Há alguma coisa que eu faça que não seja adição? - questiona um jovem numa acção de sensibilização realizada na sua escola promovida para falar sobre o fenómeno dos videojogos.
O anfiteatro ficou num reboliço e logo outra pergunta se fez ouvir na sala. - A minha mãe também anda sempre com um livro atrás e lê um livro novo por cada duas semanas. Isso também faz dela uma pessoa com adição aos livros?
Alguns dos professores no anfiteatro pareciam querer dar razão à pertinência da pergunta da jovem, mas não se quiseram manifestar.
Desde outubro de 2013 que foi proposto para a DSM 5 na sua secção III a categoria de Perturbação de Adição aos Videojogos pela Internet, sendo que será necessário haver mais estudos para compreender melhor o fenómeno. E pouco tempo depois e em plena situação de pandemia, a OMS publica na ICD 11 a perturbação de adição aos videojogos como uma categoria. Muito se tem investigado desde então sobre a conceptualização e caracterização do perfil dos utilizadores com comportamentos excessivos em relação aos videojogos. E no decorrer destas reflexões há quem já tenha mencionado que há uma adição na internet e não à internet. Até porque esta é vista como um veículo para a obtenção dos videojogos online, mas também de outras fontes de entretenimento.
E não faltou muito tempo para alguns investigadores, clínicos, pais e outros interessados que começaram a perguntar-se: Então e a adição às redes sociais? E conceitos como FOMO – Fear of Missing Out, foram dando corpo a esta reflexão. Além do número de horas que muitos utilizadores vão passando nas redes sociais. Mas também é verdade que sabemos derivado da própria investigação em relação ao gaming, que não é apenas o tempo que se dedica a jogar que interessa enquanto variável que ajuda a explicar o comportamento problemático. Existem outros processos cognitivos, metacognitivos, emocionais, neurobiológicos e psicossociais que importam compreender.
Contudo, a questão parece ser pertinente. Faz sentido passar a considerar a utilização das redes sociais, principalmente quando o padrão de comportamento demonstra características muito semelhantes às que são consideradas no gaming? Ou seja, a pessoa passa a pensar cada vez mais sobre a utilização das redes sociais? Ou sente que ao longo do tempo tem vindo a aumentar de forma significativa o tempo de utilização. Além de perceber que o uso das redes sociais parece estar a funcionar para regular o humor. E já houve em determinados momentos a utilização da mentira para encobrir o tempo real de uso. Ou já se perdeu inclusive relações ou outras actividades significativas em detrimento do uso das redes sociais. Bom, talvez se a todas estas questões for respondido sim e com determinada frequência, e isso ocorre ao longo de um período de pelo menos um ano, então talvez faça sentido pensar nesta questão. Mas como em tudo no comportamento humano é preciso fazer uma reflexão ancorada na investigação científica e não nas opiniões mais ou menos inflamadas que vamos observando.
E se dizemos que tem havido cada vez mais redes sociais a surgir, assim como o número de utilizadores, também precisamos de compreender a importância e necessidade que a comunicação assume na espécie humana e depois em determinadas etapas do desenvolvimento, nomeadamente na adolescência. As pessoas querem comunicar e agora cada vez de forma mais global. Claro que precisamos de pensar que há formas mais ou menos adaptativas de o fazer e que necessitam de ser pensadas. Assim como também é preciso perceber quais algumas das razões que podem estar a prender de forma mais consistente os jovens e outros utilizadores às redes sociais. Serão alguns aspectos motivacionais que justificam esta maior aproximação? A utilização das redes sociais permite satisfazer todo um conjunto de necessidades básicas e motivações fundamentais, e será que alguns destes utilizadores, apresentando algumas características mais relacionadas com a ansiedade social e a depressão não estarão a usar as redes sociais para ainda assim conseguirem estar conectados com o mundo? Para além de todo um esquema de gratificações que as redes sociais potenciam e que as pessoas se apropriam.
Antes de iniciarmos uma batalha que mais uma vez vai criar uma cisão entre aqueles que a defendem e os utilizadores das redes sociais, levando, por conseguinte, ao surgimento de anti-corpos e de um afastamento de querer fazer algo diferente, é importante não demonizar o comportamento da utilização das redes sociais e poder em conjunto e numa reflexão colaborativa com todos os envolvidos promover uma maior e melhor utilização das redes sociais.
Um artigo do psicólogo clínico Pedro Rodrigues.
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