Mãe de três filhos, arquiteta, com uma vida profissional enriquecedora, Paula Pinto tinha 40 anos quando a artrite reumatoide a surpreendeu inesperadamente. A doença obrigou-a a redefinir prioridades e a adaptar-se a uma nova vida, com condicionantes que afetam o seu dia a dia e que a impedem de desfrutar em pleno de alguns prazeres da vida como, por exemplo, andar a pé e dançar ou alimentar o sonho de, um dia mais tarde, eventualmente, pegar um neto ao colo.
Mas, aos 56 anos, era uma mulher em paz consigo própria, que soube aceitar a doença e que fez do egoísmo não um defeito mas uma virtude. «Vou buscar compensações em tudo o que posso», desabafava, na altura, em entrevista à revista Prevenir. «Tenho umas mãozinhas de barbatana que não me atrapalham nada», ironiza. «Era melhor que não tivesse doença nenhuma mas apareceu e tenho de saber viver com ela», conta Paula Pinto.
Assessora do Instituto de Gestão do Património Arquitetónico e ex-vice-presidente da ANDAR, Associação Nacional de Doentes com Artrite Reumatóide, lida com o problema com uma tranquilidade invejável e com um sentido de humor peculiar. Arquiteta de formação, tinha apenas 40 anos quando lhe foi diagnosticada artrite reumatoide. «Foi há anos e os sintomas foram vários, o que dificultou um diagnóstico imediato e correto», lamenta.
Os primeiros sinais da doença
Os primeiros sinais da doença foram tudo menos claros. «Não tinha marcadores nas análises, nem deformações ósseas, mas tinha febre, dores musculares e nas articulações. Perdia cerca de dois quilos por mês, não tinha energia, manifestava prostração e tinha uma anemia grande», prossegue Paula Pinto. «Foi um processo difícil para conseguir fazer o diagnóstico certo», recorda ainda.
De imediato, foi obrigada a ficar seis meses em casa em repouso absoluto porque a doença a impediu de fazer praticamente tudo. «Já quase não tinha movimentos nem força nenhuma nos braços e tive de fazer um programa de reabilitação em água quente para recuperar os movimentos todos, e bastante descanso», conta.
A aceitação e adaptação a uma nova condição
Na altura, confessa que não se apercebeu logo das mudanças que o seu quotidiano viria a sofrer. «Acho que só pensei nisso bastante mais tarde porque sempre julguei que ia recuperar tudo e, portanto, não me ralei nada de estar parada seis meses. Lia imenso, à espera que passasse», diz. «Ao longo do tempo, apercebi-me que ia perdendo coisas e de que hoje tenho uma qualidade de vida inferior à das outras pessoas que não têm doenças», refere.
«Mas fui-me compensando de outras maneiras», acrescenta. Inteligente e vivida, Paula Pinto não se deixou abater pela doença. Bem pelo contrário, enfrentou-a e aprendeu a viver com ela da melhor maneira possível. Para isso, há, no seu entender um imperativo muito importante a seguir. «O fundamental é a aceitação da deficiência. Uma vez aceite, aprende-se a lidar com ela. E, felizmente, as pessoas que conheço com artrite reumatoide não são de se queixar muito, nem as vejo a chorar pelos cantos», sublinha.
«São pessoas que tentam fazer a vida delas e, às vezes, usam mesmo o sentido de humor para lidar com a situação», defende. No entanto, não esconde que nem sempre tudo foi nem é assim tão linear e pacífico. «É claro que houve momentos de revolta, de incompreensão. Há pessoas que têm uma única crise na vida inteira e a doença depois fica sossegada, e há artrites que reagem bem aos tratamentos. Mas, no meu caso, é refractária e não reagia rigorosamente a nada», explica.
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Redefinir prioridades e saber ser egoísta
Paula Pinto não só redefiniu prioridades na sua vida, como passou a saber desfrutar de todos os momentos em que se sente melhor, valorizando-os. «Sou muito comodista, não arranjo brigas com ninguém, não estou com pessoas de quem não gosto», afiança. «Se não me apetece fazer algo, não faço», assegurou na entrevista. Passei a dar muito mais importância a mim do que ao resto. O egoísmo aqui é uma coisa muito importante», afirma sem receio do politicamente incorreto.
A nível profissional, a artrite reumatoide também a obrigou a encontrar novas formas de trabalhar. Mas o seu pragmatismo e segurança não lhe dificultaram as escolhas a fazer. «Tinha a preocupação de que se não podia fazer muito, fazia menos, mas bem. Uma das coisas importantes no trabalho é uma pessoa ser necessária e se fizermos as coisas bem feitas e formos competentes, somos sempre necessárias no trabalho, doentes ou sãs. Por exemplo, os horários», sublinha.
«De manhã isto mexe tudo mal, por isso trabalho de tarde. Não tenho medo de trabalhar, mas também aprendi e não tenho receio de dizer não. E quando não posso, não faço. As pessoas têm sempre um certo pudor em serem incapazes. Eu não tenho. Estou deficiente, paciência!», refere.
«Admito também que, a partir do momento em que assumi que tinha menos capacidade do que outras pessoas, foi mais fácil. Não se faz o mesmo que os outros, faz-se o que pode», explica ainda. Apesar do optimismo, é evidente que há pequenas coisas das quais não pode desfrutar da mesma forma e que deixam um certo vazio», conta.
A saudade das coisas que deixou de poder fazer
«Só tenho saudades de andar a pé, de que gostava muito e não posso, nem gozar a praia e as viagens como o fazia, não posso dançar e gostava muito», desabafa. «Apesar disso, tentei sempre fazer tudo. Ia para a praia de canadianas, levava-as até ao mar, tomava banho. Mesmo assim, viajo, gasto é mais dinheiro em táxis», lamenta.
«Já doente, estive na Namíbia e fui duas vezes a Nova Iorque», contou ainda. «Felizmente, antes de ficar doente viajei muito e, hoje, penso que tudo o que se pode fazer na vida deve ser feito na altura e não deve ser adiado. E é isso que recomendo aos meus filhos», assegura Paula Pinto, que hoje vê a vida com outros olhos.
Não descurar o tratamento
Desde que lhe foi diagnosticada a doença, Paula Pinto seguiu à risca todos os tratamentos que os médicos lhe recomendaram. «Ao início não havia muita coisa, a não ser corticóides, anti-inflamatórios e pouco mais», realça. Por isso mesmo, a doença continuou a progredir alegremente», relata. Depois do tal surto grande, a doença entrou em remissão mas sem nunca parar e, durante uma série de anos, fez apenas tratamentos para aguentar.
«Fiz todos os tratamentos que há e todos os biológicos, desde que apareceram pela primeira vez. Melhorei um pouco mas a doença nunca esteve inativa. Sentia sempre cansaço, dores, e havia um ou dois dias por semana em que precisava de ficar esticada em casa sem fazer nada», conta. Na altura da entrevista, Paula Pinto estava a experimentar um novo medicamento biológico que lhe é administrado por perfusão (via endovenosa) no Hospital Garcia de Orta, em Almada.
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Os desgastes ósseos que lhe condicionaram as rotinas
Os tratamentos têm-lhe dado ânimo. «Faço-o há seis meses e o efeito foi imediato. Passados dois meses, estava completamente diferente e isso trouxe-me uma melhor qualidade de vida. É a primeira vez que sinto francamente melhoras», assegura. Paula Pinto é uma excelente paciente, ávida de usufruir ao máximo de tudo o que possa melhorar a sua condição física. «É uma doença degenerativa e não tem cura», faz questão de sublinhar.
«Tive desgastes ósseos muito grandes, tinha as articulações dos joelhos e das ancas todas destruídas», diz. «E, por isso, fui colocando próteses à medida que ia sendo preciso. Aproveito tudo o que a medicina me pode oferecer. Já fiz três próteses e, em breve, vou fazer a quarta», assumia, na altura, com determinação.
«Esta mãe de três filhos, hoje já adultos, não esconde que tem na família e no marido um grande suporte. E que, felizmente, financeiramente, pode permitir-se ter uma vida mais facilitada em determinados aspetos. «Não vou às compras, não faço jantar, não faço trabalhos domésticos», conta ainda Paula Pinto.
O calvário dos dias de mau despertar
«Tenho uma empregada e o meu marido faz as compras e o jantar, porque gosta de comer bem e de cozinhar», explica. «Se me levanto mais cansada e sem força, volto logo para cama. Tomo o pequeno-almoço ali mesmo e leio um livro», afirma.
«Não tenho pudor em pedir ajuda mas, felizmente, não tenho precisado para aquelas coisas básicas de higiene», revela, satisfeita. «Também tenho a sorte de ter um carro automático, o que é uma enorme ajuda, e em casa, instalei uma cadeira elétrica de subir as escadas», refere ainda.
Sem complexos nem vergonhas
Há muito que soube aceitar a sua doença e não tem problema nenhum em assumir quando pode ou não fazer algo. «Nunca tive costela de heroína, sou comodista, sempre tentei viver bem e é isso que continuo a fazê-lo. A doença ensinou-me que se perde tempo e energia com coisas que não valem nada», considera.
«Quando me sinto melhor, faço o que me apetece na altura e permito-me logo os luxos todos. Antes deste ensaio clínico com as injeções, chegava a casa, tinha de me deitar logo, penalizando a vida social, que é algo de que gosto muito. Não tenho complexos de ter uma doença!», desabafa.
Antes, as pessoas com qualquer tipo de deficiência estavam fechadas em casa. Hoje, não é assim, levam a sua vida normalmente e fazem o que podem. «A única mágoa que tenho é se tiver um neto não lhe poder pegar ao colo. Tenho um sobrinho e já senti isso. Felizmente, pude desfrutar dos meus filhos nas idades próprias», confessa, com a serenidade que transparece.
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Os conselhos de Paula Pinto para enfrentar a doença
- Confiar na medicina
«Façam rigorosamente o que o reumatologista diz e não a vizinha, a prima, ou até mesmo o médico de família. Se começarem desde logo com os tratamentos mais agressivos, o prognóstico é melhor e a evolução da doença pode ser controlada desde o início», recomenda.
«Antes, os tratamentos mais agressivos e com mais contra-indicações eram guardados e feitos em fases mais avançadas», aconselha também Paula Pinto. «Os tratamentos biológicos, por exemplo, têm maior risco de infeções e de incidência de doenças oncológicas, mas é um risco que vale a pena correr», considera.
- Ouvir o corpo
«Não deve contrariar a vontade do corpo. Se ele manda parar, fique quieta, não force as articulações. Evite o stresse porque altera o sistema imunitário e a doença agrava-se. É uma doença sensível ao stresse, contrariedade e pressão. Por isso, é preciso aprender a dominar essa parte. Num dia em que trabalho mais ou tenho mais stresse emocional, sei que no dia seguinte vou estar pior e controlo isso com ansiolíticos», revela.
- Viver um dia de cada vez
«Não se podem fazer planos simples para amanhã, quanto mais para a semana», sugere. «O melhor mesmo é fazer programas reduzidos, nunca acumular mais do que duas ou três coisas além do trabalho porque nunca se sabe se pode ou não cumprir», recomenda ainda.
- Trocar experiências
«É muito importante estar ligada aos outros na mesma condição, ou seja, às associações. Por isso, não deixe de visitar a andar, Associação Nacional de Doentes com Artrite Reumatóide», apela também.
Texto: Ana Mendonça da Fonseca
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