Mafalda Rodrigues de Almeida é nutricionista, com um mestrado em Políticas Alimentares, obtido em Londres. Uma mulher preocupada com aquilo que comemos e como comemos. Rotinas alimentares, stresse, maus hábitos às refeições, contribuem para uma dieta disfuncional e consequente desequilíbrio no nosso organismo. Erros que Mafalda de Almeida procura eliminar com a recente publicação do seu livro, “Superalimentos, refeições com mais vida” (edição Chá das Cinco).

Uma obra que desmistifica a ideia de que esta gama de alimentos é difícil de encontrar e cara. Quem nunca comeu uma couve, brócolos, agriões, nozes e espinafres? Mafalda traz-nos receitas, mas também bom senso à mesa. Isto com muita cor, organização na nossa despensa e vontade de introduzir mudanças palpáveis nas nossas vidas.

O livro da Mafalda denomina-se “Superalimentos, refeições com mais vida?” Em seu entender aquilo que comemos está moribundo?

De certa forma sim. Somos animais de hábitos e, consequentemente, entramos facilmente em rotinas alimentares. Com o livro que acabo de publicar gostaria de mudar um pouco a monotonia das refeições. Por outro lado, como defendo uma alimentação funcional, os 30 alimentos que incluo na minha obra entram num estilo de alimentação diversa que nos traz melhor vida a longo prazo.

Normalmente associamos a designação super a algo superlativo, bom, capaz de nos levar a outros patamares. Pelos vistos na alimentação também assim é. O que é um superalimento?  

Apesar de não existir uma definição científica, digamos, oficial, podemos enquadrá-los como sendo alimentos que têm uma concentração de nutrientes acima da média. Isto com benefícios estudados para a saúde e na prevenção de doenças.

Ou seja, estamos a falar de alimentos com uma alta densidade nutricional, certo?

Exatamente, alguns superalimentos apresentam benefícios muito semelhantes porque o que os compõe são antioxidantes que previnem as doenças. Quando associados a uma boa alimentação e estilo de vida, irão trazer benefícios. Dou-lhe um exemplo com o meu caso pessoal. Tenho na minha família um histórico de várias doenças a nível genético, como a diabetes, as doenças cardiovasculares, do foro inflamatório e sempre as procurei prevenir com a minha alimentação. Não quero padecer com as doenças que os meus antepassados tiveram. Dai o fator prevenção.

Estamos perante uma gama de alimentos difícil de encontrar?

Não. Em qualquer supermercado encontramos brócolos, espinafres, agriões, beterraba, nozes, mirtilos, abacate, romã. Muitas pessoas tendem a julgar que superalimentos são só a quinoa, o açaí, as bagas de goji. Também os incluo no meu livro, tal como outros pouco falados e excelentes, como o noni, o camu-camu, o baobab, a lucuma. Felizmente, em Portugal, temos a tradição de consumir crucíferas pois estão associadas à nossa cozinha tradicional. Falo da couve roxa, da couve portuguesa, da couve-coração, dos brócolos que também estão na lista dos superalimentos.

Porque inclui no seu livro estes superalimentos em detrimento de outros?

Estudei os rankings a nível nutricional tendo em vista perceber quais os alimentos que apresentam melhores resultados na prevenção de doenças. Neste quadro, fiz, ainda, uma separação entre os alimentos que encontramos em Portugal e os que importamos. Procurei equilibrar ambos. Muitas pessoas, ao folhearem o livro, ficam surpreendidas porque descobrem que consomem todos os dias estes superalimentos e acabam por perceber o seu potencial nutricional.

mafalda rodrigues de almeida
mafalda rodrigues de almeida

Certo, mas não basta incluir alguns destes alimentos na nossa alimentação e, depois, seguir uma dieta disfuncional. Isto funciona como um todo…

Defendo que devemos preencher três áreas no nosso bem-estar. A primeira e, talvez a mais fácil de atingir no meu caso, passa por uma alimentação cuidada no dia-a-dia, com várias refeições, escolhas certas na comida fora de casa, o que nem sempre é fácil. Segundo ponto, o exercício físico. O importante é mantermo-nos ativos, mais não sendo fazendo caminhadas. Finalmente o bem-estar psicológico. O stresse reflete-se na nossa predisposição para comermos bem. Stressados procuramos uma recompensa imediata e, muitas vezes é uma má escolha, pois recai nos doces. Por vezes basta uma pequena mudança na nossa agulha alimentar. O abacate é muito calórico. Certo, é calórico, e tem muita gordura mas é mais saudável para barrar no pão do que a manteiga.

No seu entender quais são as grandes falhas naquilo que comemos e como comemos?

Trabalho na área da consultoria de inovação alimentar na restauração. Estudo, por isso, os nossos hábitos alimentares. Um grande erro que deteto está na forma como conduzimos o jantar. Ingerimos uma sopa e acompanhamos com tostas ou pão com queijo fresco. É preferível uma refeição leve com peixe ou legumes, que nos deixe reconfortados. No oposto, manhã cedo, cometemos erros ao pequeno-almoço. Tornámo-lo rotineiro. Acresce que durante o dia saltamos refeições, incluímos muitos fritos e sal.

Fala nas rotinas alimentares ao pequeno-almoço. Pode especificar?

Esta refeição é um desafio. Pratico um pequeno-almoço diferente todos os dias da semana. Um ciclo de sete dias que só repete a combinação de alimentos na semana seguinte. Gosto muito de papas de aveia, acrescento sementes, fruta. Para o verão, são ótimas as taças de açaí, triturado com banana ou outra fruta.


Outro aspeto importante que percebemos neste seu livro é o respeito pela sazonalidade dos alimentos. É muito importante, certo?

A nutrição funcional está muito relacionada com o aproveitarmos o que a natureza nos dá. Os frutos tem uma época especifica, de acordo com o que o corpo precisa. Ou seja, a natureza oferece-nos quando mais precisamos. No inverno encontramos os citrinos, ricos em antioxidantes e vitamina C. No verão há uma grande disponibilidade de tomate e no final desta estação, a romã. São alimentos ricos em licopeno, que é muito mais absorvido pelo nosso organismo quando a temperatura ambiente é mais elevada.

Ao lermos as dezenas de receitas que inclui neste seu título surpreende-nos a diversidade e facilidade de confeções. No entanto as pessoas continuam a revelar alguma resistência a esta mudança. Porquê?

Julgo que assim é porque somos seres de hábitos. Se formos a um restaurante e tivermos na carta pastéis de bacalhau com arroz de tomate, este prato vai mexer com a nossa parte emocional. O mesmo se passa com o cozido à portuguesa, com as feijoadas. Outro aspeto, andamos rotinados e cansados. Chegamos ao supermercado e vamos pelo caminho mais fácil, os ingredientes que conhecemos para as confeções a que nos habituámos.

Por isso inclui também uma lista de compras?

A lista de compras que está no livro é a minha lista pessoal, a ideal. Uma pergunta que me fazem muitas vezes é, “onde compro isto?”. Se forem os alimentos mais comuns como a quinoa, as sementes, os vegetais, julgo que não será difícil. Se, contudo, falarmos de uma spirulina, baobá, camu- camu, vamos encontrar em lojas como o Celeiro, Brio, Miosotis.

Encontramos muito pouca proteína animal no seu livro. Andamos a comê-la em excesso?

Defendo que devemos ter uma alimentação maioritariamente vegetal. No livro vai encontrar receitas com carne, peixe, lácteos, ovos, mas acho que devemos mudar neste ponto. É difícil encontrar uma alimentação vegetariana fora de casa. Então, dentro de casa, porque não começar a mudar, introduzindo uma receita vegetariana por semana?

A Mafalda trabalha na área da inovação alimentar na restauração. Que realidade encontra no dia-a-dia?

Trabalho junto de empresas que têm restaurantes ou mesmo os restaurantes em si e que querem melhorar a qualidade do serviço. Não sabem, contudo, como. Tenho trabalhado com muitas empresas que têm refeitórios e há uma tendência alimentar a mudar com vista a uma alternativa saudável. As próprias cozinheiras e chefes não estão habituados a trabalhar com matérias-primas menos usuais. Levo-lhes um plano, ideias, um roteiro para a aquisição dos alimentos. Isto dentro dos seus orçamentos. Isto é fazer educação alimentar. Dou-lhe um exemplo, um pão de centeio integral com queijo e sumo de laranja tem o mesmo preço de um croissant com queijo e sumo de laranja. E tem metade das calorias.