As alterações do tamanho e função tiroideia fascinam os médicos desde a antiguidade. O seu aumento, a que chamamos bócio, sempre trouxe dificuldades cirúrgicas pela delicadeza das estruturas do pescoço e o risco de hemorragia. A função endócrina, que tem implicações no metabolismo celular, pode afetar seriamente o desenvolvimento físico e o comportamento do indivíduo. Esta glândula em forma de borboleta, localiza-se no pescoço e é habitualmente impalpável.
As doenças da tiroide podem ser classificadas pela sua produção hormonal em hipertiroidismo, hipotiroidismo ou eutiroidismo quando a função é normal. Os sintomas decorrentes de uma função exagerada resultam em hiperexcitabilidade, emagrecimento, taquicardia, diarreia, insónia, irritabilidade ou calor exagerado. Aqui as causas mais frequentes são o nódulo tóxico ou a doença de Graves, que é uma doença difusa da glândula com bócio, alterações oculares e inchaço das pernas. O hipotiroidismo é 5 a 10 vezes mais frequente e tem como sintomas o aumento de peso, sonolência, prisão de ventre e raciocínio lento.
As causas mais frequentes de indicação cirúrgica da tiroide são o hipertiroidismo e os nódulos sem alteração da função. Acredita-se que cerca de 40% da população adulta feminina tenha nódulos tiroideus. A incidência de tumores malignos desta glândula tem vindo a aumentar em Portugal, havendo cerca de 500 novos casos anualmente.
Nos anos mais recentes tem havido um grande desenvolvimento dos exames de imagem e vulgarização do uso da ecografia. Muitos clínicos usam a ecografia para complementar a observação do seu doente e por isso já se lhe chamou “o estetoscópio do médico do século XXI”. A tiroide é facilmente caracterizada com este exame, que avalia o tamanho, a presença de nódulos e o seu grau de suspeição de malignidade. Os nódulos duvidosos são sujeitos a biópsia citológica com uma agulha fina. Assim se selecionam os casos que necessitam cirurgia.
No tratamento cirúrgico da tiroide há alterações muito significativas nos últimos anos. Desde logo cada vez mais se pratica uma política poupadora de glândula. Como a maioria dos nódulos são de bom prognóstico, mesmo que malignos, conserva-se o lado não afectado na maior parte das situações. Isto contraria a tendência de fazer tiroidectomia total como faziam as escolas mais antigas. Também por este motivo cada vez menos se faz iodo radioativo como complemento à cirurgia das doenças malignas da tiroide.
Quando falamos de cirurgia, também aqui tudo mudou com a introdução de técnicas minimamente invasivas, à semelhança da cirurgia noutras áreas do corpo. As técnicas endoscópicas permitem fazer cirurgia por abordagem axilar ou através da boca. Nestas operações os órgãos são visualizados num monitor de alta definição e de grande dimensão. Isto permite fazer uma cirurgia de alta qualidade e precisão, com menor agressão e sem cicatriz visível no pescoço. Outro importante benefício é discrição da intervenção, ou seja, não há estigmas visíveis que denunciem a operação.
No campo da segurança também há a assinalar progressos muito relevantes. Com grande proximidade à face posterior da glândula, passam os nervos recorrentes laríngeos, responsáveis pela mobilidade das cordas vocais. São estruturas difíceis de identificar com certeza, têm importantes variações anatómicas e são particularmente sensíveis à manipulação. A neuromonitorização é uma tecnologia que permite identificar com certeza estes nervos, ajudando à sua preservação. É composta por um sensor na corda vocal e um estimulador que se encosta ao nervo para a sua correcta identificação e é obrigatória em qualquer centro cirúrgico de referência nesta área.
O uso sistemático da neuromonitorização teve também um impacto importante na sua prática. A identificação do nervo da corda vocal previne a rouquidão permanente e a asfixia (na lesão recorrencial bilateral). Antes da neuromonitorização a identificação do nervo era presumivelmente conseguida em 85% dos casos. Desde o seu uso sistemático em todos os casos a identificação de certeza é conseguida em 100%.
Outra emergente tecnologia é a fluorescência para identificação das glândulas paratiroides. Estas pequenas e sensíveis estruturas encostadas à tiroide, são responsáveis pelo metabolismo do cálcio. Com uma câmara apropriada e injeção de uma substância fluorescente, o cirurgião pode avaliar o estado das paratiroides durante a intervenção à tiroide.
O uso de fluorescencia paratiroideia já foi experimentado pelo grupo em alguns casos e apresenta-se promissor, particularmente na cirurgia de tiroidectomia total, seja por abordagem clássica, seja por abordagem oral. Finalmente, outras estratégias de verificação e segurança do grupo são a ecografia cirúrgica peri-operatória e a laringoscopia na extubação. Em todos os casos, os doentes são sujeitos a ecografia na mesa de operações imediatamente antes da cirurgia, durante a operação se necessário e no pós-operatório. Esta estratégia permite otimizar a intervenção e verificar os resultados imediatos. A laringoscopia é a visualização direta das cordas vocais, e feita no final da cirurgia ajuda a orientar a recuperação precoce.
Actualmente, a equipa que lidero é a única em Portugal a incorporar estas novas técnicas e tecnologias, com elevada taxa de sucesso. Os resultados já foram apresentados em diversos encontros médicos e publicados em revistas científicas e as técnicas têm sido apresentadas em cirurgias ao vivo em diversos hospitais nacionais e estrangeiros.
A constante melhoria, aliada a máxima segurança, poupança da glândula e otimização de resultados, são os lemas da nossa equipa.
Um artigo do médico Jaime Vilaça, especialista em Cirurgia Geral.
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