Em Portugal, morre uma mulher por dia com cancro do colo do útero (CCU). De acordo com a Organização Mundial de Saúde, somos o país da Europa Ocidental com a taxa de incidência mais elevada deste tipo de cancro: 13,8 casos / 100.000 mulheres por ano. Todos os anos, são diagnosticados cerca de 720 novos casos. A nível mundial, o panorama não é muito diferente – o CCU é 4º tipo de cancro mais frequente nas mulheres, representando 6,6% das mortes femininas por cancro.
O cancro do colo do útero é o resultado final e, felizmente, raro da infecção pelo vírus do papiloma humano (HPV). Contudo, este vírus é responsável por 99,7% dos cancros do colo do útero, 78% da vagina, 25% da vulva, assim como das lesões pré-invasivas e invasivas anogenitais, da cabeça e pescoço.
O HPV é um vírus persistente e prevalente, altamente contagioso, estimando-se que 75 a 80% da população mundial seja infetada pelo HPV em alguma fase da sua vida, sendo a prevalência variável consoante a região avaliada. Em todo o mundo, o vírus é responsável por lesões benignas e malignas em ambos os sexos, sendo atualmente considerado o 2º carcinogéneo mais importante, logo a seguir ao tabaco. O estudo Cleopatre, efetuado com amostragem de todo o país, evidenciou uma prevalência da infeção por HPV de 19,4% na população feminina, sendo que, em 76,5% dos casos, estavam envolvidos vírus de alto risco oncogénico.
A evolução da doença faz-se através de um contínuo de uma série de estádios entre a lesão de baixo grau, de alto grau e o estádio de invasão. Esta sequência evolutiva pode demorar 2, 5, 10 ou 20 anos, mas, em alguns casos de lesões pré-malignas, a lesão pode ser revertida e a infeção é combatida pelo próprio sistema imunitário. As diferenças entre o tempo e o tipo de evolução estão relacionadas com diversos fatores, entre os quais o tipo de HPV, o sistema imunitário da mulher e o consumo de tabaco, uma vez que este compromete a sua imunidade e alguns dos compostos do tabaco, considerados oncogénicos, são excretados diretamente nas secreções vaginais.
Mas nem tudo é negativo. O CCU pode ser prevenido e curado, sendo as taxas de cura mais elevadas quando a doença é diagnosticada atempadamente. Numa fase inicial, este tipo de cancro não apresenta qualquer tipo de sintomatologia específica, mas, numa fase mais avançada da doença, podem surgir sintomas como perda de sangue fora do período menstrual ou após a relação sexual, corrimento vaginal anormal e com mau odor, dor pélvica e, até mesmo, alterações urinárias e retais.
As mulheres entre os 25 e os 65 anos representam o grupo mais vulnerável e os fatores de risco associados ao cancro do colo do útero são: infeção persistente por um tipo de HPV de alto risco, início precoce da atividade sexual, múltiplos parceiros sexuais, tabagismo e estados de imunossupressão.
Para prevenir o aparecimento do CCU, a principal medida é impedir a infeção do HPV, que é muito frequente em adolescentes e jovens adultos, através da vacinação. A vacina contra o HPV previne os cancros associados a estas infeções, os condilomas genitais e induz imunidade de grupo, com proteção adicional de não vacinados. É, por isso, que a vacinação contra o HPV faz parte da estratégia de prevenção primária.
A vacina, que integra o Programa Nacional de Vacinação (PNV) desde 2008 e contempla, desde então, todas as raparigas e mulheres nascidas após 1992, confere uma proteção estimada em 90% para o cancro do colo do útero, 95% para o cancro do ânus, 90% para o cancro da vulva, 85% para o cancro da vagina e 90% para as verrugas genitais. Atualmente, mais de 90% das mulheres portuguesas até aos 27 anos, completados em 2019, estão vacinadas contra o Vírus do Papiloma Humano. Foi anunciado, em dezembro de 2019, que, a partir de outubro de 2020, também os rapazes nascidos a partir de 2009 podem fazer gratuitamente a vacinação no âmbito do PNV. A vacinação universal passa, assim, a ser para todo o universo de crianças de 10 anos.
Por sua vez, o rastreio faz parte da estratégia de prevenção secundária. De acordo com o que está regulamentado em sede de Diário da República n.º 183/2017, Série II de 2017-09-21, o rastreio deve-se iniciar aos 25 anos com teste HPV, com periodicidade de 5 em 5 anos. Quando negativo, garante uma ausência de doença e um risco muito baixo a 5 anos. Tendo em conta a elevada percentagem de população vacinada no nosso país, o método de rastreio primário ideal é o teste de HPV.
Assim, a eliminação do cancro do colo do útero é uma realidade que se pode perspetivar num futuro mais ou menos próximo, dependendo da capacidade de cada país de implementar planos de prevenção primária (vacinação) e secundária (rastreios organizados). Portugal foi um dos primeiros países a nível mundial a incluir a vacina contra o HPV no seu PNV e dos países com maiores taxas de cobertura vacinal nas raparigas (~90%). Esta foi uma decisão visionária, que resultará em ganhos significativos em saúde para as mulheres portuguesas. Em adição, o alargamento da vacinação gratuita aos rapazes é um avanço importante para reduzir a infeção por HPV e, consequentemente, a incidência do CCU.
Desta forma, considerando que o cancro do colo do útero é um dos cancros com maior potencial de prevenção e cura, chegando perto dos 100% quando diagnosticado precocemente, a Organização Mundial de Saúde definiu como uma das suas metas a eliminação do CCU até 2030, através de uma estratégia a implementar a nível global. Acredito que estamos no bom caminho.
Um artigo da médica Maria Amália Pacheco, ginecologista, Responsável da Unidade de Colposcopia Centro Hospitalar Universidade do Algarve – Unidade de Faro.
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