Susana Santos, coordenadora de Saúde da DECO PROTESTE afirma que “o acesso a cuidados de saúde é um dos direitos fundamentais dos consumidores, pelo que se torna relevante salientar o impacto da pandemia na deteção de patologias que têm uma enorme incidência em território nacional. Estes rastreios têm demonstrado uma redução de mortalidade de aproximadamente 30% no caso do cancro da mama, 20% no do cancro colorretal e 80% no do colo do útero. Daí ser tão importante sensibilizar os utentes para que haja um regresso tão célere quanto possível às rotinas de rastreio, promovendo o diagnóstico precoce.”

A Liga Portuguesa Contra o Cancro (LPCC) indica que, para além da redução evidente do número de rastreios de cancro da mama, cancro do colo do útero e cancro do colón e reto, a diminuição da capacidade assistencial dos cuidados primários de saúde, face à necessidade de resposta à pandemia causada pela Covid-19 terá também contribuído para um menor número de diagnósticos.

Entre 2020 e 2021 houve menos 18% de mulheres com mamografia efetuada, no máximo, há dois anos; menos 14% de mulheres com citologia cervical atualizada; e menos 3% de utentes inscritos no Serviço Nacional de Saúde com análises de sangue oculto nas fezes. Estes exames são usados, respetivamente, no rastreio de neoplasias malignas da mama, do colo do útero e do cólon e reto. A diminuição traduz-se em deteções mais tardias, que podem tornar os tratamentos mais difíceis e aumentar a mortalidade. Os serviços estão paulatinamente a caminhar para os números pré-pandemia, mas não se pode ficar por aqui, já que é preciso rastrear todo os utentes que ficaram para trás. É urgente que a atuação e resposta do SNS seja célere e o mais ágil possível.

A título de exemplo, neste período, os rastreios de cancro da mama estiveram suspensos durante três a seis meses. Contudo, em 2021, registaram-se mais 14 mil mamografias do que em 2019 – um pequeno sinal de recuperação que está ainda longe do que seria necessário.

Susana Santos explica que “a participação no rastreio está dependente de uma rede de cuidados de saúde primários. A Liga Portuguesa Contra o Cancro já manifestou a urgência de dotar esta resposta de mais recursos que possibilitem recuperar os atrasos provocados pela pandemia.”

O Cancro da mama, do colo do útero e do cólon e reto são os rastreios previstos no Programa Nacional de Doenças Oncológicas. Feito o exame, todos os casos positivos devem ter acesso à consulta hospitalar, aos exames de diagnóstico e ao tratamento adequado. Reúnem estas condições os três rastreios recomendados em Portugal: cancro da mama, do colo do útero e colorretal. Estão indicados para a população geral, a partir de certa idade. Se, fora dos intervalos aconselhados, houver sintomas ou fatores de risco, como casos de doença na família, o médico dará orientações sobre a vigilância a efetuar.

Rastreio do cancro do colo do útero

Está indicado para mulheres entre os 25 e os 60 anos. Não entram no rastreio as que já têm cancro do colo do útero diagnosticado ou aquelas a quem já tenha sido removido este órgão. O exame também não é recomendado para quem apresente sintomas de doenças ginecológicas, enquanto os mesmos durarem.

O rastreio do cancro do colo do útero é feito através de citologia cervical – também conhecida por teste de Papanicolau e teste de HPV-DNA – a cada cinco anos. O teste primário consiste na pesquisa de variantes, os chamados serótipos, do vírus do papiloma humano (VPH ou HPV, na sigla inglesa), associadas a alterações celulares que favorecem o cancro. Se a pesquisa for positiva para os serótipos 16 e 18, a mulher será encaminhada para a consulta especializada (patologia cervical). Se forem detetados outros serótipos, deve ser realizada nova citologia. As utentes com teste negativo, mas que tenham tido um anterior positivo, devem repetir passado um ano. Nos restantes casos, recomenda-se novo exame após cinco anos.

Em 2021, de acordo com o Portal da Transparência do SNS, houve menos 166 398 mulheres com rastreio atualizado do que em 2019, o que significa uma diminuição de 14 por cento. De acordo com o Movimento Mais Saúde, terão ficado por diagnosticar 399 cancros do colo do útero.

Rastreio do cancro do cólon e reto

Destina-se a homens e mulheres entre os 50 e os 74 anos. Estão excluídos do programa de rastreio os utentes a quem foi diagnosticado cancro do cólon e reto, doença inflamatória intestinal ou síndromes hereditárias relacionadas com o cancro do cólon e reto. Também não deverá fazer o exame quem tem queixas gastrointestinais, nomeadamente, alterações significativas do trânsito gastrointestinal nos últimos seis meses, ou hemorragia digestiva. Caso tenha feito uma colonoscopia nos últimos dez anos, ou uma retossigmoidoscopia (semelhante à colonoscopia, mas apenas para a parte final do intestino), nos últimos cinco anos, com resultados normais, também está dispensado do rastreio.

O rastreio é feito através da pesquisa de sangue oculto na fezes, a cada dois anos. Se o resultado for positivo, o utente deve realizar uma colonoscopia − um tubo munido de câmara permite visualizar o intestino e, se necessário, retirar pequenas porções para análise.

A redução dos serviços durante a pandemia teve, obviamente, impacto no rastreio desta neoplasia maligna. No fim de 2020, havia menos 116 276 utentes com rastreio atualizado do cancro colorretal do que em 2019, o que significa uma redução de 7 por cento. Em 2021, o número de rastreios aumentou, mas, ainda assim ficaram 3% aquém de 2019. De acordo com o Movimento Mais Saúde, terão ficado por diagnosticar 2155 cancros colorretais.

Rastreio do cancro da mama

Destina-se a mulheres entre os 50 e os 69 anos. Ficam de fora as que já tenham um diagnóstico de cancro da mama ou tenham feito uma mastectomia (extração da mama por cirurgia), as que tenham feito uma mamografia nos últimos dois anos com resultado normal e as que tenham próteses mamárias. Se houver uma inflamação na zona da mama, a mulher também não deve ser submetida ao exame.

O rastreio é feito através de mamografia realizada a cada dois anos. Os resultados são apresentados de acordo com um protocolo internacional de avaliação de mamografia, o chamado BI-RADS (do inglês Breast Imaging Reporting and Database System Score). Se a mamografia for classificada como BI-RADS 1 e 2, não apresenta qualquer alteração ou as alterações são benignas e apenas terá de fazer novo exame após dois anos. Caso haja algum sinal suspeito (BI-RADS 3), a mulher é encaminhada para uma consulta de aferição dos resultados. Se a mamografia for classificada como BI-RADS 4 e 5, segue-se a consulta especializada (patologia mamária), uma vez que há uma alteração suspeita de ser cancerígena (ou maligna

Os dados do Portal da Transparência do SNS indicam que, em 2021, havia menos 116 276 mulheres com a mamografia em dia, em compração com 2019. Este valor significa uma redução de 18% de mulheres rastreadas para o cancro da mama. Esta diminuição refletiu-se certamente nos diagnósticos do cancro da mama: neste período, terão ficado 1868 por detetar, de acordo com o Movimento Mais Saúde.