Em entrevista à agência Lusa na véspera do Congresso dos Enfermeiros, que decorre entre quinta-feira e sábado em Braga, sob o lema “Todos pela saúde”, Ana Rita Cavaco sublinhou que Portugal não tem um problema de formação, mas sim de contratação.
“Nós formamos aquilo que precisamos, mas depois não temos valorização suficiente e não estamos a falar só de dinheiro para os reter aqui em Portugal”, disse, apontando questões como o internato, a reposição dos pontos, a idade da reforma.
A bastonária observou que, na valorização formativa e profissional, Portugal não consegue concorrer com outros países, que estão a levar os enfermeiros portugueses.
“Os outros países pagam a especialidade aos enfermeiros e em Portugal ainda não conseguimos, apesar de insistirmos há quatro anos negociar o internato da especialidade, tal como têm os médicos e os farmacêuticos”, criticou.
Na sua ótica, esta situação “não faz sentido nenhum” numa profissão em que se sabe que os cuidados especializados reduzem a taxa de infeções, de reinternamentos, o número de dias de internamento, permitindo poupar cerca de 65 milhões por ano.
“Portanto, os enfermeiros não são nenhum custo, são o investimento”, vincou.
Por outro lado, disse, valorizar os enfermeiros é também valorizar os cuidados prestados às pessoas e organizá-los de forma diferente.
“Nós não temos uma grande aposta, e precisamos de ter, na promoção, na prevenção e até ao nível do tratamento [das doenças]”, disse, defendendo que, para isso, deve retirar-se “rapidamente o foco de tudo estar centrado nos hospitais” e passar a centrar-se nos cuidados de saúde primários.
Esta situação acaba por enviesar o próprio modelo de financiamento: “Quanto mais as pessoas recorrem ao hospital por não terem outro sítio onde recorrer, mais financiamento os hospitais absorvem”.
“Isto é uma bola de neve, uma pescadinha de rabo na boca e nós precisamos de centrar os cuidados na comunidade”, disse, lembrando, a propósito, que Portugal é um dos países do mundo com a população mais envelhecida.
Para a bastonária, é preciso que as pessoas mais vulneráveis e as que estão a caminhar para o envelhecimento possam ser cuidadas na comunidade e ter “um sem número de serviços que as apoiem em casa, antes de institucionalizá-las”.
“A Rede Nacional de Cuidados Continuados é muito fraca ainda e, portanto, precisamos mesmo ter um modelo de organização e financiamento diferente como já outros países europeus estão a caminhar para lá”, sustentou.
Referiu que há pessoas que não têm uma doença aguda para estarem internadas, mas podem precisar de cuidados de enfermagem 24 horas por dia e, sublinhou, “seguramente não são os lares, ou pelo menos os lares com a tipologia que conhecemos hoje, que vão dar resposta a estas pessoas, porque têm uma limitação do número de horas de enfermagem muito grande e um número de enfermeiros por residente que não serve as necessidades como, aliás, ficou agora à vista na pandemia”.
“Não é só dar de comer à pessoa, dar-lhe banho, vesti-la. As pessoas têm outros tipos de necessidades de saúde, consoante o envelhecimento e as suas doenças crónicas”, salientou.
Segundo Ana Rita Cavaco, a OE tem denunciado ao Ministério Público situações “muito graves” que tem detetado em lares.
“Temos um sem número de queixas que enviamos para lá e entendemos até que a forma como o Ministério Público olha para estas denúncias e esta situação tem que ser pensada. A própria Assembleia da República tem que pensar se poderá fazer alguma alteração à legislação existente por causa deste tipo de crimes, que nós consideramos que são crimes e que se calhar não estão enquadrados como crime”, advogou.
Comentários