A artista relata que foi "arrastada" pelo namorado até ao médico, por causa das dores fortes decorrentes das relações sexuais e menstruação. Anitta sofre há 9 anos deste problema, sendo que - segundo ela - ao longo desse período apenas ouviu dicas e conselhos dos médicos sobre a importância de uma higiene rigorosa.
Anitta disse ainda que tem recebido o apoio do namorado, o produtor canadiano Murda Beatz, para entender melhor a doença. A artista reforçou que acha fundamental expor o assunto, para que haja mais informação disponível sobre endometriose.
A endometriose é uma doença crónica causada por uma inflamação fora do normal de células do endométrio – tecido que reveste as paredes internas do útero.
Leia o que é a endometriose neste artigo da médica Filipa Osório, ginecologista no Hospital da Luz Lisboa.
Em Portugal, estima-se que afete 1 em cada 10 mulheres, o que corresponde a 350 mil mulheres Portuguesas. Além disto, um terço das mulheres que têm endometriose, precisam de ajuda para engravidar, e muitas das vezes só descobrem que sofrem desta patologia quando tentam engravidar.
É crucial desfazer os mitos e o desconhecimento que envolvem esta doença, com especial foco na velha ideia de que ter dores durante a menstruação é normal.
A endometriose
Para percebemos o que é endometriose, é importante perceber o que é o endométrio, que corresponde ao tecido que reveste a cavidade uterina e que sofre alterações cíclicas ao longo do mês, proliferando e crescendo até iniciar a sua descamação, que se traduz pela menstruação.
Na endometriose, estas glândulas crescem fora da cavidade uterina, o que faz com que estas menstruem nos locais onde se implantam, originando lesões de endometriose. Estas podem localizar-se em qualquer parte do corpo, sendo mais frequentes na cavidade pélvica, junto aos órgãos reprodutores (útero e ovários).
Dependendo do local, podem manifestar-se de diferentes formas, podendo ser identificadas sob a forma de quistos, aderências, nódulos ou, em alguns casos, infertilidade.
Ter dores incapacitantes não é normal
A endometriose manifesta-se maioritariamente por dor intensa, que pode estar associada à menstruação, ao ato de evacuar ou urinar, às relações e, por vezes, manifesta-se durante a ovulação.
Quando uma mulher tem dor menstrual – dismenorreia - que interfere com o seu dia a dia, impedindo-a de fazer uma vida normal, significa que esta dor deve ser investigada e que a mulher afetada deve procurar ajuda diferenciada para perceber qual a causa da dor e diagnosticar ou excluir endometriose.
Sendo uma doença crónica que afeta as mulheres durante a sua vida reprodutiva, é fundamental que seja realizado um diagnóstico precoce para uma melhor orientação e preservação da fertilidade. Infelizmente, ainda existe um franco atraso no diagnóstico, em média de 7 a 10 anos.
Isto verifica-se porque ainda é comum dizer-se que ter dor na menstruação é normal ou que esta passa depois de uma gravidez. Por exemplo, ouvimos recorrentemente a família a desvalorizar as dores de uma adolescente, porque a mãe ou a avó passaram pelo mesmo. Consequentemente, a mulher acaba por adiar ou até mesmo colocar de lado a ideia de procurar ajuda especializada.
É importante desfazer esta ideia, deixando de a passar às gerações mais novas, para que possamos detetar esta doença mais cedo e adotar o tratamento adequado.
A gravidez
Em números gerais, cerca de 2/3 das mulheres com endometriose não terão qualquer problema em engravidar. Apenas 1/3 vai precisar de ajuda neste caminho, o que habitualmente está relacionado com os casos mais graves de endometriose.
Muitas das vezes, as mulheres afetadas pela endometriose e infertilidade, devido à falta da existência de uma vigilância ginecológica regular, apenas descobrem a doença quando não conseguem engravidar. Cerca de 50% das mulheres inférteis, são portadoras de endometriose.
Como tal, é crucial que todas as mulheres façam uma vigilância ginecológica regular, de pelo menos 1 vez por ano. Havendo sintomas associados à menstruação, nomeadamente dor intensa, devem procurar avaliação ginecológica precocemente.
Neste ponto, a bola está do lado do especialista. Fazer as perguntas certas, saber ouvir e observar a mulher que nos procura permite-nos chegar ao diagnóstico na maioria dos casos. Depois da suspeita clínica, a confirmação deve ser feita através de uma ecografia realizada por um especialista que saiba identificar e mapear a doença, o que infelizmente nem sempre acontece.
Se houver uma suspeita, deve ser procurado um centro/ hospital/médico que se dedique ao tratamento específico da endometriose, para que esta seja estudada e a orientação seja dada de forma correta.
As opções terapêuticas
Infelizmente, ainda não existe um tratamento 100% eficaz que permita a cura desta patologia e, sendo uma doença crónica, é crucial ensinar as mulheres a saber lidar com esta e a controlar os sintomas. Neste sentido, podemos atuar de várias formas:
- Hábitos de vida saudáveis: uma alimentação “anti-inflamatória” vai reduzir a inflamação pélvica e as queixas de dor. A redução dos níveis de stresse e a prática de exercício físico também são fatores importantes;
- Cada caso é um caso: cada doente tem de ser estudada particularmente e de acordo com os seus objetivos, as suas queixas e a gravidade da doença. Tendo todos estes fatores em conta, é definido um tratamento (uma mulher com filhos e que procura qualidade de vida é diferente de uma mulher com dor e sem filhos e que procura fertilidade e uma vida sem dor).
Se a mulher não apresenta contraindicação para uma terapêutica médica e não pretende engravidar, esta tem indicação para iniciar terapêutica hormonal. Ou seja, inicia a toma de uma pílula para atrofiar o endométrio, que se encontra fora do útero, de modo a tentar adormecer a endometriose e a controlar os sintomas, melhorando a qualidade de vida das doentes.
Se a mulher pretende engravidar, deve interromper a terapêutica hormonal, fazendo-se uma vigilância de sintomas e da doença durante as tentativas e até obter uma gravidez.
Caso a dor seja incapacitante ou a doença agressiva e com envolvimento de órgãos (intestino, bexiga, ureter..), a cirurgia deve ser equacionada e discutida com a doente. Nestes casos, a laparoscopia é o método gold standard para o tratamento adequado da doença. Atualmente, dispomos de equipamentos de laparoscopia e cirurgia robótica, com elevada qualidade de imagem e instrumentos inovadores que permitem abordagens cada vez mais precisas, eficazes e seguras.
Se a dor é controlável e a doença está estável, mas a doente não consegue engravidar, deve ser equacionada a avaliação por uma equipa de infertilidade.
No contexto atual, a mulher, muitas vezes, protela a gravidez para uma fase mais tardia da vida. Numa mulher com endometriose, em que a inflamação da doença pode por si só deteriorar a reserva ovárica/função ovárica, podendo haver mesmo envolvimento dos ovários e das trompas pela endometriose, devemos cada vez mais e mais cedo alertar para a possibilidade de preservar óvulos através da criopreservação. O que pode ser realizado seja em pré-cirurgia, seja apenas porque a mulher ainda não pretende engravidar.
No fundo, o tratamento da mulher com endometriose deve atuar em várias dimensões, de modo a restabelecer o bem estar físico e psíquico da mulher. É importante não só controlar a doença, mas também perceber as dúvidas e os objetivos da mulher, de modo a estabelecer um plano de ação adaptado ao seu caso. Para tratar mais e melhor, devemos falar cada vez mais e mais precocemente sobre este tema.
Um artigo da médica Filipa Osório, ginecologista no Hospital da Luz Lisboa.
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