O que é a Síndrome da Apneia Obstrutiva do Sono (SAOS)?
Na sua forma mais simples, a síndrome clínica engloba o ressonar e as paragens da respiração durante a noite, que comprovadas por polissonografia têm uma duração superior a 10 segundos e são mais que 5 apneias por hora.
Quais os sintomas da SAOS?
A apneia do sono é uma doença que se manifesta por sintomas noturnos, o que inclui, como referido, o ressonar e as paragens da respiração durante o sono, mas também outros efeitos como a sufocação, azia, nictúria e a própria agitação. É compatível aliás tanto com a sensação de que se dorme muito bem, como com insónias. A SAOS também apresenta sintomas ao acordar, entre os quais se destacam, a um primeiro nível, as dores de cabeça, a fadiga e sonolência – tudo consequências de um sono não-reparador. Mas podemos ir um pouco mais longe, pois a SAOS também conduz, entre várias outras coisas que poderão ser apontadas, a problemas de concentração e memória, e nas crianças a hiperatividade.
Nesse sentido, ao falar dos sintomas da SAOS somos automaticamente levados a referir os seus fatores de riscos, a saber: o género (sexo masculino), a raça, obesidade, alergias, anomalias craniofaciais (com queixo recuado), o nariz adunco ou torto, pescoço largo. Por esse motivo, prevalece sobretudo em bebés prematuros e em idosos, mas também quando se verificam doenças do desenvolvimento (por exemplo o mongolismo).
Quais as opções de tratamento para um paciente com SAOS?
Algumas opções de tratamento estão desde logo ao alcance de todos, nomeadamente, emagrecer e não beber bebidas alcoólicas ao jantar – o que é muito relevante. Paralelamente, e dependendo das especificidades dos casos, acrescem as terapias: miofuncional; postural e/ou de elevação da cabeceira; pressão positiva (CPAP/APAP); dispositivos de avanço mandibular; tratamentos de ORL nasais (tratamento médico, desvio do septo, cornetos) e tratamentos cirúrgicos com novas técnicas (a clássica UPPP (uvulo-palato-faringo plastia). As demais técnicas que tiveram sucesso efémero não devem ser usadas.
Em que situações é necessário tratamento com recurso a tratamento de pressão de ar positiva?
As decisões terapêuticas dependem da gravidade e das características do doente. A terapêutica com de pressão de ar positiva ou PAP deve ser considerada quando há sonolência diurna excessiva ou quando existem riscos cardiovasculares evidentes e ainda, caso não existam estes fatores, nas próprias apneias moderadas ou graves. Em todos os casos tem de ser avaliada a adaptação e aceitação do tratamento por parte do doente. Ora, se um doente não aceita ou não se adapta ao tratamento, deverão ser usadas outras modalidades terapêuticas adaptadas. Nunca se deve dizer “se não usar morre”, ou “não há alternativa”, mesmo sendo a terapia com PAP é a mais indicada.
Quais as comorbilidades decorrentes do aparecimento da SAOS?
Podem ser diversas. Mas as complicações mais frequentes (médicas e outras) englobam a hipertensão, as arritmias ou outras doenças cardíacas, os AVCs, a hipercolesterolémia, as diabetes, as alterações sexuais, os defeitos cognitivos e a própria demência, e o refluxo esofágico. Dada a natureza das comorbilidades, estas por vezes têm como consequências acidentes de viação, acidentes trabalho e/ou domésticos, podendo potenciar até discussões e/ou separações familiares.
De que maneira é que se pode prevenir a SAOS?
A prevenção é sempre feita em função do grupo etário e das especificidades dos doentes por via de terapêuticas preventivas, ou seja, tratamentos que se justificam precisamente pela identificação de diferentes fatores de risco já presentes. Nos prematuros, por exemplo, em que a prevalência de apneia do sono é muito alta, deve ser feita terapia miofuncional. Já nas crianças com palato arqueado em ogiva, dentes encavalitados e mandibula em retroposição, deve ser considerada terapêutica ortodôntica com diástase do palato na linha média. São casos específicos, percebo, mas creio que pode ser importante os leitores ficarem a conhecer casos-tipo – o que pode ajudar na prevenção e no tratamento.
Dou por isso mais os seguintes exemplos: nas crianças e adolescentes com vida sedentária deve ser aconselhado exercício ao ar livre para evitar o excesso de peso. Quando ressonam, têm amígdalas grandes e/ou infeções frequentes deve ser considerada a hipótese de amigdalectomia. Quando têm asma e alergias, estas devem ser tratadas com os critérios recomendados para evitar o risco de apneia. Perante crianças com dificuldades de desenvolvimento, hiperactividade, ou doenças do espectro do autismo, deve ser sempre examinada a possibilidade de existência de apneia e, caso se confirme, ser tratada.
Como últimos exemplos importantes refiro apenas que nas crianças e nos adolescentes e adultos a terapia miofuncional pode funcionar como profilática. Mas em todas as pessoas com anomalias crânio faciais deverão ser corrigidas cirurgicamente por cirurgiões maxilo-faciais. Nos adultos que ressonam, a existência de eventual apneia tem de ser considerada e, caso não exista, o ressonar deve ser tratado em função das respetivas causas. E por fim, nos adultos que ressonam, têm jantares abundantes e tardios e/ou regados com quantidades significativas de bebidas alcoólicas, deve ser aconselhado jantar menos, mais cedo e sem álcool.
Qual é a realidade dos doentes com SAOS em Portugal no que diz respeito ao acesso ao diagnóstico e ao tratamento da doença?
Portugal tem 4 coisas muito boas. Primeiro, a competência em Medicina do Sono dada pela Ordem dos Médicos após um exame teórico que inclui atualmente cerca de 100 médicos. Segundo, um número muito elevado de profissionais com a Certificação Europeia pela European Sleep Research Society. Terceiro, a tradição na pós-graduação em SONO, com o 1º Mestrado Mundial em Sono na Faculdade de Medicina de Lisboa em de 2005 até 2012 com a formação de um número significativo de Mestres em Ciências do Sono; e posteriormente diversas pós-graduações (Universidade Católica, Escola Superior de Saúde da Cruz Vermelha, CESPU) e cursos de formação por muitas entidades das quais se destaca, entre muitos outros, a APS (Associação Portuguesa do Sono), a SPDOF (Sociedade Portuguesa de Dor Oro facial e Sono) o Instituto Criap, etc. Em quarto e último lugar, uma produção científica que tem vindo a aumentar exponencialmente desde as primeiras publicações na década de 80.
Dito isto, permanecem sem dúvida muitos problemas práticos. Desde logo, nos Centros de Medicina do Sono públicos o atraso no atendimento é muito elevado - são muitos meses - e o Serviço Nacional de Saúde está a atravessar uma crise muito difícil, na qual há, para além de múltiplas causas, grande sobrecarga e pressão sobre os profissionais de saúde; no seu conjunto estas situações não são favoráveis ao bom exercício da Medicina. Os tempos de consulta reduzidos, o excesso de trabalho, a fadiga, o volume da burocracia, não são favoráveis a uma precisão diagnóstica, nem a uma boa relação médico-doente com repercussão no sucesso terapêutico. A medicina privada é atualmente dominada por grandes grupos económicos, que sem dúvida exigem qualidade, mas também resultados práticos.
Na minha experiência, por estar num centro de referência, os atrasos no diagnóstico de SAOS são maiores nas crianças, nas mulheres, e, em ambos os sexos, nos casos complexos com associação a insónia, doença psiquiátrica, doença médica ou medicação, stress ou burnout.
Quais são as razões para uma taxa de subdiagnóstico tão elevada e quais as suas consequências?
A primeira razão advém do facto de se considerar que o ressonar é “normal”. Mas o ressonar não é normal. A segunda razão tem que ver com a permissividade em relação à sonolência. Adormecer com frequência em circunstâncias inapropriadas não é normal. Em segundo lugar tem que ver com o facto dos problemas de sono não serem ensinados nos cursos médicos e de enfermagem.
Em consequência disto, muitos especialistas com casos em que seria mandatório detetar apneia de sono, visto ser um fator de risco, não o fazem. Exemplos: Hipertensão arterial, AVC e enfartes em jovens, nictúria, refluxo esofágico, arritmias não explicadas, obesidade, diabetes, cefaleias matinais, insónia do meio da noite, doenças do desenvolvimento infantis (mongolismo, etc.), crianças sonolentas ou hiperativas, etc. As consequências do subdiagnóstico são as morbilidades da apneia do sono e, portanto, o não diagnóstico e não tratamento vai originar doenças mais graves e multimorbilidades, que sairão mais caras para os serviços de saúde e tem custos gravíssimos para a saúde, bem-estar e qualidade de vida dos doentes.
Há diferenças no acesso ao tratamento e ao diagnóstico feito através do setor público e o setor privado?
Os problemas põem-se diferentemente para os diferentes tipos de tratamento. Para as medidas gerais, a adesão exige explicação e convencimento da necessidade de adesão. Não sei onde é feito melhor, mas nunca será feito em consultas à pressa. Já para o CPAP/APAP, se o doente tiver ADSE, MEDIS-CTT, Multicare PT-ACS e um seguro que cubra o tratamento PAP, pode nas consultas privadas ter a prescrição direta do tratamento. Se o doente for apenas beneficiário de SNS, o problema é complicado se estiver a ser seguido em medicina privada: antigamente, antes dum movimento dum sector profissional, tudo funcionava razoavelmente bem. Diagnóstico feito, recomendação terapêutica de PAP, telefonema para uma firma de ventiloterapia, carta para o medico de família (CG), e o doente tinha o equipamento nesse dia ou no dia seguinte e receita do CG numa consulta que decorria pouco tempo depois, com tratamento gratuito.
Atualmente, porém, o acesso ao tratamento com CPAP/APAP tem regras inadmissíveis. Por exemplo, uma pessoa diagnosticada no sector privado, por um médico devidamente credenciado pela Ordem dos Médicos e com direito ao tratamento gratuito pelo SNS tem de ir a uma Consulta dum Hospital público (com muitos meses de atraso) para que nesse hospital lhe passem a credencial para o tratamento (o médico hospitalar que a passar pode ter ou não diferenciação em Medicina do Sono). Em princípio esse médico será das especialidades mais próximas do Sono (Pneumologia, Neurologia, ORL, etc.), mas não necessariamente. Depois desta primeira credencial, o doente, para continuação do tratamento, pode ir então para o seu médico de família.
Alguns médicos de família só podem fazer modificações de acordo com o Medico Hospitalar. Portanto agora, diagnóstico feito, recomendação terapêutica de PAP, telefonema para uma firma de ventiloterapia, explicação de que tem de ir a um hospital público diretamente ou por marcação do médico de família; o doente apesar de ter o equipamento nesse dia ou no dia seguinte sabe que poderá ficar uns ou muitos meses à espera dos procedimentos atrás mencionados, que só depois disso o tratamento será gratuito, pois terá de pagar até ter receita, ou, alternativamente esperar por ela sem tratamento.
Em síntese: se me perguntarem se estes procedimentos melhoram a qualidade do tratamento, respondo “Não” (quem passa a prescrição pode ter uma preparação inferior a quem a propôs). Se me perguntarem se estes procedimentos melhoram o controlo do SNS, respondo “Não” (o SNS é sobrecarregado desnecessariamente o que particularmente grave na situação atual). Se me perguntarem se estes procedimentos reduzem com vantagem os custos do SNS, respondo “Não” (o SNS paga menos a curto prazo, por o fazer mais tarde, mas vai pagar a médio prazo os custos dos agravamentos e morbilidades).
Para a terapia miofuncional, os DAM (dispositivos de avanço mandibular) e cirurgias ORL, tanto quanto sei devem ser feitas maioritariamente no sector privado, sendo relativamente reduzido o número feito no sector público, com possível exceção das amigdalectomias nas crianças.
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