
Uma investigação conduzida no Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP), no Brasil, revelou que a hipertensão arterial pode provocar alterações precoces e persistentes na qualidade do sémen, incluindo danos ao acrossoma – estrutura crucial para a penetração do espermatozóide no óvulo – e comprometer a microcirculação testicular ao longo da vida.
Coordenado pelo professor Stephen Rodrigues, do ICB-USP, o estudo demonstrou que estas alterações ocorrem logo na juventude e não são completamente revertidas por medicamentos anti-hipertensores, o que evidencia desafios relevantes para a preservação da saúde reprodutiva masculina.
O trabalho foi publicado na revista Scientific Reports e tem como primeira autora a mestranda Nicolle Machado. A investigação contou com o apoio da FAPESP.
O estudo apresenta os efeitos da hipertensão arterial em ratos (Spontaneously Hypertensive Rats, um modelo experimental em que os animais desenvolvem hipertensão de forma espontânea) em diferentes faixas etárias, desde animais jovens (8 a 10 semanas, equivalente a cerca de 18 anos humanos) até ratos mais velhos (60 a 66 semanas, equivalente a 45 a 50 anos humanos).
A descoberta mais marcante foi que as alterações na qualidade do sémen – como a diminuição da concentração e os danos ao acrossoma – ocorrem de forma precoce e persistem ao longo de toda a vida reprodutiva.
“Estes resultados mostram que a hipertensão arterial tem um impacto reprodutivo que começa muito cedo e persiste durante toda a fase adulta. Mesmo períodos relativamente curtos de exposição a níveis elevados de pressão arterial são suficientes para causar danos irreversíveis”, explicou o professor Rodrigues à assessoria de comunicação do ICB-USP.
Os investigadores testaram a eficácia de diferentes medicamentos anti-hipertensores, revelando que nem todos são igualmente eficazes na restauração da saúde reprodutiva. A losartan, amplamente utilizada na prática clínica, reduziu os níveis de pressão arterial, mas não conseguiu reverter as alterações nos espermatozóides. Por outro lado, a prazosina, um antagonista do recetor alfa-adrenérgico, não só reduziu a pressão arterial como também corrigiu parte dos danos observados no sémen.
“Este achado sugere que apenas reduzir a pressão arterial não é suficiente para proteger a saúde reprodutiva. A combinação de agentes que reduzam a mortalidade com outros que preservem a função reprodutiva pode ser um caminho promissor”, apontou Rodrigues.
Novos horizontes
O grupo planeia agora investigar o impacto da hipertensão arterial e de agentes anti-hipertensores no epidídimo – estrutura responsável por armazenar os espermatozóides antes da ejaculação. Outro foco será avaliar o papel da atividade física na melhoria da qualidade do sémen e da microcirculação testicular.
“Queremos perceber se intervenções não farmacológicas, como o exercício físico, podem oferecer benefícios semelhantes aos dos medicamentos, promovendo melhorias na saúde reprodutiva de forma natural”, afirma o professor do ICB.
O estudo reafirma a importância de investigar os efeitos sistémicos da hipertensão arterial, uma condição que afeta milhões de pessoas no Brasil e no mundo. “Um dado alarmante é que, nos últimos 50 anos, tem-se observado uma redução de cerca de 50% na quantidade de espermatozóides presentes no sémen, tanto em indivíduos hipertensos como não hipertensos. Ainda não se conhecem bem as causas deste fenómeno, nem se poderá vir a comprometer a reprodução da espécie no futuro. Por isso, todo o conhecimento é bem-vindo – seja para reverter ou impedir que esta redução se agrave”, concluiu.
O artigo Systemic alpha-1 adrenergic receptor inhibition reduces sperm damage in adult and aging spontaneously hypertensive rats pode ser lido em: www.nature.com/articles/s41598-024-77661-7.
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