“Nos casos de medicamentos com valor terapêutico acrescentado, particularmente em áreas em que existem necessidades terapêuticas não satisfeitas, é eticamente exigível garantir o rápido acesso da população ao medicamento, através de mecanismos similares aos adotados para as vacinas contra a covid-19”, indica o organismo presidido por Maria do Céu Patrão Neves.

Esta é uma das recomendações que constam do relatório hoje divulgado sobre as tecnologias impulsionadas pela pandemia, aprovado na reunião plenária do CNECV, e que foi enviado à Assembleia da República como contributo para futuras políticas públicas nesta área.

De acordo com o documento, que contou com a audição de especialistas de várias áreas, no âmbito da covid-19, a redução acentuada do período habitualmente necessário para a disponibilização de novas vacinas e outros medicamentos “constitui um marco assinalável, que prefigura um novo paradigma neste domínio”.

“Ficou igualmente demonstrado que, também no plano regulamentar, é possível encurtar o tempo de aprovação dos medicamentos”, através da avaliação intercalar e parcelar dos dados científicos conforme ficam disponíveis, o que permite “antecipar significativamente o acesso dos doentes aos medicamentos, sem comprometer o rigor da avaliação científica”, sublinha o CNECV.

Em regra, o desenvolvimento de uma vacina implica um prazo de mais de 10 anos, mas no caso da covid-19, a urgência da vacinação “acarretou uma alteração significativa do paradigma”, com a realização dos ensaios clínicos e a obtenção das autorizações de introdução no mercado em menos de um ano, salienta o conselho.

Ainda em relação às vacinas, o CNECV recomenda que, com estes novos mecanismos, “não se criem riscos acrescidos para os participantes em ensaios clínicos, nem se afetem os mais elevados níveis de qualidade, segurança e efetividade atualmente exigidos".

Além disso, deve ser estabelecido por norma legal internacional e ou acordo firmado com os fabricantes de vacinas e outros medicamentos, a obrigação de divulgação, em tempo real e de forma transparente, dos resultados de farmacovigilância, em “prol da proteção da saúde pública e da confiança do cidadão na ciência”.

Já no plano do desenvolvimento científico e tecnológico, o CNECV defende o reforço do financiamento público da investigação científica, garantindo que os “benefícios decorrentes sejam igualmente de interesse público, na promoção da mais ampla equidade”.

No caso da investigação privada, as políticas públicas devem reconhecer a “importância do respeito pelas patentes para o progresso científico-tecnológico, assim como a obrigação de a indústria farmacêutica produzir os bens necessários em quantidade suficiente, a custos amplamente acessíveis, e contribuir igualmente para a solidariedade global”, salienta o documento.

“Em momentos em que a ciência pode tender a desenrolar-se em tempo real e em direto, se invista continuadamente na literacia científica da população e na comunicação de ciência, exigindo-se ao governo e entidades reguladoras que comuniquem de modo claro, objetivo e coerente”, recomenda ainda o CNECV.

Na área da saúde digital, o relatório preconiza que as autoridades sanitárias devem desenvolver estratégias adequadas, no plano nacional e internacionalmente articuladas, de prevenção e deteção precoce de novos agentes infecciosos com risco para a saúde pública.

Além disso, deve ser atendida a “reconfiguração da relação entre profissional de saúde e utente” por via da intermediação das novas tecnologias de informação, no sentido de preservar o equilíbrio entre o exercício da autonomia do utente e o princípio da beneficência identitário das profissões de saúde, na “promoção de uma relação de confiança em que as decisões partilhadas se fundamentam”.

Quanto à gestão de dados, o relatório do CNECV recomenda que as tecnologias destinadas à vigilância individual sejam “desenhadas envolvendo as populações a que se destinam e posteriormente integradas num ecossistema de intervenção em saúde pública”.

A sua regulamentação deve explicitar, de modo inequívoco, os dados a recolher e a sua finalidade, a descrição dos procedimentos relativos à colheita, armazenamento e duração, bem como as “medidas de segurança, retenção e destruição, que obstem ao aproveitamento comercial dos dados para fins além dos explicitados, e que se prevejam cláusulas de caducidade, garantindo a privacidade, a transparência dos procedimentos e a responsabilização por qualquer violação ao estipulado”, alerta ainda o documento.

O conselho nacional destaca também a probabilidade de surgimento de outras emergências em saúde pública, “importando aprender com as experiências da atual pandemia, para preparação nacional para outras crises sanitárias e, simultaneamente, o imperativo da assunção de um dever de proteção”.

O relatório considera que o “esforço notável" feito pela comunidade médico-científica para obter resultados úteis quase em tempo real fez com que a “ciência se discutisse quase em direto”, e não após um processo de revisão e validação por pares, cujos prazos foram reduzidos, devido à emergência médica provocada pela pandemia.

“O risco de debater publicamente resultados ainda preliminares, ou, mais raramente, fazer intervir no debate público perspetivas contracorrente e sem fundamento científico, pelo exacerbar do princípio da precaução e direito ao contraditório, foi real”, considera o conselho nacional, ao salientar que a “pandemia tem-se afirmado como particularmente diferenciadora, intensificando a fragilidade” de idosos, crianças e mulheres.