O bonito do século XXI é sentir que todos os dias conseguimos ser surpreendidos de forma súbita e inesperada. A surpresa ganha-nos pela inconstância porque joga, quase sempre, com a probabilidade de ser boa ou má. Tal qual a dicotomia da saúde e da doença - já dizia a poetisa, fabricada pelo mesmo século, Madalena Menezes que "é triste estar doente, mas tem que ser, ok?".
Segundo o jornal francês "Le Monde", uma em cada doze raparigas no Reino Unido usa jornais ou roupas velhas durante a menstruação e a Escócia é o primeiro país do mundo a distribuir gratuitamente produtos de higiene íntima feminina pelas escolas do país, medida que terá um custo de seis milhões de euros, o que trocado por miúdos deve ser mais ou menos a conta-poupança do Isaltino. Numa primeira abordagem, não me surpreende que a Escócia tome as rédeas da história da higiene íntima feminina, sabendo que quase 100% da população usa saia. O facto de uma em cada doze raparigas usar roupa velha como penso higiénico é que me parece uma notícia algo desajustada, tendo em conta que é do conhecimento geral que roupa velha é um prato de bacalhau com restos da consoada, o que se torna deselegante. Quanto ao facto de usarem jornal como penso higiénico, torna peremptório sabermos de que jornal falamos.
O assustador aqui não é só que uma em cada doze raparigas use jornal como penso higiénico, mas sobretudo que onze em cada doze jovens já não leiam sequer jornal
Convenhamos que se for um reputado jornal diário ou semanário, leva-nos a pensar no quão baixo desceu a humanidade numa época em que se julga avançada. Por outro lado, se for um Correio da Manhã já acaba por ser serviço público, reciclagem ou mais uma segunda-feira na redacção. Analisando os conteúdos deste jornal generalista, não me admira que esta prática até torne as notícias da página em questão interactivas, tal é a quantidade de crimes que apregoam.
Esta prática comum no Reino Unido, não só nos leva a pensar na desumanização da humanidade como na morte anunciada dos jornais, há muito sentenciada. As novas tecnologias levam-nos a parte física da literatura, o cheiro a papel e o folhear. Quero ver quem ousará limpar vidros com um iPad amarrotado ou como acondicionarão a loiça de cristal com tablets de última geração. Jorro de tristeza ao pensar que o jornal passou de um carácter informativo para uma função absorvente.
O assustador aqui não é só que uma em cada doze raparigas use jornal como penso higiénico, mas sobretudo que onze em cada doze jovens já não leiam sequer jornal. Estamos a tornar os jovens mais ignorantes e as vaginas mais cultas. Se esta moda de forrar a roupa interior pegar para além da menstruação, pode tornar a cópula num momento cultural e literariamente importante. O sexo oral pode ser encarado como um virar de página e os gemidos podem ser substituídos por onomatopeias de espanto pelas notícias que se prendem com a actualidade. Podem não saber onde fica o ponto G, mas pelo menos ficam a saber que o governo aprovou a compra de vinte e dois comboios regionais pela CP. E, ainda assim, hão-de demorar menos tempo a encontrá-lo do que as carruagens a chegar, dado que só acontecerá lá para 2023.
Assim sendo, sugiro que Portugal, em parceria com a Joana Vasconcelos, se proponha a ajudar o mundo enviando três lustres de tampões para o Reino Unido
A carência de bens de primeira necessidade vai sempre chocar-me, talvez por esta minha parca capacidade de compreensão de assuntos básicos da dignidade humana. E Portugal tem a sua quota-parte de responsabilidade, na pessoa da Joana Vasconcelos. A conceituada artista plástica, entre muitas outras obras, fez uns sapatos gigantes com panelas e tampas de aço - que se encontram sempre à entrada ou no jardim, homenageando as mulheres que em festas também nunca os levam para dentro. Fez um terço gigante que, de tão grande, mais parece um meio. E, quase apelando ao desperdício, criou uma escultura intitulada “A Noiva”, um lustre com cinco metros usando milhares de tampões, quase os suficientes para servir meio Reino Unido.
Assim sendo, sugiro que Portugal, em parceria com a Joana Vasconcelos, se proponha a ajudar o mundo enviando três lustres de tampões para o Reino Unido, uma gambiarra de meias para o Alasca, para combater as frieiras, e um supositório gigante de mel para os Estados Unidos, para acalmar a tosse do Trump. Entregávamos tudo pessoalmente e de comboio, mas só lá para 2023.
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