No próximo dia 3 de março, celebra-se o Dia Mundial da Audição, uma iniciativa da Organização Mundial da Saúde (OMS) que, em 2025, traz um tema especialmente pertinente: “Mudança de Mentalidades: Capacite-se (ou Reabilite-se)”.
E, francamente, é preciso mesmo mudar mentalidades. Porque, sejamos sinceros, muita gente acha que “não ouvir bem” não é um problema grave.
“Ah, estás só a fazer-te de desentendido”, dizem. “Isso é da idade”, atiram. “É só um bocadinho de cera!”, garantem com a confiança de um especialista de YouTube.
Vivemos num mundo onde as pessoas aceitam de bom grado usar óculos quando começam a ver mal, mas quando se trata de perder audição… “Ah, não, isso é diferente!”, dizem, enquanto continuam a fazer leitura labial como se fossem concorrentes do The Voice, versão silenciosa.
“Não preciso de aparelhos auditivos, só preciso que falem mais alto!”
“Não sou surdo, as pessoas é que murmuram muito!”
“Isso de próteses auditivas é para velhos.”
Pois, meu caro leitor, aqui está o problema da mentalidade. O resultado? Milhares de pessoas fingem que ouvem, fazem aquele sorriso de concordância universal e seguem a vida sem perceber metade do que lhes dizem.
E assim, milhões de pessoas ignoram o problema e seguem a vida a sorrir e acenar… principalmente porque não ouviram bem o que foi dito. Mas chega de negação! A perda auditiva não é um detalhe pitoresco da velhice, nem um charme exótico para apimentar as conversas. É uma barreira real que isola, confunde e, muitas vezes, faz com que as pessoas respondam “sim” a perguntas como:
“Quer mais piri-piri no prato?”
“Tem a certeza de que aceita os termos e condições sem ler?”
“Podemos contar consigo para liderar a reunião de amanhã?”
É por isso que precisamos de falar sobre reabilitação auditiva. Mas antes, deixem-me contar como é a jornada de quem decide que talvez esteja na hora de ouvir como deve ser. Vamos falar da dura realidade de quem, um dia, percebe que “se calhar, ouvir melhor não era má ideia”.
Primeira Etapa: A Grande Negação – Ou Como a Nossa Família (ou Amigos) Nos Diagnostica
A história de quase toda a gente com perda auditiva começa da mesma maneira: não são eles que percebem, é a família que se passa dos nervos.
“Já te disse MIL VEZES!”
“O volume da televisão está a chamar baleias do Atlântico!”
“Tu ouves o que te convém, isso é que é!”
Mas a pessoa nega. Sempre. E encontra as desculpas mais criativas para explicar a sua dificuldade em ouvir:
“Este restaurante tem uma acústica péssima.”
“As pessoas hoje em dia falam para dentro.”
“Esse médico não percebe nada. Tenho audição seletiva!”
A negação dura até ao momento de humilhação social, quando alguém faz uma pergunta e a resposta sai completamente ao lado.
“O senhor quer fatura com contribuinte?”
“Sim, sim, com gelo e limão, por favor.”
Silêncio. Aquele silêncio em que o cérebro grita “FAZ DE CONTA QUE ESTÁS A GOZAR!”, mas já é tarde.
Segunda Etapa: A Consulta e a Realidade Cruel dos Testes Auditivos
Finalmente, depois de muita pressão, lá se marca consulta com um Médico Otorrinolaringologista.
Primeiro, perguntas difíceis:
“Sente que ouve pior?”
“Tem dificuldades em perceber a fala?”
“Ouviu o que acabei de perguntar?”
Depois, o exame. Entramos numa cabine isolada, pomos uns auscultadores gigantes e dizem-nos:
“Carregue no botão sempre que ouvir um som.”
Os primeiros apitos são óbvios. Depois vêm aqueles quase impercetíveis, e o pânico instala-se. Carregamos no botão às cegas, com medo de falhar. O audiologista olha-nos com ar suspeito. Sabemos que ele sabe que estamos a inventar.
O resultado é um audiograma, um gráfico que parece o batimento cardíaco de um peixe morto.
A sentença? Perda auditiva moderada a severa.
E a resposta? “QUÊ?!”
Terceira Etapa: A Escolha da Tecnologia – Ou Como Se Tenta Fugir da Evidência
Agora vem a decisão: próteses auditivas ou implante coclear?
Se a perda auditiva ainda permite, começam a sugerir próteses auditivas. Mas ninguém quer aceitar logo. Primeiro, há a fase do choque financeiro:
“ESPERA LÁ, QUANTO?!”
“Mas isso é feito de ouro?”
“Não posso só usar legendas em tudo?”
Mas, eventualmente, a pessoa rende-se e escolhe as próteses. O momento de experimentação é… mágico. A pessoa OUVEEEE! Mas, em vez de celebrar, faz cara feia:
“Porque é que os meus passos são tão barulhentos?”
“Sempre respirei assim alto?”
“MAS ESTA CASA SEMPRE TEVE ESTE TANTO DE RUÍDO?!”
Se a perda auditiva já está noutro nível, a única solução pode ser um implante coclear.
Quarta Etapa: O Implante Coclear – De Surdo a Cyborg
A ideia de ter um dispositivo eletrónico dentro da cabeça pode parecer coisa de ficção científica, mas é uma dádiva moderna.
A cirurgia dura 2 a 3 horas, e saímos com um belo penso na cabeça, prontos para a transição de “ser humano” para “versão 2.0”.
Mas eis a verdade: o implante não funciona na hora. No dia da ativação, estamos à espera de um “milagre auditivo”, mas o que ouvimos é… ruído estranho e vozes robóticas.
“Doutor, isto é normal?”
“Sim, o cérebro precisa de tempo para reaprender a ouvir.”
“Ah… E agora vou viver num episódio de Star Wars?”
Segue-se a fase da adaptação, que é basicamente um treino auditivo para que o cérebro aprenda a interpretar os sons corretamente. Há semanas e meses de terapia auditivo-verbal, onde:
As primeiras palavras parecem vir de um robô asmático.
Sons básicos, como a água a correr, soam a explosões nucleares.
Pessoas queridas, como a mãe ou o cônjuge, soam… estranhas.
Mas, pouco a pouco, a audição melhora. Um dia, do nada, percebemos uma conversa de costas viradas, e a epifania acontece:
OUVIR É INCRÍVEL!
Conclusão: Então e Agora?
Passam-se semanas e meses. Aos poucos, o cérebro adapta-se. Ouvimos melhor. Voltamos a participar em conversas sem medo de responder a perguntas erradas. Descobrimos que as vozes das pessoas afinal não eram robóticas, apenas diferentes daquilo que nos lembrávamos.
E um dia, quando alguém fala connosco de costas viradas e conseguimos perceber tudo sem precisar de ler os lábios, vem a verdadeira epifania: OUVIR É INCRÍVEL!
Agora? Agora não há desculpas.
Se tem dificuldade em ouvir, vá ao médico. Se precisa de um aparelho auditivo, use-o sem vergonha. Se precisa de um implante, não tenha medo.
A perda auditiva não deve ser um obstáculo para a vida. A tecnologia existe para mudar isso.
Então, se está desse lado, em silêncio forçado ou num estado de “hein?” constante, siga o conselho da OMS:
Capacite-se. Ou melhor, reabilite-se!!!
Porque ouvir não é só um detalhe. Ouvir é viver! E ninguém merece ficar preso no silêncio… a menos que esteja a evitar uma chamada do seu banco. Nesse caso, ignore tudo.
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