Podíamos tentar prever todas as maneiras pelas quais beneficiaríamos se as mentiras não existissem e apenas pairasse a verdade, mas um mundo sem mentiras seria certamente um duro golpe na nossa autoconfiança. Viver só com a verdade implicaria receber todo o tipo de comentários sobre todas as facetas da nossa vida, o que, possivelmente, magoaria os nossos sentimentos, e nós não estamos preparados para ouvir tudo o que todas as outras pessoas pensam sobre nós. Os seres humanos interpretam, muitas vezes, a realidade de uma forma errada e, portanto, um mundo onde fossemos totalmente honestos e sinceros uns com os outros só geraria ainda mais conflitos.
A mentira faz parte da natureza humana e, em grande parte, facilita as suas relações sociais. Mas porque será que o fazemos? Na maior parte das vezes para protegermos os nossos e os sentimentos dos outros, mas também para mantermos relações interpessoais e a nossa imagem positiva. Não é algo inato, mas é algo que o ser humano foi aprendendo ao longo do seu desenvolvimento e socialização, pois à medida que percebe que diferentes versões do mesmo facto provocam reações diferentes nos outros e trazem mais ou menos benefícios, começa então a introduzir a mentira no seu dia a dia.
Existem dois tipos de mentiras: a piedosa, onde o assunto normalmente não é relevante, nem atinge direta e emocionalmente o outro; e a que magoa e tem consequências nefastas na vida da outra pessoa. As mentiras sem maldade são aquelas que dizemos que gostamos de algo quando na verdade não gostamos, ou até mesmo as carinhosas, como a existência ou não do Pai Natal – mentiras que, quando usadas de forma esporádica, não constituem um problema grave. No entanto, será correto contar uma mentira piedosa? Talvez não, mas é preciso ter em conta que há mentiras e mentiras.
As relações próximas constroem-se com base na honestidade, pelo que o impacto mais frequente da mentira maldosa talvez seja nos conflitos entre as pessoas e no romper dessas mesmas relações. Não é saudável uma relação construída com base em omissões da verdade, porque vai estar constantemente sujeita a um futuro impacto onde o custo de reparação será sempre superior, e também a dificuldade em voltar a confiar como é o caso das relações extraconjugais, que por norma tendem a causar mais dano emocional no indivíduo e são difíceis de ultrapassar, mesmo com terapia e ajuda de um profissional.
É preciso ter em mente que, socialmente, é mais fácil aceitar uma mentira quando se é o sujeito da mesma e não a própria pessoa mentida, pois é a que sofre e a que dificilmente segue em frente. No entanto, o mentiroso nunca sairá a ganhar com tal papel, independentemente do que o motiva a fazê-lo, e até poderá alegar que omitiu e não mentiu, mas todos sabemos que não deixa de ser uma verdade não comunicada.
Posto isto, pergunto: será o dia 1 de abril o Dia das Mentiras ou o Dia da Verdade?
Um artigo da psicóloga clínica Catarina Lucas.
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