
Healthnews (HN) – Que balanço faz destes 8 anos da ADIFA? E quais as metas para os próximos anos?
Nuno Flora (NF) – O balanço que fazemos é bastante positivo. Ao longo destes oito anos, a ADIFA consolidou-se como a voz dos distribuidores farmacêuticos de serviço completo em Portugal, que representam 94% do mercado nacional de distribuição de medicamentos em ambulatório.
Temos desempenhado um papel de representação e defesa dos interesses destes agentes económicos, que asseguram a distribuição de medicamentos em todas as regiões do país, promovendo um acesso verdadeiramente equitativo e democrático aos cuidados de saúde.
Neste período, temos reforçado a cooperação com entidades setoriais da saúde e com a tutela, participando ativamente em decisões estratégicas que contribuem para a estabilidade da distribuição farmacêutica, ampliando a sua intervenção também em novos programas de saúde pública e procurando consciencializar os cidadãos para questões cruciais a respeito dos medicamentos.
O nosso compromisso é o de reforçar a atratividade do mercado farmacêutico, desígnio fundamental para a sustentabilidade das empresas de distribuição farmacêutica e para uma gestão equilibrada da disponibilidade de medicamentos e combate à escassez no nosso país, procurando assegurar um acesso contínuo e seguro às terapêuticas de que as pessoas necessitam.
HN – Como é que a ADIFA pretende garantir a sustentabilidade financeira e económica do mercado farmacêutico português, num contexto global de concorrência com mercados mais fortes, e qual o papel do mecanismo de atualização automática de preços nesta estratégia?
NF – A sustentabilidade e atratividade do mercado farmacêutico são, como referido, grandes prioridades da ADIFA. Não estamos a falar apenas de instabilidade económica e financeira para os distribuidores farmacêuticos, mas de uma lógica que penaliza os cidadãos e contribui para a escassez de medicamentos.
Este desafio exige um modelo que reflita os custos reais da distribuição e dispensa de medicamentos. O congelamento dos preços tem obrigado os distribuidores a absorver a variação de custos operacionais, debilitando a sua saúde financeira, e fragilizado a atividade dos agentes do setor do medicamento e o abastecimento ao mercado português.
Para mitigar este impacto, defendemos a implementação de um mecanismo de atualização automática dos preços, indexado a indicadores económicos, que permita garantir maior previsibilidade e estabilidade para a distribuição farmacêutica. A lógica é semelhante à de outros setores, que desempenham um papel igualmente fundamental para o dia-a-dia dos cidadãos.
Não podemos ignorar que a competitividade do mercado nacional é essencial para reduzir a escassez de medicamentos e assegurar que a distribuição continua a cobrir todo o território, incluindo as regiões mais remotas em que a rentabilidade das rotas de distribuição é negativa. Sem esta atualização, os distribuidores enfrentam dificuldades crescentes para manter um serviço sustentável, eficiente e equitativo.
HN – A extensão da dispensa de medicamentos hospitalares em farmácias comunitárias foi testada em 2024. Que medidas concretas estão previstas para em 2025 assegurar a ampliação nacional deste sistema e garantir que beneficie efetivamente 200 mil utentes?
NF – A dispensa de medicamentos hospitalares em proximidade nas farmácias comunitárias representa, sem dúvida, um avanço significativo no acesso aos tratamentos de saúde. Os diversos projetos-piloto anteriores evidenciaram benefícios claros para os utentes e para o SNS, permitindo que os medicamentos cheguem mais perto de quem deles necessita e reduzindo a pressão sobre os hospitais.
A ADIFA e os distribuidores farmacêuticos associados estão absolutamente empenhados em apoiar os esforços do Ministério da Saúde para a implementação deste sistema a nível nacional. Quanto às medidas concretas para a sua aplicação, o que podemos assegurar é que continuaremos a trabalhar com as autoridades e os parceiros para que este projeto seja, efetivamente, uma realidade nacional e que os distribuidores farmacêuticos continuem a ser uma peça essencial em todo o processo logístico, como sempre tem ocorrido.
HN – Em que moldes a ADIFA propõe alargar a intervenção dos distribuidores farmacêuticos a outros programas de saúde pública, como rastreios de cancro ou vacinação, e como avalia o impacto operacional destas iniciativas na capacidade logística do setor?
NF – O alargamento desta nossa intervenção é uma disponibilidade sinalizada pela ADIFA face ao sucesso que se tem verificado nas campanhas sazonais de vacinação contra a gripe e a COVID-19. Só na última campanha de outono-inverno, os nossos associados fizeram chegar três milhões de vacinas às farmácias portuguesas numa operação logística que decorreu sem quaisquer incidentes.
Estamos convictos de que este contributo pode ser reforçado e que o setor está preparado para expandir esta intervenção ao abastecimento de outras vacinas e a rastreios de doenças como o cancro colorretal e Helicobacter pylori, aproveitando a capacidade logística e a rede de distribuição de escala nacional.
Os distribuidores farmacêuticos portugueses são especialistas em operações logísticas complexas e contam com todas as condições, tanto a nível de infraestrutura como de capital humano e know-how, para apoiar a saúde pública.
O abastecimento de terapêuticas e produtos de saúde envolve um elevadíssimo nível de competência, observância regulamentar e especialização. Não existem em Portugal empresas mais qualificadas, sob esses critérios, do que os distribuidores farmacêuticos de serviço completo.
HN – Considerando a proposta de reconhecimento da distribuição farmacêutica como infraestrutura crítica, como é que este estatuto poderá melhorar a resiliência do setor em cenários de crise e qual o caminho para alcançar este reconhecimento junto das entidades reguladoras?
NF – O reconhecimento da distribuição farmacêutica como infraestrutura crítica garante prioridade em cenários de crise, assegurando a continuidade do abastecimento de medicamentos mesmo em momentos de mobilidade reduzida ou condicionada.
Este estatuto permite fortalecer a cadeias de abastecimento, assegurar a resiliência da distribuição a nível nacional e promover um planeamento mais robusto para lidar com eventuais cenários de crise.
A ADIFA tem trabalhado junto dos decisores políticos para que esta medida seja implementada e reconhecida no quadro legislativo nacional. Esperamos que, em 2025, possamos ter avanços significativos a este respeito.
HN – Com uma quota de 94% do mercado nacional, qual é o papel da ADIFA na harmonização das políticas europeias de distribuição farmacêutica, nomeadamente através da colaboração com a GIRP, e que desafios específicos enfrenta Portugal neste contexto?
NF – A ADIFA tem um papel ativo na defesa dos interesses do setor junto das instituições europeias, nomeadamente através do GIRP – European Healthcare Distribution Association.
Ao trabalharmos conjuntamente com os nossos parceiros europeus, estamos numa posição mais favorável para colaborar depois com as autoridades nacionais no sentido de promover um acompanhamento produtivo da legislação europeia, contribuindo para uma maior celeridade na transposição para a legislação portuguesa, mas também para auxiliar a implementação de diretivas europeias no nosso quadro legislativo.
A harmonização das políticas europeias é fundamental para garantir não só a resiliência das cadeias de abastecimento, mas também a competitividade do mercado nacional num contexto de interdependência e cooperação entre Estados-Membros.
Devido à dimensão do nosso mercado e à política de preços desfavorável, Portugal enfrenta desafios específicos. Continuaremos a trabalhar para que as políticas adotadas, quer por Bruxelas quer em Portugal, promovam a equidade e a sustentabilidade no abastecimento de medicamentos a nível europeu, tendo em conta a realidade do nosso mercado em particular.
HN – Tendo em conta a experiência de mais de 20 anos na área da Saúde, como é que a sua liderança na ADIFA tem contribuído para posicionar a distribuição farmacêutica como serviço de interesse público essencial e que metas ainda considera prioritárias para o setor?
NF – No papel de Presidente da ADIFA, tenho procurado atuar de forma conciliadora e cooperante, construindo pontes de diálogo com vários agentes da sociedade civil, do tecido económico, das entidades setoriais, das autoridades regulamentares e da tutela.
Este é o caminho para defender os interesses dos distribuidores farmacêuticos, cuja centralidade no bom funcionamento do ecossistema da saúde é clara e compreendida por todos. Cabe-nos atuar, também, de um ponto de vista mais educativo, contribuindo para uma compreensão mais adequada dos desafios específicos deste setor, precisamente devido à sua qualidade de interesse público, que muitas vezes é subvalorizado.
Temos promovido diversos estudos de mercado, económicos e também de sustentabilidade financeira e ambiental da nossa atividade e participado em diversas iniciativas de âmbito nacional e internacional para reforçar o conhecimento coletivo sobre o setor e obter uma leitura das oportunidades, desafios e ferramentas que dispomos para otimizar o desenho das políticas de saúde.
Por fim, queremos também apostar seriamente na inovação e na tecnologia, caminhos fundamentais para otimizar a eficiência do abastecimento de medicamentos, visando uma integração cada vez mais célere e aprofundada de novas soluções tecnológicas como a inteligência artificial.
Tudo isto, naturalmente, para alcançar a meta com que, todos os anos, nos continuamos a comprometer: garantir um acesso justo e equitativo aos medicamentos e terapêuticas em Portugal, contribuindo ativamente para o cumprimento do direito que todos os cidadãos têm à saúde e ao bem-estar.
entrevista de MMM
Publicado na revista #29 HealthNews, aceda a mais conteúdos aqui
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