É um ciclo vicioso: dormir pouco ou mal pode dar origem a problemas de saúde que, por sua vez, se podem manifestar em problemas de sono.
Confuso? O neurologista Ângelo Soares, autor do livro «O sono – efeitos da sua privação sobre as doenças orgânicas», reuniu o conhecimento científico sobre o tema. Falámos com ele para esclarecer todas as suas dúvidas.
Que impacto tem o sono no sistema imunitário?
É fundamental dormir bem sete a oito horas por noite. Se isso não acontecer, os neuromoduladores segregados e destinados a determinada função não desempenham normalmente o seu papel. E assim se começa, lentamente, a criar uma situação de desvio da saúde, até que surgem as queixas e os sintomas.
Que patologias podem surgir associadas ao défice de sono?
Desde doenças vasculares, cardio-respiratórias, mentais e até o cancro. Claro que não se pode dizer que o cancro é derivado da falta de sono, mas a falta ou privação do sono, voluntária ou involuntária, contribui para criar condições de desenvolvimento para certas doenças, nas áreas em que a pessoa é mais susceptível.
Dormir bem pode prevenir a doença de Alzheimer?
É difícil dizer se quem dorme pouco vai ter doença de Alzheimer ou se é esta que conduz à falta de sono, mas as duas situações estão interligadas. No entanto, para se ter esta doença é preciso ter condições prévias, nomeadamente genéticas, sendo a perturbação do sono apenas um sintoma.
Que alterações do sono são indício de doença?
Essa fronteira é indefinida, até porque as pessoas têm sensibilidades diferentes à doença.
Mas há sinais de alarme como fadiga física e mental, dificuldades de concentração e reacção, dificuldades de aprendizagem, perda de eficácia no trabalho, irritabilidade e até violência…
São «alarmes» que disparam quando é altura de pensar no que se passa ou de procurar alguém que o explique.
Que consequências imediatas tem o défice de sono na aparência física?
Além das olheiras, a pele fica mais seca, descamativa e mais flácida e há tendência para a perda de massa muscular e sua substituição por gordura. Como resultado, a estrutura anatómica e a aparência física alteram-se.
Como é que o défice de sono conduz à perda de massa muscular?
Imagine um aparelho eléctrico ligado à corrente: o neurónio entra na chamada placa motora como se fosse uma ficha ligada a uma tomada. Essa placa motora funciona como um estímulo electro-metabólico essencial ao músculo.
A falta de sono em quantidade ou em qualidade, porque se dorme «muito depressa», pouco ou em demasia, origina alterações fisiológicas estruturais que ao nível das placas motoras podem conduzir a perturbações metabólicas nos músculos, levando à perda de massa muscular e deposição de gordura, o que provoca perda de força e flacidez. A ginástica apenas vai contribuir para a manutenção funcional e objectivamente comprovável do músculo.
Dormir demais também pode ser prejudicial à saúde?
Dormir demais também provoca alterações bioquímicas. No entanto, só é significativo se for uma situação constante ou muito frequente.
Nesse caso, pode ser necessária investigação clínica através de exames subsidiários, como electroencefalogramas, polisonografias ou outros.
Uma pessoa pode dormir demais porque é diabética, anda muito ansiosa ou deprimida, ou qualquer outra situação a determinar.
Além de causa, as alterações do sono podem ser consequência de problemas imunitários?
Sim, se um indivíduo tem uma doença mais ou menos grave que afecta o sistema imunitário, as células cerebrais que presidem à formação e evolução do sono são mal nutridas. O sono deixa de ser reparador para ser «aquilo que se pode arranjar». Muitas vezes, nessas alturas, uma pessoa perde o sono e recorre a medicação.
Como actuam os medicamentos indutores do sono?
Têm efeitos ao nível dos neurotransmissores, ou seja, alteram a estrutura normal e provocam em geral um sono superficial. Se a pessoa tem condições para isso, engrena num sono normal, o que é pouco frequente; se não as tem, não consegue um sono profundo.
Quem toma este tipo de medicamentos de forma recorrente não tem a sensação de sono reparador ou descansado, porque o sono não-REM tipo três ou quatro (dito sono profundo) e o sono REM (o sono com sonhos) não são produzidos.
Um problema de sono pode ter origem exclusivamente neurológica?
Sim, mas podem ocorrer as mais variadas razões para as alterações do sono, desde alterações cardíacas, cardio-respiratórias, hepáticas, do rim, até um tumor cerebral ou um cancro. Por exemplo, o primeiro sintoma do carcinoma do pâncreas está relacionado com falta de sono.
Qual a explicação científica para o sonambulismo?
É um problema neurológico relacionado com o mau funcionamento de certas estruturas, o que se detecta através de uma TAC, ressonância magnética ou/e do electroencefalograma. Muitas vezes é uma forma de hiperexcitabilidade cerebral relacionada com uma forma de epilepsia.
É caso para ir ao médico?
Sim, especialmente um neurologista, para se detectar a causa. Se for um problema tratável, dentro de dois ou três anos fica resolvido.
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Texto: Rita Miguel com Ângelo Soares (neurologista)
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