Desde 2008 que o Dia Mundial das Doenças Raras (www.rarediseaseday.org) se celebra no último dia do mês de fevereiro. A campanha começou como um evento unicamente Europeu, mas tornou-se rapidamente num fenómeno mundial. Em 2020, mais de 100 países em todo o mundo aderiram a esta causa, esperando-se uma participação ainda maior em 2021.

O principal objetivo deste dia é sensibilizar a população em geral, as autoridades e os decisores políticos para a existência destas doenças e para as dificuldades sentidas pelos milhões de pessoas que com elas convivem.

Na União Europeia, consideram-se doenças raras as que têm uma prevalência inferior a 1:2000 indivíduos. Estima-se que 300 milhões de pessoas em todo o Mundo sofram de doenças raras. Estas, são geralmente crónicas, progressivas, degenerativas e, em 70-80% dos casos, de origem genética, podendo manifestar-se ao nascimento, durante a infância ou mais tarde na vida.

Grandes desafios

Desde quadros exclusivamente oculares a situações sindrómicas (isto é, que envolvem vários sistemas/órgãos), as doenças raras oculares colocam enormes desafios ao doente, ao médico e à sociedade.

Apesar da sua baixa prevalência, as doenças raras oculares são a principal causa de comprometimento visual ou cegueira em crianças e adultos jovens, produzindo um impacto muito significativo na vida dos indivíduos afetados e dos seus familiares/cuidadores.

Embora na maioria dos casos sejam situações crónicas, graves e incuráveis, chegar a um diagnóstico definitivo é fundamental.

Infelizmente, devido ao desconhecimento/desinformação, muitos doentes levam vários anos até serem referenciados a um centro especializado onde é estabelecido o diagnóstico definitivo e realizado um teste genético. Além de ser uma causa de ansiedade, o atraso no diagnóstico pode mesmo limitar o desenvolvimento visual em crianças afetadas, perdendo-se a janela de oportunidade para uma reabilitação visual bem-sucedida.

Sintomas a que deve estar atento

Neste dia Mundial das Doenças Raras, é importante alertar para alguns sinais e sintomas que devem motivar a observação por um oftalmologista. Em crianças pré-verbais, a ausência de comportamento visual (criança que não fixa ou segue objetos) ou a constatação de movimentos oculares involuntários (nistagmo) são sinais de alerta muito importantes.

Em crianças mais velhas, adolescentes ou adultos, dificuldades em ambientes escuros (cegueira noturna), dificuldades a encarar a luz (fotossensibilidade), incapacidade de distinguir cores, visão subnormal mesmo após correção ótica ou limitação do campo visual são sintomas que devem ser valorizados pelos pais e/ou médico assistente.

A intervenção precoce, conduzida por equipas multidisciplinares, permite combater o estigma e a marginalização social, fomentando a integração dos doentes na sociedade. Ajudas óticas para perto e para longe, treino de orientação e mobilidade com bengala, aprendizagem de braille, suporte psicológico e ensino especial são estratégias que podem e devem ser utilizadas de forma personalizada, centrada nas necessidades do indivíduo e dos seus familiares/cuidadores.

Além disso, a caracterização molecular da doença (através de um teste genético), permite que um médico geneticista preste aconselhamento genético ao doente e aos seus familiares, informando-os sobre os riscos de recorrência numa próxima gravidez ou em gerações futuras.

É também o teste genético que abre portas a novos tratamentos, como a terapia génica. Esta é atualmente uma realidade, embora apenas em situações muito particulares, como é o caso das distrofias retinianas associadas ao gene RPE65.

Como garantir a inclusão harmoniosa destes doentes?

Os indivíduos com doenças raras constituem uma população vulnerável e negligenciada, muitas vezes afetada por discriminação social e marginalização, tanto em círculos próximos como na sociedade em geral.

Só através de campanhas de sensibilização, informação e educação será possível garantir a inclusão harmoniosa destes doentes na sociedade, criando um acesso equitativo a cuidados de saúde diferenciados, educação e postos de trabalho.

Um artigo do médico João Pedro Marques, especialista em Oftalmolgia no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra e Coordenador do Grupo de Genética Ocular da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia (SPO).