O que é o lúpus eritematoso sistémico (LES) e quais as principais diferenças entre os vários tipos de lúpus?
O LES é uma doença reumática sistémica crónica caracterizada pela produção de anticorpos contra células do próprio organismo. É uma doença que se denomina sistémica porque pode envolver qualquer órgão ou sistema do organismo, sendo muito variável a forma como o faz. Trata-se de uma doença reumática, desafiando um pouco o conceito popular das doenças reumáticas, que evoca para envolvimento de ossos/articulações, uma vez que apesar de poder ser o caso (70-80% dos doentes podem desenvolver artrite), não é imperativo que tal aconteça. É a doença reumática sistémica mais frequente e também aquela que tem mais diversidade de manifestações.
De forma simplista, podemos dizer que existem dois tipos principais de lúpus: o cutâneo que se caracteriza pelo envolvimento exclusivamente da pele (geralmente com manchas avermelhadas ou eritematosas, principalmente nas áreas expostas ao sol, como a face, região de decote e membros superiores) e o sistémico que é a doença mais generalizada, referida anteriormente.
Quais os principais sintomas?
Os sintomas e manifestações clínicas são muito diversos, podendo variar entre doentes e no mesmo doente ao longo do tempo. Por esta razão o LES é muitas vezes chamado de “doença das mil faces”.
Geralmente os sintomas incluem fadiga, erupções cutâneas (mais frequentemente erupções eritematosas na face envolvendo a região malar e nariz – com uma forma de borboleta), fotossensibilidade, ulcerações na boca e nariz, queda de cabelo ou dores nas articulações. Em casos menos frequentes, mas potencialmente mais graves, o LES pode causar problemas nas células do sangue (anemia, redução de leucócitos e plaquetas), renais (nefrite que afeta cerca de 1/3 dos doentes em Portugal), neurológicos (epilepsia ou alterações psiquiátricas), cardíacos ou pulmonares.
Uma vez que muitos sintomas são inespecíficos e algumas manifestações são assintomáticas, como a nefrite ou as citopenias (alterações no sangue), o diagnóstico atempado é muitas vezes um desafio.
Qual a prevalência desta doença?
Estima-se que o lúpus afete cerca de 5 milhões de pessoas em todo o mundo. Em Portugal, foi realizado um estudo de grande dimensão em 2011/2012, o EpiReuma, que concluiu que existem cerca de 100 casos por cada 100 mil habitantes. Estes resultados são comparáveis aos de outros estudos europeus.
Existem tratamentos eficazes?
Apesar de o lúpus não ter cura, existem diversos tratamentos disponíveis com o intuito de manter a doença inativa, prevenir agudizações e melhorar a qualidade de vida.
O tratamento âncora é a hidroxicloroquina, que age como imunomodulador, ajudando a controlar as manifestações ativas da doença, reduzindo o risco de novas agudizações e diminuindo o risco de lesões nos órgãos. Quando existem agudizações pode ser necessário recorrer ao uso de corticóides ou outros imunossupressores como o metotrexato, a azatioprina ou o micofenolato de mofetil.
Para além disso, após mais de 40 anos sem surgirem novos fármacos, na última década foram desenvolvidos e aprovados 2 novos tratamentos imunossupressores biotecnológicos: o belimumab e o anifrolumab. Estes fármacos são anticorpos monoclonais mais específicos que bloqueiam fatores de sobrevivência dos linfócitos auto-reativos ou mediadores inflamatórios. Permitem reduzir o grau de atividade do lúpus, reduzir ou suspender os corticóides e melhor a qualidade de vida.
Além do tratamento farmacológico, é também muito importante a adoção de estilos de vida saudável, com uma dieta equilibrada e exercício físico regular. A exposição não protegida ao sol e o tabagismo devem ser evitados.
Quais as principais consequências desta patologia?
Sendo uma doença crónica que pode afetar vários órgãos em simultâneo, o lúpus pode ter um forte impacto a nível pessoal, familiar e/ou social.
Contudo, a mensagem é claramente de esperança. Atualmente, com os avanços científicos que se traduzem em diagnósticos mais precoces, novas estratégias terapêuticas e utilização de novos fármacos mais eficazes e com menos efeitos secundários a longo prazo, a maioria das pessoas com lúpus tem uma esperança de vida equiparável à da população geral. As principais causas de morbilidade e mortalidade são as cardiovasculares e infeções.
O que ainda é preciso fazer no campo das doenças autoimunes e no LES?
Apesar dos avanços científicos ocorridos ao longo dos últimos anos, ainda existe um longo caminho a percorrer no campo das doenças reumáticas em geral, e no lúpus em particular.
É fundamental aumentar a consciencialização da população geral, dos doentes com doenças reumáticas, das respetivas famílias e dos profissionais de saúde, no sentido de promover o diagnóstico precoce e ajudar as pessoas com estas patologias a sentirem-se mais reconhecidas, compreendidas e apoiadas. É também vital melhorar o acesso a cuidados especializados e multidisciplinares na área das doenças reumáticas, por forma a dar respostas adequadas aos aspetos relacionados com a complexidade das doenças que envolvem múltiplos sistemas do organismo. E finalmente é necessário fomentar e capacitar as instituições de saúde para o desenvolvimento de projetos de investigação e para a participação em ensaios clínicos, divulgando-os junto dos doentes, de modo a facilitar a sua inclusão em projetos de investigação.
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