Por volta dos 20 anos, Ana Isabel Gonçalves achava estranho o facto de não conseguir ouvir as músicas que tocavam em casa dos vizinhos, ao contrário dos seus pais e da sua irmã.

Na mesma altura, começou a notar que «se estivesse deitada no sofá a ver televisão, com o ouvido direito tapado, quase não ouvia». No entanto, ao falar ao telefone, ainda não notava diferenças.

Procurou, pela primeira vez, um otorrinolaringologista e submeteu-se a um audiograma, um exame de impedânciometria (que permite estudar a flexibilidade e o estado da membrana timpânica para aferir possíveis lesões ou perfurações) e a uma TAC aos ouvidos que detetaram uma possível otosclerose. «Como a perda de audição ainda não afetava gravemente o meu dia a dia, como estudante, o médico aconselhou-me a só colocar um aparelho auditivo por volta dos 24 anos, uma vez que o ouvido ainda não se havia desenvolvido completamente», recorda.

O agravar da situação

Após a licenciatura, deixou de ter acesso ao seu otorrinolaringologista habitual e, como não sentia que o seu problema auditivo afetasse a sua profissão, adiou a procura de um novo médico. Entretanto, casou aos 25 anos e foi mãe pela primeira vez um dia antes de  completar 27. Voltou a ser mãe aos 30 anos.

«Todas estas mudanças implicaram que acabasse por me colocar em último lugar e não procurasse uma solução para o problema», diz-nos. Além disso, tinha conhecimento que os aparelhos auditivos eram bastante dispendiosos e não tinha capacidade financeira para os adquirir. Os problemas agravaram-se após a segunda gravidez pois começou a sentir uma grande dificuldade em compreender os alunos durante as aulas. Foi então que optou por procurar novamente ajuda especializada.

A origem do problema

«Inicialmente o diagnóstico era otosclerose, mas os exames, feitos o ano passado, revelaram uma surdez mista, em ambos os ouvidos, a qual impossibilita a colocação  cirúrgica de uma prótese, que resolveria o problema da otosclerose no ouvido médio, uma vez que o ouvido interno também não está a funcionar em condições», salienta Ana Isabel Gonçalves.

As causas do seu problema não foram identificados mas pensa-se que sejam de origem genética ou que as alterações hormonais tenham agravado a situação, o que foi verificado após as duas gravidezes. Só agora, em retrospetiva, percebeu que as dificuldades já tinham surgido durante a adolescência «Tinha alguma dificuldade em compreender partes deótima aluna à disciplina», recorda Ana Isabel Gonçalves. O que pensava ser má dicção de algumas letras de músicas viria a revelar-se falta de audição.

Dificuldades no dia a dia

Em casa, se estivesse deitada para o lado direito, não ouvia as filhas chamarem-na.

«Mesmo que chorassem no quarto ao lado, não as ouvia, o que me obrigava, sempre que ficava sozinha com elas, a ir vê-las de cinco em cinco minutos para ficar descansada», explica Ana Isabel Gonçalves.

Na escola, não conseguia acompanhar as reuniões ou formações se as pessoas falassem um pouco mais baixo que o normal.

«Tinha dificuldade em ouvir conversas na sala de professores ou em jantares com amigos e compreender os alunos que falassem num tom mais baixo que o normal». Além disso, sempre que me dirigia a algum balcão de atendimento ou receção, locais em que as pessoas têm alguma tendência para falar baixo, pedia, quando possível, ao meu marido  para me acompanhar e responder por mim, sempre que eu não conseguisse perceber o que me era dito», desabafa.

A reação dos outros

Um dos grandes problemas que Ana
Isabel Gonçalves sentiu foi perceber que, «em geral, a surdez não é um
problema visível». Por esse motivo, não era pouco frequente afirmar «pode falar um pouco mais alto porque eu não consigo ouvir bem?», relembra. Ainda
que o  solicitasse, «as pessoas aumentavam o volume da sua voz durante a
primeira ou segunda  frase, voltando posteriormente a um tom demasiado
baixo para ser compreendido».

«Quando nos encontram novamente,
tornam a usar o mesmo tom baixo de sempre e temos de relembrar novamente
que não ouvimos bem e que a pessoa deve falar mais alto», sublinha.
Além das dificuldades diárias, Ana Isabel Gonçalves cansava-se
fisicamente por todo o esforço que tinha de fazer para tentar ouvir.
«Acrescia ainda o esforço mental ao tentar construir frases inteiras das
palavras que conseguia compreender ao ritmo da conversa e da leitura
dos lábios, que acabava por fazer inconscientemente», adianta.

Usar um aparelho auditivo

Mesmo com ajuda médica, o seu problema auditivo agravou-se. «No entanto, penso que teria muita dificuldade atualmente em ir trabalhar, se não tivesse procurado ajuda», explica.

Dirigiu-se então a uma clínica e adquiriu um aparelho auditivo para cada ouvido.

«Colocam-se atrás da orelha e só tem um fiozinho transparente que passa na parte da frente da orelha e entra no ouvido», refere.

«Nessa parte é colocada uma borrachinha que permite que o aparelho fique acomodado no canal auditivo», explica ainda Ana Isabel Gonçalves. Este aparelho auditivo funciona a  pilhas, que duram cerca de uma semana.

O impacto

«Apesar de ainda me encontrar em fase adaptação, uma vez que o meu ouvido direito piorou recentemente, tornou o meu dia a dia muito mais fácil, pois as dificuldades que sentia, diminuíram muito. «Ainda não desapareceram totalmente», conta. Usa o aparelho durante o  dia que «quase passa despercebido. Depois de um ano, os meus alunos ainda não repararam». E quem com ela lida no dia a dia relativiza e até brinca com a situação. Ana Isabel Gonçalves conta que «um dia, uma colega reparou que eu tinha aparelho e disse, em tom de brincadeira, que eu era na realidade uma espia e o aparelho era o instrumento utilizado pelas chefias para comunicarem comigo», recorda.

Os conselhos de Ana Isabel Gonçalves

- Procure ajuda especializada
«Aconselho vivamente que se procure ajuda, pois a diferença no dia a dia é enorme», recomenda.

-
Não ter vergonha de usar aparelho

«A sociedade já não encara esta
situação como antigamente e há aparelhos com design e cores muito giras.
Numa era de auriculares bluetooth, estes aparelhos até podem ser
confundidos esse tipo de tecnologia», adverte.

Texto: Cláudia Pinto
Foto: Artur