A epilepsia é uma doença caracterizada por uma predisposição para ocorrerem crises epilépticas e pelas consequências neurobiológicas, cognitivas, psicológicas e sociais das mesmas. As causas são variadas: anomalias estruturais do cérebro, etiologia genética; doenças metabólicas; encefalites auto-imunes ou desconhecida.
Em Portugal, calcula-se que uma em cada 100 crianças tenha ou venha a desenvolver esta perturbação, que representa uma das principais causas de doença crónica na idade pediátrica.
Existem vários tipos de crises epilépticas. Habitualmente, as crises são facilmente reconhecidas pelos pais. Dependendo do tipo de crises, pode haver um ou mais dos seguintes sinais: olhar fixo (5-10 segundos), sem resposta à estimulação; pestanejo rápido ou revulsão ocular; movimentos da boca (mastigação) ou da face; rigidez muscular (hipertonia); comportamento confuso, sem objectivo; relato de sensações subjectivas (sensitivas, sensoriais, cognitivas ou emocionais), entre outras. As crises isoladas de curta duração não causam lesão ou sofrimento cerebral. Só as crises com duração superior a 30 minutos podem fazê-lo, sendo que crises muito frequentes podem interferir com o normal desenvolvimento de algumas funções cerebrais.
O diagnóstico de epilepsia é feito essencialmente com base na entrevista clínica. Contudo, o médico recorre em regra ao electroencefalograma para confirmar o diagnóstico.
Algumas epilepsias autolimitadas características da idade pediátrica (por ex., a epilepsia rolândica) não necessitam de tratamento crónico, desde que as crises não sejam muito frequentes, na medida em que se resolvem espontaneamente com a idade.
Existem disponíveis vários medicamentos usados para o tratamento da epilepsia (fármacos antiepilépticos – FAEs), seleccionados em função do tipo de crise/epilepsia e de factores individuais de cada doente. Os FAEs não curam a epilepsia, mas destinam-se a prevenir a ocorrência de crises epilépticas e, para esse efeito, têm que ser tomados diariamente e em horários regulares. Até 70% (7 in 10) das pessoas com epilepsia podem ter a sua epilepsia controlada mediante a utilização de FAEs adequados.
Nos restantes casos - chamadas “epilepsias refractárias”-, pode optar-se por uma dieta especial com maior proporção de gorduras (dieta cetogénica) ou pode estar indicado um tratamento cirúrgico (ressectivo ou paliativo) ou de neuromodulação (neuroestimulador do vago ou estimulação cerebral profunda se tiver idade superior ou igual a 16 anos). Os doentes com epilepsia refractária, idealmente, devem ser referenciados para uma avaliação num Centro de Referência de Epilepsias Refractárias (existem cinco em Portugal).
Actualmente, com o uso das terapêuticas disponíveis, a maioria das crianças com epilepsia pode participar normalmente nas actividades escolares. Contudo, as crianças que continuam a ter crises podem ter problemas na escola, como baixa auto-estima, sofrer discriminação, “serem gozadas”, serem isoladas por parte dos colegas ou baixo rendimento escolar.
Apesar de ser uma doença frequente, a maioria das pessoas sabe muito pouco sobre epilepsia. É importante explicar aos professores e amigos o que é a epilepsia e o que devem fazer perante a ocorrência de uma crise. Falar abertamente sobre a epilepsia pode ajudar a combater alguns medos e estigmas acerca da doença.
Surgiram nos últimos anos avanços muito significativos em várias áreas - conhecimento sobre a causa das diferentes epilepsias, prevenir as co-morbilidades da epilepsia (cognitivas, comportamentais e psicossociais) e desenvolver novas terapêuticas com menos efeitos secundários e terapêuticas dirigidas especificamente à causa/mecanismo de cada epilepsia, tendo-se iniciado os primeiros estudos para terapia génica de algumas epilepsias graves da infância. É fundamental transmitir uma mensagem positiva de que a epilepsia é tratável e de que os doentes com epilepsia podem e devem ter uma vida o mais “normal” possível, beneficiando de todas a oportunidades dos seus pares.
Um artigo da médica Sofia Quintas, neuropediatra e membro do Centro de Referência de Epilepsias Refratárias no Centro Hospitalar Lisboa Norte - Hospital de Santa Maria.
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