I – Introdução

Portugal está longe do tempo em que os penalistas se dedicavam ao que se chama bagatelas penais – crimes considerados de pouca significância e por isso, passíveis de se afastar da caracterização de crime.

Tudo indica que de futuro teremos estes e os outros.

O tema que se propõe é delicado – crimes contra a honra.

É cada vez mais frequente o uso dos meios de comunicação social, nomeadamente as redes sociais para se efetuarem desabafos, queixas e reclamações mais ou menos inocentes e/ou inconscientes ao abrigo do direito de liberdade de expressão. O aumento exponencial destas práticas leva a que cada vez mais se fale do direito do ofendido.

Na presente abordagem dá-se relevância as palavras: honra, dignidade, credibilidade, prestígio, confiança, entre outras, num Estado de Direito Democrático.

Apesar do movimento de descriminalização dos crimes de ofensas à honra ser uma realidade na Europa, o legislador mantém a tutela penal.

A tutela penal é reveladora de que o legislador não considera a proteção jus-civilista suficientemente reparadora para as consequências nefastas de determinados comportamentos em sociedade.

No âmbito dos crimes contra a honra, os litígios judiciais tendem a diminuir pelas mais diversas razões, nomeadamente pela morosidade e pelo custo do sistema judicial, sem prejuízo de se reconhecer que cada vez mais os Estado-Membros procuram compatibilizar as leis internas com a jurisprudência do TEDH.

Neste contexto, procura-se relembrar os três crimes contra a honra, evidenciar algumas particularidades que permitam diferenciar cada um deles e ainda, dar a conhecer da impossibilidade de o crime de ofensa a pessoa coletiva incluir a honra de trabalhadores dessa mesma pessoa coletiva.

Sinaliza-se a questão que não encontra unanimidade na jurisprudência – a admissibilidade do crime de ofensa a pessoa coletiva além da forma verbal.

Dá-se a conhecer – o recente acórdão do STJ de 11/12/2023, proc n.º 14/2023, que fixou jurisprudência tendo subjacente a oposição entre dois acórdãos do TR Coimbra (um datado de 20/02/2019 e outro de 28/09/2022).

Considera-se este acórdão muito completo quanto a questão essencial de se saber se o crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva pode ser cometido através de escrito. (Pode-se acrescentar outras formas de expressão).

A questão jurídica aqui colocada não é fácil e a prova é que, o acórdão que fixa jurisprudência tem declaração de voto vencido1.

Como forma de contextualizar o acórdão do STJ é conveniente realçar cada um dos crimes.

II – Os crimes contra a honra

  • Pessoas singulares e coletivas: crime de difamação, de injúria e de ofensa a pessoa coletiva

O Código Penal regula os crimes contra a honra: o crime de difamação, de injúria e ainda o crime de ofensa a pessoas coletiva2,3.

Os dois primeiros ilícitos reportam a pessoas singulares e o terceiro ilícito reporta a pessoa coletiva4.

O legislador autonomizou o tipo incriminador e em consequência reservou para as pessoas coletivas o art. 187.º e para as pessoas singulares o art. 180.º e 181.º: para o primeiro ficou reservada, a proteção do crédito, da confiança, da credibilidade, e o bom nome; para os outros dois crimes reservou-se a proteção da honra e da consideração.

  • Conceito de honra

Para os crimes de difamação e de injúria, o sistema penal português acolhe o conceito de honra em sentido amplo fazendo-o corresponder à dignidade. A honra que nas palavras de Leal – Henriques e Simas Santos, constitui «a essência da personalidade humana» afirmado que, «o património de bom nome, de crédito, de confiança que cada um pode ter adquirido ao longo da sua vida, sendo como que o aspeto exterior da honra, já que provêm do juízo em que somos tidos pelos outros»5.

A doutrina dominante adapta uma conceção dual da honra enquanto bem jurídico que inclui o valor pessoal ou interior de cada individuo – a reputação ou consideração exterior.

  • Concretização do tipo de ilícito

Pratica o crime de difamação aquele que dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo6.

Quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivos da sua honra ou consideração pratica o crime de injúria.

Como se pode observar, no crime de difamação, o ataque à pessoa ofendida é através de terceiros (a ofensa não é perante o próprio) enquanto no crime de injúrias, o ataque é direto à pessoa do ofendido.

A pena aplicável no crime de difamação é mais gravosa do que no crime de injúria. No primeiro pode chegar aos 6 meses de pena de prisão ou pena de multa até 240 dias e no segundo pode chegar até 3 meses de pena de prisão ou de multa até 120 dias, sem prejuízo das situações agravadas7.

A pena mais gravosa é justificada, já que, no primeiro caso, o ofendido está ausente e por isso impedido de se defender.

No que respeita ao crime de ofensa a pessoa coletiva, diz-se que pratica o crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva quem, sem ter fundamento para, em boa-fé, os reputar verdadeiros, afirmar ou propalar factos inverídicos, capazes de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança que sejam devidos a organismo ou serviço que exerçam autoridade pública, pessoa coletiva, instituição ou corporação, é punido com pena de prisão até seis meses ou com pena de multa até 240 dias8.

Como é fácil de perceber, existem vários elementos (tipo objetivo do ilícito) que diferenciam este crime dos crimes de difamação e injúria.

No crime de ofensa a pessoa coletiva: i. A pessoa ofendida é pessoa coletiva enquanto na injúria e na difamação, o ofendido é pessoa singular; ii. O que se incrimina é a “afirmação” ou a “propalação” de “factos inverídicos, capazes de ofender” enquanto na difamação incrimina-se, “mesmo sob a forma de suspeita”, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivo. Não há lugar a incriminação de juízos de valor (juízos opinativos). Os factos têm de ser idóneos, capazes de ofender a credibilidade, a confiança e o prestígio da pessoa coletiva e serem inverídicos; iii. O bem jurídico protegido é mais do que a honra inerente à dignidade da pessoa é a credibilidade, a confiança; iv. Os factos/afirmações têm de ser inverídicos – o conhecimento da inveracidade dos factos agrava o crime9; v.

O crime de ofensa a pessoa coletiva não admite outras formas de comportamento que não seja a forma verbal? (Sobre a admissibilidade ou não da forma escrita no crime de ofensa a pessoa coletiva aborda-se mais adiante por ser o tema do Acórdão uniformizador de jurisprudência).

Como elementos comuns nos três tipos de crimes, retém-se os seguintes: i. Crimes semipúblicos; ii. Crimes de dolo genérico – basta-se pelo agente representar o facto ilícito e a vontade de o realizar; iii. Crimes de perigo abstrato – a incriminação não necessita de verificação do dano.

Assim, a pessoa coletiva que pretenda exercer o seu direito por considerar que foi ofendida, por exemplo na sua credibilidade, deve começar por indagar se está perante afirmações ou propalações de “juízos” sendo estas últimas formulações discutíveis ao contrário das “afirmações” que exigem contextualização em modo, tempo e lugar. As formulações de juízos opinativos não geram responsabilidade criminal mesmo que a conduta seja censurável e que esses juízos possam afetar o prestígio da instituição ou serviço.

Em 2013, o Tribunal da Relação do Porto considerou que um e-mail com expressões ofensivas, como “ladrões, incompetentes” enviado ao Serviços de Finanças onde eram pedidas informações sobre benefícios fiscais ao mesmo tempo que ameaçava expor a situação em meio de comunicação social consubstanciava difamação para com as pessoas concretas que tiveram intervenção nos processos do arguido naquele serviço, afastando-se o crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva. O tribunal considerou a expressão “abaixo estes ladrões” apta a ofender a honra e consideração de uma pessoa singular, mas não o crédito, o prestígio ou a confiança de uma pessoa coletiva. A expressão formula juízos que recaem sobre pessoas concretas e não sobre esses serviços como organismo institucional10.

Tratando-se de uma afirmação é necessário apurar a sua veracidade. Se um trabalhador afirmar que, o empregador não honra os seus compromissos porque não paga o trabalho extraordinário, e provando-se ser verdadeira a afirmação – não há crime de ofensa a pessoa.

Adverte-se para a importância do juízo qualitativo do comportamento do agente para subsunção no tipo incriminatório, na medida em que, nem todo o comportamento / expressões utilizadas são lesivas à consideração, a reputação de quem se considera ofendido. Os crimes contra a honra não abrangem qualquer situação que possa criar incomodo (a suscetibilidade pessoal é variável).

A jurisprudência tem entendido que o crime contra a honra exige que seja atingido «o núcleo dos valores essenciais da personalidade humana.»11

Alerta-se para o cuidado de não confundir a pessoa coletiva com quem a representa ou nela exerce atividade.

Assim é, que o Código Penal consagra o crime de difamação e de injúria e o crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva.

  • Direito do ofendido. Colisão de direitos

O direito do ofendido12 conforme está consagrado pode conflituar com outros direitos igualmente consagrados na Constituição, como por exemplo, o direito à informação e o direito de liberdade de expressão13.

Partindo da regra de que não há direitos absolutos, é admissível que em algumas situações de conflito alguns direitos possam ceder perante outros.

A cedência de um direito perante outro deve ser tida com conta e medida, e por isso, nenhum dos direitos em colisão deve ser anulado, sem mais, nomeadamente o direito do ofendido, em prol da divulgação pública de factos que por terem alguma dimensão social criarem a ideia de vinculação a outros direitos.

Em situação de conflito, a solução é recorrer ao instituto – colisão de direitos.

  1. Técnica legislativa. A norma de equiparação

A questão que aqui se suscita é sobretudo a questão da necessidade ou não da equiparação entre os comportamentos escritos, gestos, imagens ou qualquer outro meio de expressão aos comportamentos verbais, no caso do crime de ofensa à pessoa coletiva, na medida em que o princípio da equiparação permite que os crimes de difamação e injúria sejam na forma escrita, gestos, imagens ou qualquer outro meio de expressão.

Adiante-se que se defende a posição segundo a qual, o crime de ofensa a pessoa coletiva não carece de norma de equiparação quando a conduta tenha sido na forma escrita ou outras. Veja-se.

A lei determinou que o crime de difamação e o crime de injúrias verbais são equiparadas as feitas por escrito, gestos, imagens ou qualquer outro meio de expressão14.

Esta determinação legislativa não teve paralelo no crime de ofensas à pessoa coletiva.

Essa falta de remissão pode ter uma única leitura – a de que, não existindo remissão a consequência é a não admissibilidade da forma escrita para os crimes de ofensa a pessoa coletiva? Colocada a questão de outro modo: – O n.º 2 do art. 187.º não inclui o art. 182.º então, o crime de ofensa a pessoa coletiva não admite outras formas que não seja a forma verbal? O art. 187.º necessita da norma de equiparação? Salvo melhor opinião, considera-se que não há a necessidade de se equacionar a remissão face ao teor do próprio normativo.

Aqui chegados, analisa-se o acórdão que fixou jurisprudência que esmera na sua fundamentação.

  1. Fixação de Jurisprudência

O STJ no final do ano de 2023, fixou jurisprudência no sentido de que o crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva pode ser cometido através de escrito.

  • Acórdãos em oposição

O STJ decidiu a oposição de julgados de dois acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra: o Ac. TR Coimbra de 20/02/2019, proc n.º 316/17.7T9SEI.C1 (acórdão fundamento) e o de 29/09/2022 (acórdão recorrido).

O acórdão fundamento considerou e decidiu, em síntese, que: “Afirmar ou propalar” factos inverídicos pressupõe que a ofensa seja feita verbalmente, tanto mais que, o n.º 2 do artigo 187.º do CP não remete para o disposto no artigo 182.º do CP, o que significa que o legislador não quis que esta última referida norma fosse também correspondentemente aqui (artigo 187.º do CP) aplicável. Mesmo em relação aos crimes previstos nos artigos 180.º e 181.º do CP, caso não existisse a equiparação consagrada no artigo 182.º do CP, a difamação ou injúria feitas, por exemplo, por escrito também não eram punidas.” Concluindo que os factos não constituem crime.

Acrescentou o citado acórdão que, outra interpretação «violaria o princípio da legalidade»15.

O acórdão recorrido considerou e decidiu: deve partir-se da interpretação da norma típica, para concluir se é necessária a dita equiparação entre o afirmar ou propalar factos (inverídicos, ofensivos da credibilidade, do prestígio ou confiança devidas a organismo ou serviço que exerça autoridade pública, instituição ou corporação, e sem fundamento para em boa-fé os reputar verdadeiros), por via verbal, à mesma afirmação ou propalação por outros meios (no caso, por escrito).

Uma equiparação formal como aquela a cuja inexistência o recorrente se arrima é simplesmente desnecessária: o próprio tipo base já contempla a atuação mediante escrito.

Acrescenta ainda que: «afirmar ou propalar são ações que, por sua natureza, podem lograr o resultado a que tendem não apenas oralmente como também por outros meios a tanto aptos (postular ou difundir um facto), e até em particular e para o que aqui nos importa através de escrito (especialmente idóneo)16.

Aqui chegados, retoma-se a decisão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) dando-se particular relevância as principais razões que fundamentam a fixação de jurisprudência – no sentido de o crime de ofensa a pessoa coletiva poder ser praticado na forma escrita. O que, salvo melhor opinião, defende-se os mesmos argumentos para os gestos, imagens ou qualquer outro meio de expressão.

O Supremo considera que a ausência de remissão do artigo 187.º, n.º 2, para o artigo 182.º, é irrelevante para a determinação da conduta típica de ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva praticada por escrito.

Defende que, «Metodologicamente, a interpretação da norma incriminadora contida no artigo 187.º deve partir da sua letra, resultando do elemento literal da interpretação, corroborado pelos demais elementos da interpretação apreciados, que a afirmação e a propalação de factos prevista no artigo 187.º, n.º 1, abrangem no seu significado comum a utilização de palavras, ou seja, a linguagem verbal no seu sentido mais amplo, que abarca tanto a expressão por meio de palavras ditas como escritas, independentemente do que possa entender-se, igualmente por via de interpretação do artigo 187.º, quanto à tipicidade da utilização de gestos imagens ou qualquer outro meio de expressão.»

Posição que se segue de perto.

  • Declaração de voto vencido

Já ficou claro que a admissibilidade da prática do crime de ofensa a pessoa coletiva além da forma verbal não é consensual. A falta de unanimidade vem reforçada com o voto vencido que faz parte do Acórdão de fixação de jurisprudência.

No voto vencido defende-se que, o crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva do Código Penal (e, portanto, ressalvada a situação prevista na alínea a) do seu nº 2), não pode ser cometido através de escrito. Considera-se que «foi intenção do legislador não punir o crime, quando cometido através de escrito, na sua forma simples (portanto na previsão apenas do art. 187.º, n.º 1, do CP), atento o princípio da intervenção mínima, aliado ao caráter fragmentário do direito penal e, considerando igualmente a própria qualidade do sujeito passivo, tendo presente que neste caso tem de haver uma maior tolerância perante a crítica (…)».

Como fundamentação da decisão, destaca-se entre outros argumentos:

– O princípio da legalidade, que proíbe interpretações que alarguem o âmbito de punibilidade;

– Interpretação do tipo legal não se pode esquecer o princípio da dignidade penal e que a intervenção penal ocorre como ultima ratio, não podendo o juiz substituir o legislador, alargando as margens da incriminação, aplicando a norma penal para além do que é consentido pelo texto legal;

– Argumenta-se que, «Tal como o tipo está construído, diremos que “afirmar ou propalar” (factos inverídicos) pressupõe que a ofensa ao sujeito passivo seja feita de forma oral ou verbal (n.º 1), tanto mais que, o n.º 2 do art. 187.º do CP não remete para o disposto no art. 182.º do CP (na qual se estabelece que “À difamação e à injúria verbais são equiparadas as feitas por escrito, gestos, imagens ou qualquer outro meio de expressão”), o que significa que o legislador não quis que esta última referida norma fosse também correspondentemente aplicável à incriminação ora em análise (art. 187.º do CP)».

Apesar de bem fundamenta a posição tomada na Declaração de voto vencido, não se partilha do entendimento – interpretação restritiva desta incriminação legal.

Conclusão:

O Código Penal prevê no âmbito dos crimes contra a honra três incriminações: duas para pessoas singulares e uma para pessoas coletivas, sem prejuízo da forma agravada.

O legislador autonomizou o tipo incriminador e em consequência, o crime de ofensa a pessoa coletiva protege o crédito, da confiança, da credibilidade, e o bom nome enquanto o crime de difamação e injúria visa proteger a honra e a consideração.

No crime de ofensa a pessoa coletiva, o sujeito ativo do crime é qualquer pessoa e o sujeito passivo é a pessoa coletiva enquanto no crime de difamação e injúria o sujeito passivo é pessoa singular.

O crime de ofensa a pessoa coletiva protege a entidade coletiva e quanto as pessoas que a representam ou nela trabalham, caso sejam afetadas na sua honra são protegidas pelos crimes de difamação e injúria, eventualmente agravados, se for o caso.

O direito do ofendido pode conflituar com o direito de expressão. A atuação de qualquer pessoa coletiva (pública e privada) está sujeita ao escrutínio de qualquer cidadão – o direito à crítica de forma voluntária e livre (não coagida).

Neste sentido, pode dizer-se que a crítica mesmo que suscetível de censura pode não permite a incriminação.

No caso de conflitos de direitos é necessário a cedência de um deles ponderando-se os interesses em causa ao abrigo do princípio da proporcionalidade, da necessidade e da adequação, ou seja, procura-se a otimização dos interesses em conflito.

Se analisarmos um conjunto de ação judiciais de ofensa a pessoa coletiva repara-se que na maioria, o agente do crime pratica a ação na forma escrita e por isso reportamos a grande relevância da decisão do acórdão do STJ.

Face ao Código Penal, não existe, para o STJ, fundamento para no crime de ofensa a pessoa coletiva excluir do tipo outras formas de condutas que não seja a forma verbal. Em especial, quando a interpretação da norma em resultado do elemento literal conjugado com os demais elementos de interpretação, que a afirmação e a propalação de factos prevista no artigo 187.º, n.º 1, abrangem no seu significado comum a utilização de palavras, ou seja, a linguagem verbal no seu sentido mais amplo, que abarca tanto a expressão por meio de palavras ditas como escritas, independentemente do que possa entender-se, igualmente por via de interpretação do artigo 187.º, quanto à tipicidade da utilização de gestos imagens ou qualquer outro meio de expressão.

Concluindo, o STJ fixou jurisprudência no sentido de que, o crime de ofensa a pessoa coletiva pode ser cometido através de escrito, ou seja, admite outras formas de cometimento além da forma verbal, o que diminui em muito o insucesso dos litígios judiciais quando se sabe que, a maioria das ofensas a pessoa coletiva é concretizada na forma escrita e outros meios de expressão.

Quanto à Declaração de voto vencido em oposição ao sentido do acórdão dá-nos outra perspetiva importante sobre a questão, ainda que, se entenda existir um argumento de peso a considerar em sentido contrário: a caracterização do crime de ofensa a pessoa coletiva reduzida a forma verbal seria esvaziar, a razão de ser e utilidade deste normativo, já que, a grande maioria das ofensas a pessoa pública ocorrerem através de meios de expressão não-verbais, nomeadamente pela forma escrita.

A vida é dinâmica e a interpretação e aplicação do direito tem de se adaptar e atualizar, sem que se desconfigure ou adultere as normas jurídicas em vigor com especial cautela as particularidades do nosso Direito Penal.

  1. Declaração de voto vencido, – Juíza Conselheira, Maria do Carmo Silva Dias – do STJ de 11/12/2023, proc n.º 14/2023.
  2. O termo pessoa coletiva é utilizado em sentido amplo, incluído qualquer organismo ou serviço que exerçam a autoridade pública, instituição ou corporação.
  3. Código Penal – Parte especial – art. 180.º, 181.º e 187.º.
  4. A proteção das pessoas coletivas surge com a revisão da CP de 1995. Sobre a questão de a pessoa coletiva poder ser sujeito passivo de crime de difamação e injúria é importante estabelecer duas posições diferentes tendo como marco a revisão do Código Penal de 95 e 97. Antes de 95, aceitava-se que as pessoas coletivas podiam ser sujeitos passivos do crime de difamação e injúria, mas com a Revisão, as pessoas coletivas deixaram de ser sujeitos passivos daqueles crimes. art. 187.º do CP.
  5. Leal – Henriques e Simas Santos [inO Código Penal de 1982”, Vol. II, 1986, pág. 196.
  6. 181.º n.º 1 do CP.
  7. 180.º , 181.º e 184.º.
  8. 187.º do CP.
  9. Nos termos da al. a) do n.º 2 do art. 187.º e al. a) do n.º1 do art. 183.º;
  10. TR Porto, de 11/09/2013, proc n.º 4581/10.2TAVNG.P1.
  11. TR Porto de 26/11/2003.
  12. 26.º da CRP
  13. ANDRADE, MANUEL DA COSTA, Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal, Uma Perspetiva Jurídico-Criminal, Coimbra, Coimbra Editora, 1996.
  14. 182.º do CP.
  15. Neste sentido destacam-se vários acórdãos: Ac. TR Lisboa de 08/09/2010, proc n.º 4962/08.1TDLSB.L1-3; Ac. TR Porto de 23/05/2012 proc. n.º 1429/09.4 PIPRT.P1 e ainda, do mesmo Tribunal, o de 03/04/2013, proc n.º 1354/12.1 TAMTS.P1.
  16. Neste sentido, recorda-se três acórdãos do Tribunal da Relação do Porto no mesmo ano: datado de 11/09/2013, proc n.º 4581/10.2TAVNG.P1, datado de 02/10/2013, proc n.º 4213/12.4 TDPRT.P1 e o datado de 20/11/2013, proc n.º 5803/11.8TDPRT.P1. Do mesmo tribunal, dois proferidos no ano de 2017: datado de 08/03/2017, proc n.º 454/14.8 TABRG.P2 e o de 17/05/2017, proc n.º 95/15.2PEPDL.L1; e ainda, o de 18/03/2020, proc n.º 2270/17.6 T9VFR.P1. Da Relação de Lisboa destacam-se dois mais recentes: datado de 15/12/2022 proc. n.º 2063/18.3T9ALM.L1.9 e o de 11/05/2023 proc n.º 3958/20.0T9SXL.L1-9.