O que é a depressão pós-férias?
É um conjunto de sintomas associados a uma resposta de humor disfórico (desânimo, desesperança, tristeza). O estado de humor pode ser caracterizado por outras emoções como raiva, aborrecimento ou medo. É possível que surjam dificuldades de concentração, insónias, falta de energia e alguns sintomas físicos como dores musculares, dores de cabeça e problemas gastrointestinais.
Contudo, podemos não estar necessariamente perante um episódio depressivo. Esta sintomatologia habitualmente é transitória e ligeira, constituindo respostas normais, adaptativas e adequadas ao contexto.
Este ano o COVID-19 provocou algumas alterações nas férias de muitas pessoas. O medo da contaminação pode ter contribuído para uma diminuição do bem-estar a vários níveis. As regras de distanciamento físico forçaram o evitamento de alguns familiares, sobretudo os mais vulneráveis. Algumas viagens foram canceladas por questões de segurança. Este tipo de situações representaram perdas significativas e necessidade de ajustamento à mudança.
O regresso ao trabalho pode, por isso, ser experienciado de forma mais negativa. Vivemos situações atípicas. Somos forçados a adaptar-nos a uma realidade diferente e mais imprevisível. Podemos estar permanentemente em estado de alerta e hipervigilância, o que pode aumentar os níveis de ansiedade e contribuir para uma resposta de humor negativo.
Isto pode limitar a qualidade de vida e dificultar o retorno às atividades profissionais. Por esta razão, apresentamos algumas sugestões que podem facilitar o regresso ao trabalho e manter a sua saúde mental.
1. Preste atenção às armadilhas da sua mente
A mente pode ser invadida por pensamentos antecipatórios e orientados para o futuro receado. O conteúdo do pensamento pode estar relacionado com tarefas, e-mails, trânsito, risco de despedimento ou possibilidade de contaminação. Isto pode ativar o nosso sistema de stress e ameaça.
Por outro lado, a mente avalia habitualmente a nossa qualidade de vida comparando o nosso estado atual com o estado ideal. Quando considera que existem discrepâncias significativas, e acredita nessa avaliação, surgem emoções negativas. Contudo, quando experienciamos stress e este tipo de emoções, a mente tem tendência a distorcer a realidade. Prestar atenção aos pensamentos, de modo observador e com distanciamento, ajuda-o a não se deixar levar pela realidade que a sua mente cria.
Não tem de alterar os seus pensamentos negativos. Pode observá-los como se fossem passageiros de um autocarro que aparecem e desaparecem. Eles não traduzem necessariamente a realidade. Não se critique por ter pensamentos negativos. Não escolhemos os pensamentos automáticos.
2. Preste atenção ao que está a sentir
As emoções são importantes. Servem para comunicar algo às pessoas ou a nós próprios. Identifique as emoções que está a sentir e as sensações corporais que as acompanham (por exemplo, notar que sente tristeza e tem uma sensação de aperto na zona do peito).
Preste atenção ao que o seu corpo lhe está a dizer. Procure refletir, por exemplo, se a tristeza poderá significar que precisa alterar a forma como se relaciona com o seu trabalho ou até mesmo se este não lhe traz vitalidade e satisfação profissional.
3. Normalize e valide o que está a sentir
É comum sentirmos emoções desagradáveis após as férias e quando antecipamos a rotina de trabalho. Nenhum estado de humor é necessariamente anormal e deve ser enquadrado no contexto. Reconheça que é normal sentir emoções desagradáveis, mas não as tente alterar.
Não se critique pelo que está a sentir. A mente tenta afastar-nos daquilo que nos provoca sofrimento ou desconforto. Não há nada de errado em experienciar emoções desagradáveis. Todas as emoções são legítimas.
4. Permita-se sentir todas as emoções
Estamos rodeados de mensagens à nossa volta com estratégias e ideias para evitar e controlar emoções desagradáveis. Estas parecem insuportáveis e, por isso, é normal que desejemos livrar-nos delas. Contudo, isso tem um efeito paradoxal: o estado emocional negativo mantem-se.
Em alguns casos a sua intensidade e frequência pode aumentar. Permita-se sentir emoções e sensações, tal como são e sem as rotular como más ou insuportáveis. Mesmo que sejam desagradáveis são transitórias. Não vivemos nenhuma “ditadura da felicidade”.
5. Recomece gradualmente
É normal ter dificuldade em ser produtivo após o período de férias. Não retome o ritmo de trabalho de forma abrupta e intensa. Tente fazer uma transição o mais suave possível (por exemplo, regressando a meio da semana). O seu corpo e a sua mente podem precisar de algum tempo até se adaptarem à rotina. Se for possível comece por tarefas mais simples e mais fáceis.
6. Pare e esteja no momento presente
Durante o período de férias é possível que a sua atenção esteja mais vezes no momento presente. Quando retoma o trabalho passa a estar no “modo de fazer” e a funcionar em multitarefas. É natural que esteja menos disponível para estar em contacto com o momento presente.
Facilmente pode ficar envolvido em preocupações ou antecipações. Esta competência para parar, fazer uma pausa e manter, intencionalmente, a nossa atenção no momento presente está sempre ao nosso dispor e pode ser treinada.
Escolha algumas atividades diárias para trazer a sua atenção para o momento presente (por exemplo, ao comer uma refeição, conversar, caminhar ou tomar um duche).
7. Mantenha atividades que lhe proporcionem bem-estar e o estimulem
Ao regressar às rotinas laborais pode passar a negligenciar atividades prazerosas e de autocuidado. É importante estabelecer limites no trabalho.
Procure criar um compromisso consigo para que mantenha consistentemente pequenas atividades que o ajudem a revitalizar e cuidar do seu bem-estar mental, físico e emocional (por exemplo, dar um passeio, ver um filme, fazer exercício físico, ouvir música ou ler um livro).
Ter momentos de gratificação, exploração e descanso na sua rotina habitual é fundamental para evitar sentir-se esgotado.
8. Conecte-se com amigos e familiares
Somos uma espécie social e, por isso, temos necessidade de nos conectarmos e ligar aos outros. Tranquilizamo-nos e acalmamos emoções desagradáveis quando estamos em relação. A procura do outro funciona como um regulador psicobiológico, porque este pode ser uma fonte de suporte e regulação emocional.
Embora tenhamos algumas restrições devido ao COVID-19, podemos recorrer às ferramentas tecnológicas para nos mantermos ligados. O sentimento de pertença é indispensável para a nossa segurança física e mental.
9. Se precisar, procure ajuda profissional
Esteja atento à intensidade e duração do seu estado emocional negativo. No caso da depressão, são frequentes as alterações emocionais (diminuição do humor, tristeza, vazio, raiva, ansiedade, vergonha, culpa), motivacionais (perda de energia e interesse por atividades), cognitivas (dificuldades de concentração, ideias negativas acerca do eu, do mundo e do futuro), comportamentais (atividade diminuída, isolamento social, agitação ou inibição) e biológicas (perturbações do sono, perda de apetite, perda de peso).
Se existir stress contínuo ou sentimentos desagradáveis persistentes (por exemplo, tristeza, ansiedade ou raiva), com impacto significativo na sua vida, pode ser necessário procurar apoio especializado na área da saúde mental.
Texto: Tânia Costa - Psicóloga Clínica e da Saúde
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