afetada pela necessidade de continuar a jogar e apostar. A agravar a situação, os estudos têm revelado que pessoas dependentes de jogos de apostas online têm uma maior probabilidade de não procurar ajuda especializada para combater esta dependência, o que contribui para a manutenção e agravamento da mesma.
A dependência ao jogo de sorte e azar online é superior para os jovens, que estão mais adaptados ao uso de tecnologias. Para além disso, com frequência, as plataformas não têm formas adequadas de controlar as idades dos usuários, facilitando o acesso de menores de idade.
Mas a que sinais poderemos estar atentos e como podemos reconhecer que estamos dependentes do jogo? A adição ao jogo é caracterizada por várias componentes, entre as quais:
- A manutenção do comportamento, apesar das suas consequências negativas (neste caso, continuar a apostar grandes quantias de dinheiro, mesmo após ter perdido uma quantia significativa).
- O diminuído controlo sobre o comportamento e o envolvimento compulsivo neste (em concreto, sentir que está a apostar descontroladamente).
- A sensação de ânsia associada ao comportamento.
- A existência de tentativas repetidas e fracassadas de parar o comportamento (e sentir irritabilidade e mal-estar quando tenta parar, ou o tentam parar).
- A necessidade de mentir sobre o comportamento (por exemplo, dizer a entes-queridos que já não aposta no jogo, apesar de ainda o fazer).
- Recorrer a outras pessoas para manter o comportamento (por exemplo, pedir a familiares que emprestem dinheiro para fazer apostas, ou, pelo contrário, vender os seus bens sem conhecimento dos familiares para continuar a ter dinheiro para apostar).
No que diz respeito ao tratamento deste tipo de dependência, é reconhecido que a grande parte das pessoas com vício do jogo a dinheiro não procura ajuda especializada por motivos de negação do problema, vergonha ou necessidade de resolver o problema sozinhos. No entanto, é necessário compreender que, para o alcance da abstinência prolongada ao jogo, tratamento formal é imperativo.
Neste sentido, a investigação tem apontado para a eficácia de intervenções cognitivo-comportamentais no tratamento da dependência. Estas abordagens, que podem ser aplicadas individualmente ou em formato de grupo, procuram desafiar os processos mentais e crenças associadas ao jogo e permitem desenvolver competências e estratégias para cessar o comportamento problemático, como a escrita de diários de eventos significativos, o registo dos pensamentos, crenças e sentimentos associados ao jogo que possam ser problemáticos, a adoção de comportamentos de substituição que sejam adequados (por exemplo, substituir o jogo online com atividades ao ar livre) e a aprendizagem de técnicas de gestão adequada de finanças. Estes e outros métodos procuram assim, não só cessar os comportamentos de dependência, como prevenir o relapso.
Apesar da importância da intervenção psicológica no tratamento da dependência, é ainda importante que sejam desenvolvidas políticas que promovam o jogo responsável e que melhorem o acesso ao tratamento. Adicionalmente, e uma vez que a população estudantil é bastante afetada por este tipo de vício, o desenvolvimento de programas nas escolas pode ser fulcral na prevenção da dependência.
Se sente que depende do jogo, não hesite em procurar ajuda. Não está sozinho(a).
Um artigo dos psicólogos clínicos Mariana Moniz e Mauro Paulino, da MIND | Instituto de Psicologia Clínica e Forense.
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