Atualmente, multiplicam-se as dietas para perda de peso e os meios através dos quais são veiculadas, da televisão aos livros, do passa-a-palavra, às redes sociais. Mais pode ser menos e com fontes tão diversas, por vezes pouco credíveis, prolifera a desinformação num tema que nos deve preocupar individual e coletivamente: “a obesidade é uma doença grave e um fator de risco associado a muitas outras doenças”, sublinha Joana Menezes Nunes, médica endocrinologista e investigadora especializada no tratamento da obesidade. A especialista recorda-nos que a Organização Mundial da Saúde declarou a obesidade como pandemia.

Para o livro que assina, “Do Xl ao S – Perder peso com saúde e saber mantê-lo” (edição Contraponto), Joana Nunes transpõe anos de prática clínica para apresentar ao leitor um caminho feito com estratégia nas dietas de perda de peso e a sua manutenção: quando e por onde começar a perder peso, os sabotadores das dietas, manter o propósito da dieta, estão entre questões que a autora traz à conversa com o SAPO Lifestyle. Em resumo, “educação” e “suporte” apoiados na ciência, como refere a médica.

Mais do que encontrar, em cada doente, um culpado para o excesso de peso e obesidade, Joana Menezes Nunes, prefere ver estas patologias não só como o resultado de estilos de vida, mas também de condições pré-existentes, nomeadamente no quadro hormonal e doenças que lhe estão associadas. Ao fazê-lo a médica contraria a expressão “só não emagrece quem não quer” e explica-nos os porquês para contradizer a afirmação.

Troca de palavras onde cabem conceitos como o de défice calórico e uma boa saúde intestinal. Nas palavras de Joana Menezes Nunes sobra esperança para as pessoas cujo percurso de vida se faz de insucessos no que concerne a dietas ioiô e ao rosário das tomas de chás, produtos detox, de ervanária e fármacos. Mas também há que perseverar no objetivo estabelecido: perder peso, mas com saúde.

Há uma nova vida para lá das dietas ioiô. Descobrimo-la com a médica Joana Menezes Nunes
créditos: Mário Santos/Contraponto Editores

Em tempos de pandemia da COVID-19, refere-se à obesidade também como uma pandemia. Como a descreve e em particular no nosso país?

No último ano e meio temo-nos concentrado, e bem, na pandemia da COVID-19, pois tínhamos o serviço nacional de saúde a abarrotar, mas esquecemo-nos que a obesidade é uma pandemia classificada pela Organização Mundial da Saúde há mais tempo. Não há momento melhor do que este para percebermos que precisámos de muita organização, até mesmo militar, para superarmos uma pandemia. Em relação à obesidade, começa a haver alguma prevenção. Por exemplo, no último agosto saiu o despacho [n.º 8127/2021] sobre as normas a considerar na elaboração de ementas e na venda de géneros alimentícios nos bufetes e nas máquinas de venda automática, o que é muito positivo. Mas ainda pouco se faz. Vejo que muita gente vai ao médico a propósito da diabetes, do colesterol elevado e da hipertensão arterial para se medicar tendo em conta estas doenças. Contudo, oculta em tudo isto está a obesidade, sendo que não a estamos a tratar. Se a tratássemos, evitaríamos muitos problemas, entre outros, próteses da anca, próteses do joelho, apneia do sono, agudizações da asma, infertilidade.

E morremos devido a doenças associadas à obesidade…

Exatamente, e mais nos países industrializados, com o sedentarismo que leva à obesidade, os maus hábitos alimentares que também levam à obesidade. De tudo isto resulta a diabetes, doenças renais, enfartes, AVC, insuficiências cardíacas. Não só morremos, como causamos custo económico e social, com reformas antecipadas, morbilidade e mortalidade precoces, baixas laborais, cirurgias e a necessidade de cuidadores.

O mais difícil é manter o peso. Encontramos, inclusivamente, doentes submetidos a cirurgia bariátrica que voltaram a ganhar peso.

Dado ser tema que vai acompanhar esta nossa conversa, como podemos descrever a obesidade?

Classificamos o peso das pessoas de acordo com o índice de massa corporal. A fórmula é o peso a dividir pela altura ao quadrado. Se for maior ou igual a 30, estamos perante obesidade. Contudo, isto é um número. Em termos de definição médica, é uma doença caracterizada por excesso de massa gorda. Vamos imaginar: perante alguém extremamente musculado, é redutor, por vezes, falar-se apenas do peso. Uma rapariga de 1,70 pode ter 60 Kg e ter mais obesidade do que uma outra com mais peso e também mais massa muscular. Os quilos por si só são redutores. Devia ser uma análise mais completa, com o índice de massa corporal, o perímetro abdominal, as pregas, entre outros.

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Muitos dos livros para disciplinarmos o peso são escritos por nutricionistas. No seu caso é escrito por uma médica endocrinologista. O que o diferencia?

Muitos livros nesta área são planos alimentares ou receitas. Contudo, começam a aparecer livros escritos por nutricionistas que abordam outros temas, nomeadamente índices glicémicos, entre outras dúvidas que os doentes apresentam. Como endocrinologista, trato um dos grandes órgãos que é o tecido adiposo, um órgão endócrino que produz 600 hormonas. Tratamos doenças hormonais e a obesidade é uma delas. Averiguamos se há alguma causa que justifique a obesidade, vemos doenças com fatores de risco associadas e tratamo-las.

Em relação ao livro, ensina o leitor que a obesidade traz doenças e quais são essas doenças. Pode ser causada por doenças e quais são, como é que se pode tratar a obesidade, onde falham os doentes. Muitas vezes os doentes já passaram por nutricionistas, acumulando planos alimentares. Quando chegam à minha consulta já são doentes ioiô, porque fazem planos de x dias e, depois, não conseguem manter o peso.  Este livro não é um plano nem uma lista de receitas, antes conselhos para um estilo de vida saudável que as pessoas devem adotar para a vida. Ensino ferramentas estratégicas para que a pessoa não volte a ganhar os quilos que perdeu. O mais difícil é manter o peso. Encontramos, inclusivamente, doentes submetidos a cirurgia bariátrica que voltaram a ganhar peso. Não é uma questão estética, mas de doença. Quanto mais informação construtiva houver do lado do doente, mais este entenderá como é importante atuar.

Há uma nova vida para lá das dietas ioiô. Descobrimo-la com a médica Joana Menezes Nunes
créditos: Anna Pelzer/Unsplash

Falta-nos literacia médica no que respeita à alimentação? Isto porque inclui no seu livro um capítulo de termos médicos.

Sobre isso dou-lhe um exemplo com uma questão que me chega às consultas: “não posso comer batata, só como batata-doce, porque a outra engorda”. Em termos de calorias a batata não engorda, trata-se do índice glicémico que é algo completamente diferente. Em contexto médico ouvimos expressões como esteatose hepática, índice glicémico, insulinorresistência, terapêutica hormonal de substituição. Palavras e expressões que “caem do céu” e que as pessoas não entendem. Há que alertar o doente para esta via da saúde e esclarecimento e não o alertar para o plano A, B ou C, ou que só deve comer batata-doce ou cenoura.

Acredito que ninguém tem excesso de peso porque quer ou porque não tentam procurar ajuda.

Pelo que entendemos, a obesidade não resulta apenas do nosso estilo de vida e escolhas que fazemos, mas de outros fatores envolvidos.

Acredito que ninguém tem excesso de peso porque quer ou porque não tentam procurar ajuda. Numa consulta, uma criança começou a chorar. Nas análises descobrimos-lhe insulinorresistência e valores da tiróide alterados. Há anos que se procurava para aquela criança controlar o excesso de peso, sempre sem resultados, com o consumo de gengibre, pimenta-caiena, ovos, sementes. É natural que a pessoa se pergunte: “o que estou a fazer mal?”. Sabemos que nesta questão há muitas alterações genéticas, também muitas alterações hormonais. No tecido adiposo já descobrimos 600 hormonas. Antes, considerávamos que a gordura servia para nos proteger do frio, não sabíamos que são um tecido endócrino. E estas hormonas podem ser a causa de excesso de peso e da obesidade. Atualmente sabemos que há bactérias más no intestino que são mais propensas para levar à obesidade do que as boas.

Outro perigo atual prende-se materiais envolvidos nos plásticos, na roupa, na maquilhagem, designados disruptores endócrinos, substâncias químicas que mimetizam algumas hormonas produzidas pelo tecido adiposo, associadas a excesso de peso e obesidade.

Há uma nova vida para lá das dietas ioiô. Descobrimo-la com a médica Joana Menezes Nunes
créditos: Contraponto Editores

A indústria das dietas para perda de peso está cativa da má informação? Pode dar-nos alguns exemplos de desinformação?

Se fizer uma visita aos supermercados para avaliar as embalagens das bolachas ditas saudáveis, lê o rótulo e, depois, compara-o nos ingredientes com uma normal bolacha Maria. Vê que aquilo que é vendido como mais saudável é um veneno, cheio de gorduras saturadas, gorduras trans, entre outras. Fala-se muito da granola e a indústria aproveita-se disso, fazem-se vários tipos de granolas, umas mais doces do que outras. Será que só por ser granola de nome é saudável? Outros mitos: não se pode acrescentar cenoura à sopa, ou comer tomate, pois ambos são doces, ou a banana, por ter muito açúcar e troca-se por bolachas como as que já referi. Tudo isto são modas à boleia do facto das pessoas procurarem ajuda para encontrarem desinformação.

Será que a nossa sociedade está arquitetada para iniciarmos esse caminho de perda de peso? Falo, por exemplo, da oferta alimentar com excesso de açúcar, gorduras, fast food.

Falando dos vários tipos de fome, existe a homeostática, porque o organismo o pede e a fome hedónica, associada ao que é bom, ao que sabe bem. Ora, o que se vende no restaurante? Vai vender os fritos, os molhos, a comida de conforto, adicionando-lhe mais umas natas, mais sal.

A fast food, rica em gordura e em açúcar, em termos neuronais faz com que haja prazer associado, envolvendo moléculas secretadas como a dopamina e a serotonina que são neurotransmissores cerebrais que formam memória. Por exemplo, ao consumir um hambúrguer o seu cérebro processa informações de que ‘aquilo’ é bom. Cria-se uma memória associada a isso. No futuro, vai recuperar essa memória e quererá repetir.

Porque é tão difícil encontrar na restauração um arroz malandro com tomate ou com feijão, ou uns ovos escalfados com cebola e tomate? Se pensarmos na cozinha mediterrânica é simples de confecionar.

Sabemos que para perder peso temos de comer menos do que aquilo que gastamos, mas sem nunca comprometer os mínimos para se estar vivo.

Funda o sucesso das dietas de perda de peso no conceito de “défice calórico”. Do que se trata?

Sabemos que para perder peso temos de comer menos do que aquilo que gastamos, mas sem nunca comprometer os mínimos para se estar vivo. Uma dieta saudável não deve comprometer as calorias mínimas à nossa existência. Imagine que está a dormir, o coração bate, os pulmões permitem-lhe que respire, o rim continua a filtrar [taxa de metabolismo basal]. Para tudo isso são precisas calorias. Como também o são para as atividades diárias. Toda a dieta resulta desde que a pessoa faça esse défice calórico sem comprometer a taxa de metabolismo basal. Estudos científicos demonstram que a dieta mais saudável – não para perder peso - é a mediterrânica. Qualquer loucura que faça, entrando em défice calórico, estará a comprometer a sua saúde.

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Há dietas de perda de peso perigosas?

Há dietas de perda de peso extremamente restritivas que são muito perigosas. Quem faz jejum intermitente fica, por vezes, 24 ou 48 horas sem comer, não sabendo se o pode fazer. As dietas detox que estão na moda chegam-nos vendidas em garrafas de plástico cheias de disruptores endócrinos, de corantes e conservantes. Para perder peso de forma saudável e mantê-lo de forma saudável a pessoa não pode embarcar nestas dietas. Os extremismos não são benéficos em nada da vida, o que inclui a alimentação.

A Joana remonta os cuidados com a alimentação aos meses anteriores ao nascimento, ainda durante a gestação, ou antes mesmo. A obesidade previne-se antes do nascimento?

Julgo que intervir em situações de excesso de peso e obesidade aos 18 anos é demasiado tardio. Numa época em que a grávida conta com as melhores condições, toma ácido fólico, vitaminas, conta com exames, estudos genéticos, é feita a criopreservação de células estaminais, deveria preocupar-se em comer bem e saudável para que a criança que está a ser gerada tenha os melhores nutrientes possíveis. Quando está a amamentar idem.

Julgo que intervir em situações de excesso de peso e obesidade aos 18 anos é demasiado tardio.

Dedica um dos capítulos do seu livro à alimentação das crianças. Curiosamente não fala da obesidade, antes da seletividade alimentar. Que conselhos daria a pais desesperados com o pouco entusiasmo dos seus filhos às refeições?

Face a uma criança que recusa refeições, os pais acabam por lhe dar alimentos que sabem que o pequeno ingerirá, como o bife com batatas fritas e ovo estrelado. O paladar é intrínseco a cada pessoa, mas o gosto por doce é algo inato e tem de ser trabalhado desde a infância, a começar por uma boa escolha das papas, evitando aquelas que têm muito açúcar. Mais tarde, há que oferecer às crianças os vegetais, procurando controlar a seletividade alimentar. Depois, há crianças que pura e simplesmente não gostam de comer. Temos de fazer dos atos da compra, cozinha e comer momentos divertidos. Por exemplo, fazer desenhos no prato com os alimentos.

No livro, não me detive na obesidade infantil porque nos capítulos anteriores refiro os estilos de vida saudáveis. Se os adotarmos quem vai crescer connosco seguirá esses princípios. É claro que estamos a falar de um mundo ideal, porque os jovens vão para a escola e o amigo leva o pacote de bolachas, na cantina encontram alimentos menos saudáveis, no supermercado idem. Tem de haver um movimento de toda a sociedade para que resulte o objetivo de uma dieta saudável.