O João Francisco Lima tem feito um trabalho importante na luta contra o estigma associado à depressão e à ansiedade. Tem noção do impacto da sua intervenção junto do público masculino?
Tenho uma noção tão grande quanto as pessoas que me ouvem permitem que tenha. Existem vários homens que têm a seriedade de me agradecer pelo meu trabalho, e isso dá-me segurança que muitos mais estão pelo menos a ouvir-me. De que forma é que os estou a impactar torna-se um pouco mais difícil de quantificar, mas quero acreditar que o suficiente para gerar tomadas de decisão positivas para cada um.
Sente que ainda há muito preconceito e relação a estas doenças e sobre quem as tem?
O preconceito existe maioritariamente nas gerações mais velhas, e este advém da visão que lhes foi passada, e da educação incutida. É um público-alvo muito valioso por ser dificilmente alcançável, mas altamente suscetível. O primeiro passo talvez seja exatamente deixar de abordar a saúde mental como ausência de doença, e sim como toda uma existência que vai desde a promoção e prevenção, até ao diagnóstico, acompanhamento e tratamento das doenças ou perturbações quando estas surgem, tal como se faz há largos anos com a saúde física.
Associar a saúde mental ao desporto, nomeadamente ao surf, é uma boa forma de alargar o tema e de o tornar mais digerível para os mais céticos. A Buondi enquanto promotora do desporto em Portugal, nomeadamente do surf, percebeu que este tema precisa de algum cuidado, e por isso decidiu usar a sua marca e credibilidade para trazer o tema para cima da mesa e o tornar, de forma consciente, mais acessível a um grande número de pessoas. Ter testemunhos e referências nacionais a dar a sua palavra acaba sempre por ter um efeito mais impactante por as pessoas encontrarem uma proximidade diferente com a informação que é passada.
No seu caso pessoal, que perdeu o seu pai, o ator Pedro Lima, por questões de saúde mental, que ferramentas usou para superar esses momentos?
Fui uma vítima indireta de uma depressão major, e por isso hoje em dia luto para preservar e promover a minha saúde mental, de forma a evitar ou pelo menos minimizar a probabilidade de enfrentar algumas destas perturbações, consciente de que nem sempre tem que existir uma razão concreta para que se manifestem. Um pouco como o cancro, se quisermos uma realidade equiparável.
As ferramentas que uso são a terapia de forma regular, os bons hábitos de alimentação, sono e exercício físico, um circulo social estável, coeso e alinhado com os meus princípios, uma constante procura por desenvolvimento pessoal, e, como estou numa fase avançada do meu processo, um contributo para algo maior do que eu, como é o caso do desafio com a Buondi.
Está publicado cientificamente que o suicídio de um familiar é um evento traumático para quem fica. No seu caso, sentiu-se incompreendido ou o apoio que recebeu foi ao encontro das suas necessidades?
A incompreensão é inevitável. Se há mensagem que passo é de que "a dor é de cada um, mas dói a todos". Não espero qualquer compreensão em relação à minha experiência, mas tenho que me permitir ser ajudado pelas pessoas que me querem bem e que, mesmo não me compreendendo, estão dispostas a ajudar.
Assim, o apoio que recebi foi mais do que em linha com as minhas necessidades. Aliás, foi e tem sido! A mensagem que passo é de tomada de decisão. Todos nós vamos passar por traumas nas nossas vidas. Cabe a cada um acumular ferramentas para lidar com os mesmos, seja de forma proativa ou reativa.
O importante é que consigamos aprender a lidar com essas circunstâncias menos boas, não esperando que passem, mas tornando-nos capazes de conviver com elas de forma saudável, e até tirarmos partido dos seus ensinamentos para melhorar outros aspetos da nossa vida!
Como é que o João protege a sua saúde mental no dia a dia?
Aceitando a minha humanidade. Preciso de me manter saudável, preciso de me manter ativo, de contactar com a natureza, de construir relações estáveis e profundas, de promover o meu desenvolvimento enquanto pessoa, e contribuir para a comunidade. Além disso, preciso de pedir ajuda quando necessário, e aprender a aceitá-la mesmo que por vezes a necessidade não exista.
O que evita e o que não deixa de fazer em prol do seu bem-estar físico e mental?
Evito o contrário do que disse antes. Estas são as principais variáveis da boa manutenção da nossa saúde mental. E evito também a autodestruição pessoal. O nosso pior inimigo somos tendencialmente nós mesmos. Aprender a ser mais respeitador de mim próprio é algo em que invisto muito.
O que não deixo de fazer: muito desporto, viajar, sair com amigos, sair da minha zona de conforto. E acima de tudo, não deixo de aceder a este sentido de missão que tenho de contribuir para um maior bem-estar comum de todos.
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