O coronavírus afeta comportamentos e mexe, e muito, com a cabeça das pessoas.
Se os portugueses já seguiam atentamente a epidemia provocada pelo coronavírus, que se instalava e crescia nos outros países, estes níveis de atenção evoluíram para maior preocupação quando se confirmaram os primeiros casos em Portugal. No entanto, e nos últimos dias, com a multiplicação de várias pessoas contaminadas, pela declaração de estados de quarentena e de medidas de contingência e interdição de alguns locais, é fácil pensarmos que as pessoas possam sentir-se consideravelmente mais preocupadas.
Se até há algumas semanas conhecíamos os emblemáticos lugares do mundo repletos de pessoas (Praça de S. Pedro, Catedral de S. Marcos, ou o Santuário de Fátima, entre outros) que condicionavam, inclusive, a fluida circulação, hoje, assistimos à sua desertificação, ao ensurdecedor silêncio que resta do vazio deixado para que o ser humano possa proteger-se do surto ameaçador. Estes cenários colidem com as construções mentais e com as imagens que tínhamos do mundo que conhecíamos, gerando dissonância cognitiva, ou seja, provocam uma contradição que é percecionada pela existência de duas circunstâncias opostas, incompatíveis ou em desarmonia.
Quase ao minuto chegam-nos notícias das correrias à compra de máscaras e gel desinfetante nas farmácias ou do açambarcamento aos géneros alimentícios e outros. Algumas escolas, universidades e bibliotecas do país foram encerradas e em vários hospitais, lares e estabelecimentos prisionais as visitas estão condicionadas ou proibidas. Há viagens e eventos cancelados ou adiados, bem como algumas empresas que optaram por ter os colaboradores a trabalhar apenas a partir de casa.
As informações sobre este surto viral surgem em catadupa e de todos os lados, sem filtros, e, por conseguinte, dificultando a seleção dos que apresentam veracidade e a capacidade de processamento, contribuindo para maior alarmismo. Entre as inúmeras notícias que nos chegam através dos meios de comunicação social, em conversas com amigos e conhecidos ou em contexto laboral, começa a instalar-se, cada vez mais, a perturbadora constatação de que ninguém está imune à doença causada pelo coronavírus. Daí pode resultar a sensação de impotência.
Efetivamente, vivem-se dias atípicos, sentidos à escala global e com inegáveis repercussões à esfera individual. O medo coletivo é uma inevitabilidade que tende a instalar-se progressiva e gradualmente, face a uma ameaça que atenta contra a saúde e a vida de cada um.
Que medidas podem ser tomadas para minimizar o impacto do coronavírus na saúde mental?
- Selecionar a informação com base em fontes credíveis.
- Consultar o guia de proteção do coronavírus, disponível em vários sites de saúde (por exemplo: Organização Mundial de Saúde, Direção Geral de Saúde).
- Adotar os comportamentos que visam controlar o risco de contágio ou que são necessários para o tratamento da doença provocada pelo coronavírus.
- Tomar consciência plena de que o medo pode amplificar e enviesar a realidade: é, portanto, desejável uma autocrítica entre o que são factos e possibilidade de alarmismo.
- Nem sempre conseguimos fazer interpretações lógicas e racionais. Em determinadas circunstâncias esta dificuldade pode inclusive aumentar perante a maior quantidade da informação, e devido à limitada capacidade de processamento do cérebro. Por conseguinte, a leitura tende a ser feita na diagonal, com menos reflexão e sentido crítico. Daí resulta um predomínio de emoções que comprometem a capacidade de avaliar a realidade tal como ela é.
- Perante uma situação de epidemia é perfeitamente normal que as pessoas possam sentir medo, ansiedade e stress. Devem estar cientes e aceitar que estas emoções podem tomar conta de qualquer um.
- Sempre que sentir necessidade procure alguém em quem confia para o(a) ajudar.
- Quem está de quarentena pode beneficiar de um estado mental mais saudável ao atribuir um significado positivo a esse período de tempo, nomeadamente, pelo entendimento de que, apesar de diferente, não tem de ser, necessariamente, negativo. Esta fase pode representar uma pausa interior e constituir-se como uma oportunidade de implementar novos recursos.
E as crianças? Como explicar o coronavírus às crianças?
Esconder os medos das crianças não as sossega. E também não lhes permite tomarem as devidas medidas para evitar o contágio. Os pais devem falar com os seus filhos, utilizando uma linguagem adequada ao seu desenvolvimento e compreensão. É importante que se refiram ao coronavírus como uma doença que, na maioria dos casos, tem tratamento, mas que em situações mais graves pode levar à morte. Por conseguinte, devem conhecer e tomar as necessárias precauções, tal como todas as crianças e adultos, designadamente: lavar bem e frequentemente as mãos, evitar levar as mãos à boca, nariz e olhos. No fundo, pode ser uma oportunidade para reforçar competências que já deveriam fazer parte do reportório de higiene de qualquer criança.
Stress pós-traumático, ansiedade ou medos são alguns dos problemas de saúde mental que podem ser desencadeados por epidemias. Os sintomas podem surgir durante o surto ou mais tarde, a curto, médio ou longo prazo. Por isso poderá justificar-se a marcação de consulta psicológica como forma de lidar com os constrangimentos gerados pela atualidade desta pandemia. Tais consultas podem, inclusive, ocorrer com recursos a meios digitais de modo a não comprometer a saúde de ninguém.
Cuide de si e dos seus.
As explicações são da psicóloga Lina Raimundo.
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