A vacinação mundial está "perigosamente" estagnada, de acordo com o relatório anual publicado em julho pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).

Em 2018, 19,4 milhões de crianças com menos de um ano não receberam a vacina básica contra a difteria, tétano e tosse convulsa (DTP) ou a vacina contra o sarampo. "Isso significa que mais de uma em cada dez crianças não recebem todas as vacinas de que precisam", explicou uma autoridade da OMS, Kate O'Brien, ao apresentar o relatório.

Tem cerca de 40 anos? Se não teve sarampo, vacine-se
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Cerca de dois terços dessas crianças não vacinadas vivem em 10 países: Angola, Brasil, Etiópia, Índia, Indonésia, Nigéria, Paquistão, Filipinas, República Democrática do Congo e Vietname.

Globalmente desde 2010, a taxa de cobertura para vacinação contra DTP e sarampo estagnou em 86%. Apesar de ser um número "alto", é "insuficiente", de acordo com a OMS, que aponta que a marca de 95% teria de ser alcançada para proteger contra epidemias.

Para o sarampo, essa taxa cai para 69% se forem tidas em consideração as duas doses recomendadas da vacina.

A OMS estima que a vacinação permite atualmente evitar de 2 a 3 milhões de mortes anuais. No entanto, "1,5 milhão de mortes adicionais poderiam ser evitadas se a cobertura global melhorasse". Na quinta-feira, na abertura do fórum internacional sobre vacinação, em Bruxelas, o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, avisou: as pessoas que recusam a vacinação "estão a brincar com o fogo", uma declaração feita em mais uma tentativa de alertar a União Europeia para o flagelo da não imunização.

As consequências

A consequência mais visível da estagnação do processo de vacinação é o forte aumento do número de casos de sarampo no mundo. Mais de 360.000 casos foram declarados em janeiro, o número "mais alto" desde 2006, segundo a OMS.

Embora muitas vezes benigna, essa doença viral extremamente contagiosa pode ter complicações graves: respiratórias (infecções pulmonares) e neurológicas (encefalite), especialmente em pessoas frágeis.

Antes da chegada das vacinas na década de 1970, estima-se que o sarampo matava entre 7 e 8 milhões de crianças por ano no mundo.  Entre 2000 e 2016, o número de mortes por sarampo diminuiu graças às campanhas de vacinação, de 550.000 para 90.000, segundo a OMS. Mas aumentou para 110.000 em 2017.

Razões da estagnação

Há duas razões principais: desconfiança das vacinas especialmente nos países ricos e problemas de acesso às vacinas nos estados mais pobres.

A França, pátria do pioneiro da vacinação Louis Pasteur, é o país mais desconfiado: um em cada três franceses não acredita que as vacinas sejam seguras, de acordo com um estudo mundial publicado em junho pelo instituto de pesquisa Gallup da ONG médica britânica Wellcome.

Gabão, Togo, Rússia e Suíça seguem França no ranking de desconfiança. Segundo o estudo, essa suspeita é generalizada nos países ricos, especialmente na Europa. Por outro lado, no Bangladesh ou Ruanda, quase toda a população afirma confiar nas vacinas. "Nesses países, existem mais doenças contagiosas e os seus habitantes, sem dúvida, percebem o que acontece quando não se é vacinado", disse à agência de notícias France Presse Imran Khan, principal autor do estudo.

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De onde vem esta desconfiança?

Os movimentos "anti-vacinas" apoiam-se numa publicação de 1998, entretanto retirada pela revista The Lancet, que ligava a vacina tríplice viral (sarampo-rubéola-papeira) ao autismo. No entanto, foi estabelecido que o seu autor, o britânico Andrew Wakefield, falsificou os resultados e vários estudos mostraram desde então que a vacina não aumentava o risco de autismo. Mas essa teoria continua a alastrar graças às redes sociais.

A desconfiança também pode ser motivada por razões religiosas.

O estado de Nova Iorque, que enfrenta o ressurgimento do sarampo em áreas com grande população de judeus ortodoxos, votou em junho pelo fim das isenções religiosas que os pais poderiam invocar para contornar as vacinas obrigatórias nas escolas.

No Afeganistão e no Paquistão, a vacina contra a poliomielite é alvo dos talibãs e de alguns líderes religiosos. Segundo eles, as vacinas são uma conspiração ocidental projetada para esterilizar crianças muçulmanas ou minar a fé no Islão.

Na República Democrática do Congo, uma gravação de áudio circulou este ano nas redes sociais pedindo ataques aos profissionais que cumpriam um plano de vacinação contra o ébola, cuja epidemia já deixou mais de 2.000 mortos.

Segundo a OMS, a desconfiança das vacinas é uma das 10 ameaças à saúde global, juntamente com a poluição, o ébola e o vírus da Sida, entre outras.

Um artigo do jornalista Paul Ricard, da agência de notícias France Presse, editado pelo jornalista Nuno de Noronha.