Por endometriose entende-se a doença inflamatória crónica em que o tecido do endométrio que reveste internamente o útero (o qual existe no sistema reprodutor feminino e se transforma ao longo do ciclo menstrual para preparar o útero para que este órgão esteja recetivo ao embrião, caso a fecundação aconteça) passa a crescer no seu exterior (provocando uma resposta local inflamatória).
Segundo a Organização Mundial de Saúde, cerca de 10% das mulheres em idade reprodutiva são diagnosticadas com esta doença, o que corresponde a uma estimativa de 190 milhões de mulheres. No que diz respeito a Portugal, a Sociedade Portuguesa de Ginecologia publicou um inquérito, no ano de 2022, em que se estimou que 1 em cada 10 mulheres em idade fértil tinha o diagnóstico de endometriose, apontando para cerca de 350 mil mulheres.
Nesta investigação nacional, 40% das mulheres demorou mais de dez anos, desde os primeiros sintomas, a obter o diagnóstico da doença, não raras vezes, após tentativas de gravidez sem sucesso – existe um risco de 50% do diagnóstico de endometriose ser acompanhado por problemas de fertilidade ou, em casos-limite, pelo diagnóstico de infertilidade (incapacidade de conceber após dois anos de tentativas, tendo uma vida sexual normal e com boa função reprodutora do parceiro).
E, neste sentido, surge a questão: quais as consequências desta doença para a saúde física e mental?
Na esfera da saúde física, os sintomas envolvem um mal-estar e sensação de cansaço constantes, alterações intestinais e, principalmente, um predomínio da dor, nomeadamente a dor menstrual (dismenorreia), dor na relação sexual (dispareunia), dor ao evacuar (disquezia) e dor ao urinar (disúria). Estes sintomas variam consoante o grau de endometriose e os órgãos afetados (útero, intestinos, bexiga), tendo, inevitavelmente, impacto no bem-estar da pessoa.
Assim, no que diz respeito à saúde mental, destaca-se um risco elevado de sintomas de ansiedade (a título de exemplo, causados pelo medo do tratamento, do futuro e infertilidade e/ou associados à gestão da dor crónica) e de depressão (por exemplo, sentimento de zanga, injustiça e impotência; alterações frequentes de humor), particularmente pelo impacto da doença na autoestima das mulheres (alterações no peso, imagem corporal negativa), na identidade (pela importância da maternidade para as mulheres, o que pode facilitar sentimentos de falha e inferioridade) e nas relações interpessoais (a dor, menor frequência e/ou satisfação nas relações sexuais, associado ao risco de não cumprir com o projeto, partilhado pelo casal, de ter filhos).
Inclusive, numa investigação de 2023, publicada na International Journal of Women’s Health, foi identificada uma relação entre diagnóstico de endometriose e risco de ideação suicida, assim como de perturbações psiquiátricas.
Naturalmente que, caminhando de mãos dadas, a saúde mental influencia a saúde física, existindo uma só saúde. A título de exemplo, a ansiedade aumenta a tensão muscular e as dores da patologia.
O estigma social que atravessa esta patologia facilita o recurso ao isolamento social pelas mulheres que sofrem. Saiba que a ausência de apoio emocional é um fator de risco para depressão.
As frases feitas como “dores menstruais todas temos”, “isso são modernices, a minha avó aguentava as dores sem se queixar” facilitam, em parte, o diagnóstico tardio que tende a predominar na endometriose e, por sua vez, limita a adesão ao tratamento e a procura de ajuda psicológica.
Aproveite-se esta oportunidade para destacar um importante evento que, em parte, veio desconstruir o mencionado estigma: a instituição do dia 01 de março como o Dia Nacional da Luta contra a Endometriose e consequente recomendação ao Governo para a classificação da endometriose como doença crónica e respetiva inclusão na lista de doenças graves, permitindo o alargamento da idade para recurso à Procriação Medicamente Assistida.
Na verdade, esta doença afeta todas as áreas da vida das mulheres – desde a esfera das relações (isolamento social, disfunção sexual, infertilidade, separação), à carreira/domínio laboral (pelas ausências justificadas pela dor, mas alvo de estigma), até à liberdade financeira (o tratamento multidisciplinar da endometriose envolve cuidados com a saúde física, mental e nutricional).
A sua dor é válida, não está sozinha. Recorra a ajuda psicológica.
As explicações são de Sofia Gabriel e de Mauro Paulino da MIND | Instituto de Psicologia Clínica e Forense.
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