O surgimento desta doença no núcleo familiar pode ser comparado ao efeito de onda que uma pedra provoca quando lançada a um lago, uma vez que é no seio da família que a experiência da doença se vai desenrolar, e todos os elementos vão ser afetados por este acontecimento de vida tão exigente e gerador de tantas mudanças no paciente, mas também nos restantes elementos.
A vivência do processo de uma neoplasia cerebral é única entre as doenças oncológicas, podendo assumir contornos bastante diversos. Enquanto existem pacientes que conseguem ultrapassar a doença, sendo o prognóstico nestes casos animador, permitindo que viva sem complicações associadas e mantendo a sua qualidade de vida, por outro lado, há casos em que os défices funcionais podem obrigar a um grau de dependência dos cuidadores. São fatores determinantes para a evolução da doença: o tipo histopatológico do tumor, o maior ou menor grau de agressividade do mesmo e a sua localização.
Importa salientar que o cérebro é responsável por assegurar as funções mais importantes do corpo humano, como: o controlo motor do corpo, a função neurológica, cognitiva, para além de funcionar como a base da identidade e da existência do indivíduo. Em algumas circunstâncias, a alteração destas funções pode conduzir a algum grau de dependência ou sofrer declínio ao longo do tempo, levando à necessidade de que alguém assuma o papel de cuidador. Na maioria dos casos, o parceiro e/ou cônjuge acaba por assumir esta função, contudo, assegurar este papel traz consigo várias implicações, nomeadamente: o impacto que esta mudança irá ter no seu trajeto de vida e na sua saúde, o aumento das exigências do cuidado dependendo da condição da pessoa doente, podendo mesmo levar a uma necessidade permanente.
Para além das mudanças de papéis, como a interrupção na sua atividade profissional o familiar/cuidador assume responsabilidades acrescidas relacionadas com a prestação de cuidados para as quais não se sente preparado, visto que nunca se deparou com esta necessidade previamente. Com a perda progressiva das capacidades do paciente, as responsabilidades do cuidador aumentam, e comummente esta sobrecarga aliada a privação de sono, diminuição dos momentos de lazer, desinvestimento no seu próprio projeto de vida e consequente isolamento social, deixa esta figura mais suscetível ao desenvolvimento de quadros depressivos e ansiosos muitas vezes desvalorizados por se considerar inevitável que exista sofrimento emocional associado à vivência da doença de um familiar próximo. No entanto, é crucial que este seja levado em conta e minimizado, e para tal a equipa de profissionais de saúde deve estar atenta às necessidades desta população numa fase avançada da doença, incluindo a sua abordagem nos cuidados que presta ao doente inserido no seio familiar.
A par das questões anteriormente mencionadas acrescem as características de cada família, pois cada uma delas tem nos seus membros pessoas em fases e idades de desenvolvimento distintas com formas diferentes de se adaptar à doença e enquanto cuidadores quando é o caso. Em casos em que a situação socioeconómica destas famílias é desfavorecida, onde existem outros problemas de saúde, que tenham experienciado outros acontecimentos de vida negativos e o suporte social é escasso, o risco de sofrimento emocional aumenta exponencialmente.
Torna-se, portanto essencial minimizar as consequências psicológicas, e desgaste provocado por todas as exigências deste tipo de cancro, pois para além do cuidador ter de lidar com as alterações de humor e de personalidade que por vezes ocorrem nestes doentes, a perda de algumas capacidades cognitivas poderá não permitir que ambos enfrentem conjuntamente as tristezas e as perdas.
Um artigo de Eloísa Fernandes, psicóloga clínica na Unidade de Psico-Oncologia da Liga Portuguesa Contra o Cancro do Núcleo Regional do Norte.
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