A investigação, publicado na revista The Lancet Child & Adolescent Health e que acompanhou 46 crianças, concluiu que apesar da doença grave inicial, a maior parte dos sintomas de inflamação – gastrointestinais, cardíacos e neurológicos - estavam resolvidos após seis meses de alta hospitalar, sugerindo que os danos a longo prazo nos órgãos são raros.
No entanto, do pequeno número de crianças que tiveram esta síndrome inflamatória grave, alguns foram aconselhados a manter acompanhamento contínuo para a “fadiga muscular, efeitos na saúde mental e dificuldade de exercício”.
Todos os pacientes foram tratados num hospital pediátrico especializado - Great Ormond Street Hospital - no Reino Unido e os autores sublinham que estes representam casos mais graves, mas que ainda serão necessários mais estudos para determinar se os resultados se aplicam a todos os pacientes que sofreram esta síndrome.
Além disso, “o estudo não teve um grupo de controlo, o que torna difícil determinar até que ponto algumas conclusões são atribuíveis à experiência de ser admitido numa unidade de cuidados intensivos pediátrica, de ter uma nova condição grave durante uma pandemia ou à síndrome inflamatória multissistémica grave”, referem os investigadores.
Esta síndrome é uma condição rara associada à infeção por SARS-CoV-2 que foi identificada pela primeira vez em abril de 2020.
Mais de 250 casos foram registados no Reino Unido e na Irlanda entre março e junho de 2020.
Não se sabe o que desencadeia a doença, mas acredita-se que seja uma rara reação imunológica exagerada que ocorre aproximadamente quatro a seis semanas após a infeção por SARS-CoV-2 leve ou assintomática.
Os sintomas incluem febre, erupção cutânea, infeção ocular e problemas gastrointestinais (diarreia, dor de estômago, náusea). Em casos raros pode levar à falência de vários órgãos.
Como a condição só surgiu em 2020, durante a pandemia de covid-19, esta é a primeira investigação a relatar resultados de acompanhamento de seis meses, “fornecendo uma indicação importante dos efeitos de longo prazo, que são vitais para os médicos, pacientes em recuperação e suas famílias”, dizem os autores.
“Como esta síndrome é uma complicação muito rara da covid-19 em crianças, o nosso estudo incluiu um pequeno número de crianças de um hospital. Estas descobertas podem sinalizar um otimismo cauteloso de que muitos dos efeitos mais graves parecem resolver-se em seis meses. No entanto, a fadiga persistente, a dificuldade em praticar exercício e os efeitos na saúde mental que vimos em algumas crianças, que podem interferir na vida diária, devem ser monitorizados de perto”, refere Justin Penner, co-autor do estudo do Great Ormond Street Hospital.
O investigador sublinha igualmente que “os pacientes devem continuar a receber apoio de equipes médicas com uma variedade de especialidades”.
Todos os pacientes com menos de 18 anos que foram internados num hospital pediátrico especializado com esta síndrome entre 04 de abril e 01 de setembro de 2020 foram incluídos neste estudo. Das 46 crianças abrangidas, a idade média foi de 10 anos, 30 pacientes eram rapazes e 16 raparigas, 37 eram de grupos étnicos minoritários e oito tinham comorbilidades preexistentes.
Os autores do estudo analisaram as fichas clínicas das crianças, incluindo os exames médicos no momento da admissão, seis semanas e seis meses após a alta. Estes exames incluíam testes PCR e testes anticorpos, exames à inflamação dos órgãos, ecocardiogramas, ecografias abdominais, um teste que mede a resistência à caminhada, função muscular e mobilidade dos membros.
No acompanhamento, os pacientes e os seus familiares responderam igualmente a questionários para avaliar o bem-estar físico e emocional da criança, bem como a sua vida social e escolar.
Todas as crianças incluídas no estudo apresentavam inflamação multissistémica quando foram internadas no hospital, mas nenhuma morreu. A maioria teve sintomas graves em diferentes sistemas do corpo durante a doença inicial: 45 crianças tiveram sintomas gastrointestinais, 24 sintomas neurológicos e 15 sintomas cardíacos.
Durante o acompanhamento de seis meses, a maioria dos sintomas foi resolvida, com a inflamação sistémica a desaparecer em todas as crianças, à exceção de uma. Os ecocardiogramas em duas crianças mostravam ao fim de seis meses ainda alguns parâmetros anormais, enquanto seis crianças apresentavam sintomas gastrointestinais.
“Embora tenham sido encontradas pequenas anormalidades no exame neurológico em 18 crianças aos seis meses, os pacientes tiveram pouca dificuldade para andar e realizar tarefas diárias”, refere o estudo.
Os investigadores afirmam que quaisquer efeitos neurológicos duradouros “são provavelmente leves” e “não causam incapacidade”, embora admitam que o teste usado “pode não ser capaz de capturar efeitos mais subtis”. Daí que defendam a necessidade de pesquisas mais detalhadas sobre os efeitos neurológicos de longo prazo.
Todas as crianças, exceto uma, voltaram à escola em tempo integral (virtualmente ou presencial) seis meses após a alta.
A função muscular melhorou significativamente desde a admissão hospitalar, mas num teste de caminhada de seis minutos 18 pacientes estavam abaixo da média para sua idade e sexo após seis meses. No entanto, como o estudo não teve um grupo de controlo, os autores alertam para a importância de interpretar essa conclusão no contexto da pandemia.
“Os níveis de fadiga e fraqueza muscular que encontramos em seis meses de acompanhamento são preocupantes e requerem monitorização de perto, mas é difícil determinar se esse achado é causado diretamente pela síndrome multissistémica ou se é resultado da interrupção na vida das crianças que a pandemia covid-19 provocou a uma escala mais ampla”, afirmou Karyn Moshal, do Great Ormond Street Hospital.
Portanto, insiste, “é crucial que continuemos a monitorizar estas condições à medida que o distanciamento social diminui e as crianças voltam à escola e a rotinas mais ativas”.
As respostas ao questionário revelaram ansiedade e mudanças severas de humor em algumas crianças. Os pais de sete crianças relataram que seus filhos estavam a passar por dificuldades emocionais, enquanto oito crianças relataram eles próprios esses problemas.
“Não havia grupo de controlo no nosso estudo, logo, não podemos determinar se todos estes efeitos na saúde mental foram causados diretamente pela síndrome inflamatória multissistémica grave, mas sabemos que passar por qualquer doença grave provavelmente terá um impacto na saúde mental e a interrupção e a incerteza da pandemia covid-19, de forma mais ampla, também podem desempenhar um papel”, acrescentou a especialista.
Karyn Moshal alertou ainda para a necessidade de estas crianças e as suas famílias terem acesso a apoio contínuo na área da saúde, além da monitorização continua para acompanhamento de quaisquer efeitos físicos de longo prazo.
Os autores observam ainda uma limitação adicional no seu estudo: como as crianças não foram incluídas no estudo exatamente na mesma altura, houve alguma variação nos testes que os médicos realizaram em cada caso.
Finalmente, os autores enfatizam que esta investigação “não descarta outros efeitos de longo prazo” que possam aparecer após seis meses da alta (por exemplo, efeitos gastrointestinais ou doença renal provocada por lesão renal aguda), insistindo na importância do acompanhamento contínuo destes pacientes.
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